Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Pedro Paulo Rezende

ANGOLA

"Imprensa em terreno minado", copyright Correio Braziliense, 28/04/02

"As manhãs de sábado são esperadas com ansiedade pelos luandenses. É quando os semanários independentes circulam, na maioria das vezes com graves ataques ao governo. De propriedade privada, eles fornecem um contraponto ao único diário do país, o Jornal de Angola, de caráter oficial. Mesmo assim, seu papel é restrito. Circulam apenas na Província de Luanda. Ao todo, são cinco títulos: Angolense, Actual, Agora, O Independente e Folha 8, o único a apoiar abertamente o ex-líder da União para a Independência Total de Angola (Unita), morto em combate no dia 22 de fevereiro.

Por sua confiabilidade, dois semanários independentes, Agora e O Independente, tornaram-se os preferidos e são disputados nas ruas de Luanda. Menos opinativos que os concorrentes, preocupam-se em diversificar o material noticioso. Seus ataques às autoridades são recheados de dados bem levantados em reportagens estruturadas com competência.

Na edição do dia 6 último, o Agora trazia um exemplo de como esses semanários trabalham: uma matéria em duas páginas sobre os inúmeros esqueletos de construções inacabadas em Luanda, muitos deles transformados em favelas verticais pelos refugiados da guerra.

O texto cobrava ação das autoridades provinciais e trazia entrevistas com moradores e líderes comunitários, inclusive com o síndico eleito do Prédio da Lagoa, um edifício de 17 andares abandonado em 1971, depois que as autoridades coloniais portuguesas descobriram sérias falhas de execução – entre outras, suas fundações foram plantadas sobre terreno pantanoso. Lá, vivem 1.500 pessoas em condições subumanas.

O governo usa a existência da chamada imprensa independente como um sinal pálido do surgimento de uma sociedade multipartidária e democrática. É uma prova de legitimidade para um regime que, por causa de uma guerra civil, não realiza eleição desde 1992, quando Savimbi desistiu de chegar à presidência pelo voto e preferiu reiniciar a luta armada. Em função disso, em acordo entre oposição e governo, os mandatos presidencial e parlamentares simplesmente foram prorrogados.

As autoridades precisam da imprensa independente e procuram preservá-la ao máximo, embora não lhe forneçam anúncios e subsídios. Por essa razão evitam levar jornalistas e proprietários aos tribunais. Mesmo quando publicam uma matéria falsa.

Coexistência

Um bom exemplo ocorreu em 24 de março. O Angolense publicou matéria afirmando que o general de brigada Wala, responsável pela perseguição e morte do líder rebelde, fora envenenado e estaria à beira da morte. Menos de dois dias depois, o oficial foi visto na cidade de Luena, onde militares discutiam os termos de um cessar-fogo definitivo com a Unita. Apesar disso, as autoridades sequer levaram o caso ao Conselho de Imprensa, organismo que estabelece as punições nesses casos.

Mas houve retaliações. Em 7 de maio o Angolense trazia espaço em branco na capa para denunciar o fato de não ter recebido credencial para cobrir a cerimônia de assinatura do acordo de paz entre o governo e a Unita. ??Aqui deveria estar a foto do cessar-fogo, mas nosso acesso não foi permi-tido??, protestava a manchete.

A matéria trazia a troca de correspondência entre a publicação e o Ministério da Comunicação Social na busca malsucedida de uma autorização para cobrir o evento mais importante na vida do país desde a independência em 1975. Nesse caso, o governo se pronunciou atribuindo o fato à incompetência de um funcionário.

De maneira geral, os semanários independentes vivem espécie de coexistência pacífica com o governo. O mesmo não ocorre com as autoridades e a Rádio Ecclésia, de propriedade da Igreja Católica. Extremamente combativa, a emissora sofreu duas invasões no ano passado, depois de veicular, em duas partes, entrevista de Jonas Savimbi à rede britânica BBC.

Depois da divulgação da primeira parte da entrevista, todo o material gravado foi retirado da sede da empresa, incluindo CDs, minidiscs e fitas digitais com músicas. Apesar disso, no dia seguinte o restante da gravação, guardado em casa por um editor, foi veiculado. Mas durante dois dias os ouvintes tiveram de se contentar com obras sacras.

Para enfrentar essa concorrência, o Jornal de Angola e a Televisão Pública de Angola (TPA), oficiais, tiveram de se mexer. Apoiados por consultores brasileiros, iniciaram uma grande revolução formal e de conteúdo. A partir de 1997, passaram a mostrar erros cometidos pelas autoridades e denúncias contra o governo – tomando o cuidado de mostrar quais as providências adotadas para resolver o problema.

Essa iniciativa, tomada depois de amplas discussões e seminários entre os consultores brasileiros e os jornalistas angolanos, foi extremamente bem-sucedida. Um novo programa veiculado pela TPA, o Nação Coragem, conseguiu explicar as razões da guerra e trazer o apoio da população para o governo, solapando as bases de suporte da Unita combatente. O Jornal de Angola, apesar de oficial, hoje dispõe de uma grande credibilidade junto ao público."

 

VENEZUELA

"Cisneros, inimigo de Chávez, coleciona influência", copyright OESP/The New York Times, 5/5/02

"Só Gustavo A. Cisneros podia ter orquestrado uma cena dessas: o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, e o presidente Jiang Zemin, da China, juntam-se a Julio Iglesias e cantam alguns versos de Quando Saí de Cuba, durante a visita de Jiang a Caracas no ano passado.

Cisneros, magnata da mídia e uma das figuras mais influentes da América Latina, havia providenciado discretamente para que Iglesias, amigo íntimo, amaciasse as relações entre os líderes. Jiang usou a viagem para anunciar investimentos de várias companhias chinesas no setor energético da Venezuela.

Isso foi antes de Chávez – que em outra época tinha o apoio de Cisneros – ser deposto por um breve período, no levante do mês passado que deixou esse país de 24 milhões de habitantes fervilhando com teorias sobre os autores da conspiração. Muitas atenções se voltam para Cisneros, de 56 anos. Ele possui uma das redes de TV mais influentes do país, além de companhias venezuelanas como a Cervecería Regional, fabricante de cerveja, e Los Leones, um time de beisebol popular, em Caracas.

Cisneros, multibilionário cujo conglomerado internacional de 70 companhias tem acesso ilimitado a funcionários políticos e econômicos de alto escalão em quase 40 países, declarou em entrevistas que não se envolveu no plano que levou à remoção de Chávez do poder por 48 horas. Alguns aliados de Chávez também refutaram a especulação de que Cisneros tivesse desempenhado tal papel. ?Não o considero um venezuelano capaz de aventuras desse tipo?, disse José Vicente Rangel, o ministro da Defesa. Mas poucas pessoas em qualquer lugar são tão capazes quanto Cisneros de imiscuir-se em aventuras nos círculos mais seletos.

De todos os radiodifusores na América do Sul, o Grupo Cisneros é o que tem o mais amplo alcance, e companhias pertencentes a Cisneros, como a Venevisión, produzem e distribuem mais de 19 mil horas de programas em espanhol e português por ano, para 40 milhões de lares em 21 países, em três continentes. Ele é o maior acionista da Univision, rede em língua espanhola que possui 18 estações nos Estados Unidos.

A presença de Cisneros nesse segmento de negócios internacionais resulta de decisões que ele começou a tomar na década de 80, muito antes de outros importantes investidores na América Latina olharem para além de seu próprio quintal. Por essa época, Cisneros, com seu irmão mais moço, Ricardo, haviam assumido o controle de um conjunto de negócios fundados por seu pai, Diego, imigrante cubano que se mudou para Caracas a fim de estabelecer uma transportadora nos anos 30.

O pai de Cisneros havia buscado parcerias no estrangeiro, fechando nos anos 40 um acordo para criar uma engarrafadora para a Pepsi-Cola, negócio que durou até o Grupo Cisneros passar a engarrafar Coca-Cola em 1996. O grupo também adquiriu participação numa série de companhias na Venezuela, em setores como supermercados e mineração, consolidando sua posição perto do ponto mais alto da elite econômica do país.

(A situação da família naturalmente ajudou no ano passado, quando autoridades engaveteram uma investigação que envolvia Ricardo Cisneros, por causa da falência do Banco Latino em 1994. Elas disseram que não podiam atribuir culpa individual.) Nos anos 80, o Grupo Cisneros adquiriu participação majoritária no Spalding Sports Worldwide, fabricante de artigos esportivos, e na Evenflo, fábrica de produtos infantis que o grupo vendeu em 1996 por cerca de US$ 1 bilhão.

Essa estratégia resultou num dos impérios de mídia mais internacionalizados da América Latina. As companhias do Grupo Cisneros têm participação múltipla, como nas operações de tevê via satélite DirecTV em oito países, redes de TV em língua espanhola na Venezuela, Colômbia, Chile e EUA; companhias de acesso à Internet na região por meio de uma parceria com a America Online; e até o Concurso Miss Venezuela, que o Grupo Cisneros produz e é transmitido em 20 países.

Esses investimentos permitiram a Cisneros acumular uma das maiores fortunas da América Latina, calculada recentemente pela revista Forbes em US$ 5,3 bilhões, a segunda da região – acima dela, só a riqueza de Carlos Slim, o bilionário presidente da Teléfonos de México. O Grupo Cisneros, controlado por Cisneros e outros membros da família, tem vendas anuais em torno de US$ 3,6 bilhões.

Quando ficou evidente em 1998 que Chávez, político populista que quando era coronel do Exército liderara uma tentativa de golpe em 1992, ia ser eleito presidente, Cisneros e outros empresários de prestígio na Venezuela o apoiaram e tentaram influenciá-lo. Havia muitos anos, membros da elite venezuelana apoiavam políticos de diversos matizes tentando conservar sua influência sobre a economia, disse Mighel R. Tinker Salas, venezuelano que dirige o programa de estudos latino-americanos no Pomona College em Claremont, Califórnia.

Mas o apoio deles a Chávez desgastou-se depois que o presidente deixou claro que planejava buscar mudanças fundamentais na Venezuela para tentar redistribuir riqueza no país, onde 80% da população vive na pobreza.

Discursos de Chávez continham muitas vezes referências a ?oligarcas ordinários? interessados em preservar seus privilégios de classe alta. Oscar García Mendoza, presidente do Banco Venezolano de Crédito, disse numa entrevista que ?Cisneros, a exemplo de qualquer empresário, gostaria de ver Chávez sair? da presidência.

À medida que a proeminência de Chávez aumentava em anos recentes, também crescia a de Cisneros. O Grupo Cisneros investiu 300 milhões para aumentar as vendas de sua Cervecería Regional, reacendendo a competição com a família Mendoza, proprietária da Cervecería Polar – o maior fabricante de cerveja na Venezuela – e tradicional adversária da família Cisneros."

 

ITÁLIA

"Itália faz greve contra a TV", copyright O Estado de S. Paulo, 29/04/02

"A Itália fez uma greve contra a televisão na semana passada. O movimento, batizado de ?Semana Internacional Sem Televisão?, foi encabeçado pelo Syndacato dei Telespettatori (sindicato dos telespectadores), e durou cinco dias. Entre as alegações do sindicato, que vem ganhando força entre os italianos, está a luta contra a alienação e perda de tempo na frente da TV, e a má qualidade da programação. Eles também reclamam da exibição de eventos como o Festival de San Remo, que em décadas passadas revelou talentos da música popular italiana e atualmente, segundo o sindicato, é puramente comercial. A próxima greve de TV lá está agendada para daqui a dois meses."