NÚMERO-NOTÍCIA
Antonio Fernando Beraldo (*)
Daqui para frente, até os idos de outubro, todos nós, brasileiros, sofreremos o desenfreado assédio propagandístico da miríade de candidatos aos cargos eletivos a se atropelarem diante de nós, via mídia, com a predominância bombástica dos presidenciáveis. Na enxurrada delirante que se avoluma, coalhada de panfletos, autidórs, fitinhas, adesivos, canetas, fôuders, santinhos e encimada pelo horário eleitoral gratuito e "medidas populares" de fim de governo, além de uma ou outra "corrupçãozinha" (apud FHC, o Limpo), eu, você e o resto seremos penetrados em pelo menos quatro, senão seis, dos sete buracos da nossa cabeça (apud Caetano Veloso). Nada, mas nada mesmo, do que floriu e feneceu nas eleições passadas poderá ser comparado com o maremoto que virá ? quem viver e souber nadar, verá.
Mas, não desesperais, caro leitor! Eis uma continuação do Pequeno Manual da Pesquisite, publicado originalmente neste Observatório [3/4/02, remissão abaixo], que também contém "tudo o que você gostaria de conhecer sobre pesquisas eleitorais e morre de medo de ficar sabendo". A seguir algumas perguntas ? hipotéticas, por supuesto, mas, digamos, "reais"
** A ascensão de candidatos da oposição nas pesquisas prejudica o desempenho econômico do Brasil lá fora, e abala o cenário financeiro (bolsas, negócios, cotação do dólar) aqui dentro? [pergunta Antonio Kandir, ex-secretário do governo Collor ? trad. Zélia Cardoso de Melo]
Sim, sim. E a mídia adora isso. Os gringos têm uns números com uns nomes complicados, como indexes, ratings, players, dealers, global trading, and so on, que a indiarada daqui acha lovely e acredita piamente que são a expressão cristalina e cool da verdade absoluta. E a gente está sempre bad nessas notas, e por isso mesmo acaba ficando pior, e, em casos como o da Argentina, vai ao pau (nos dois sentidos) e não passa de ano. The problem is que isto é um jogo hard, bruto, e chama-se especulação ? uma das pragas do capitalismo. Parece que estes números não olharam so close para seu próprio país de origem (o tal do zero risk), que andou perdendo só uns 25% do PIB (deles), umas três vezes o PIB (nosso), nas últimas semanas. Jogar na bolsa é uma espécie de esporte nacional dos americanos, e brake the face faz parte do game. Mas lá não tem nenhum Proer para ressuscitar as vítimas de cirurgias contábeis, e a Economic Box deles não demora um século para liberar qualquer tungada no bolso dos gringos. Você pode até dizer well done e "quanto mais alto o coqueiro…", mas o coco acaba caindo over our heads. E com força, já que, para eles, nós somos desprezíveis emerging economies (outro nome para cucarachas).
Para ter uma idéia do estrago que isso causa, o próprio presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu apurar se alguns bancos utilizaram pesquisas eleitorais para inflar os lucros no mercado futuro (BM&F) ? vê só que maldade! Recomenda-se à dirigente da CVM uma visita prévia ao cardiologista, ou que tome um remédio que iniba o olfato.
Back to the cold cow, resultados de pesquisas são "apenas" mais um ingrediente no jogo. Manipulação, interésses (como pronuncia o Sr. Brizola), maracutaias, golpes baixos, inside information, fraudes contábeis, auditorias fajutas, EMBI?s, ratings, tudo isso e muito mais são corolários da regra básica, que é a do lucro: comprar na baixa e vender na alta. E se altas e baixas não ocorrem por mérito ou demérito dos próprios negócios, criam-se altas e baixas artificiais ? aí é que entram as pesquisas eleitorais. E nem precisava, pois a economia mundial já anda mal das pernas há meses. O resto é bobagem.
Por essas e muitas outras, o primeiro mundo e os condomínios da Barra da Tijuca entraram em pânico, mas daí a pedir que os candidatos endossem uma espécie de protocolo de boas intenções com o FMI, francamente, é cair no perigoso terreno da galhofa. Subserviência tem limites, ou não?
** A mídia impressa vem melhorando ou piorando na divulgação das pesquisas? Existe isenção na mídia em relação aos candidatos? [Assis Chateaubriand, pergunta formulada numa sessão espírita]
Vamos por partes. Por um lado, não se vêem mais aqueles magníficos gráficos, prenhes de favoritismo explícito; a divulgação das pesquisas vem acompanhada de "ficha técnica": margem de erro, nível de confiança, estratificação, tamanho da amostra e coisa e tal (a lei eleitoral obriga isso); também poucas vezes lemos manchetes hiperbólicas como "Lula em queda livre" ou "Garotinho atropela na Baixada". Mas, infelizmente, por outro lado, um ou outro jornal ainda faz umas gracinhas, para desespero dos ômbúdismans e observadores, que nada podem fazer contra as submanchetes do tipo "Ciro avança entre as mulheres".
Outra novidade bem-vinda é a simultaneidade da divulgação do resultado das pesquisas por quase todos os jornais, independentemente de qual instituto as fez. Isto é muito bom: pode-se "comparar" (com discernimento, é claro) os números e as tendências ? que até agora têm "batido", exceto em um único e vergonhoso caso, já explicado.
O problema, e este não é recente, é que o círculo "pesquisa vira notícia que vira pesquisa" gerou um subproduto terrível que é, para sermos claros, pura fofoca. Tô sabendo que alguém sabe de uma pesquisa de outro alguém encomendou que parece que diz que o candidato X está acima do candidato Y tantos pontos; olha, não espalha que isto não vai sair no jornal mas é verdade, juro pela minha mãezinha… e por aí vai. Primeiro, aparece numa coluna "social", depois numa dica de um analista financeiro muito bem informado, depois… desaparece. Lula já esteve com 58%, Garotinho já desistiu da campanha ("cedendo" votos para o Ciro) ou ultrapassou o Serra (as duas "informações", acredite, na mesma semana). E quando não é fofoca, é um bom truque para burlar a lei: não se divulga a pesquisa "oficialmente", mas "comenta-se o que os partidos já sabem". É uma forma esperta de dar a notícia sem dar a notícia. Foi o que fizeram quando Ciro passou Serra ? o "comentário" estava nas edições online mas não saiu nos jornais impressos do dia seguinte, embora a expressão "onda Ciro" já estivesse cunhada.
Quanto à isenção da mídia, Sr. Chateaubriand, acho que só em lugares isentos de mídia. Agora apareceu uma espécie de mapeamento do espaço dos jornais dedicado a este ou aquele candidato, com qualificações tais como "positivo", "negativo" ou "neutro". Uma gracinha. É como se fosse possível quantificar subjetividades, como se fosse possível dizer "João gosta de Maria três vezes mais do que Paulo gosta de Rita, e um quinto do que Pedro gosta de Helena". Eu, hein?
** Se a eleição fosse hoje, o Lula e o Ciro passavam para o segundo turno? E no segundo turno, de acordo com a simulação, o Ciro ganhava do Lula? [pergunta P. Pilar, candidata a vice e namorada de candidato]
Não, cara P. E nem se a eleição fosse ontem, quando fizeram a pesquisa de campo. Não fique triste, mas a evolução dos números até agora reflete apenas o impacto da exposição na mídia dos candidatos, cada um a seu tempo e a sua época. Tem uns 50%, mais ou menos, do contingente eleitoral que não chegou a pensar nem de leve em quem pretende votar lá em outubro. E desses, uns 10% só vão se decidir no dia das eleições, logo depois de acharem o diabo-do-lugar-onde-enfiaram-o-título-de-eleitor e consultar os amigos que estão esperando lá embaixo, na kombi, prontos para a pescaria. Então, não tem nada decidido, querida amiga.
A movimentação das pesquisas desta eleição começou muito cedo, quando a filha do Sr. Sarney entrou de sola e quase entrou na cela. Números bons, mesmo, só por volta de agosto. Mas, se a prezada consulente deseja alguma coisa menos fluida, dê uma olhada no resultado das pesquisas de voto espontâneo: Lula (27%) e Serra (9%) estavam na frente do Ciro (5%), há quinze dias. Para os que se lembram de alguma coisa ? é melhor que nada. Mas é quase nada. Aliás, pesquisas até agora revelam como é forte o impacto da exposição na TV, e servem muito bem para a captação de auxílio financeiro para as campanhas, algumas na base do conta-gotas.
No caso de simulações do segundo turno, idem, idem. Mas veja a rejeição dos candidatos, que, nesta eleição, será crucial. Lembre-se que o intervalo do primeiro para o segundo turno, se houver, é extremamente curto ? serão só 21 dias (de 6 de outubro a 27 de outubro), com pouquissimos dias de exposição na mídia televisiviva. Vai ter que ser jogo rápido, e serão testadas, em pleno vôo, as incríveis coligações já urdidas, e as ainda mais inacreditáveis que serão enredadas. Vai ser uma farra para quem gosta de emoções fortes.
** Toda pesquisa de intenção de voto tem que ser divulgada pela imprensa? [pergunta Ratinho, ex-deputado e apresentador de TV]
Não. Qualquer um (e até o senhor, excia.) pode encomendar ou realizar uma pesquisa eleitoral, não é crime nem contravenção. E podemos até contar o resultado pra todo mundo que a gente conhece, non ter problemma. Mas se você quiser divulgar os números urbi et orbi, via imprensa, tem que seguir a Lei Eleitoral, que obriga:
1. registrar nos tribunais eleitorais os parâmetros da pesquisa até cinco dias antes de sua divulgação; este registro pode ser feito via fax ou e-mail, mas não me venha com a desculpa de que não conseguiu linha ou que o micro "pifou". Se você não cumpre os prazos, a multa é de até 21 mil reais);
2. do protocolo aos resultados da pesquisa, tudo é disponibilizado para todo mundo ver o que você andou fazendo. Os adversários, concorrentes e inimigos podem criar caso e impugnar seu trabalho; você tem 48 horas para se defender;
3. se descobrirem que você andou mutretando alguma coisa, pode ser preso e pagar multas de até 106 mil reais, dependendo do tamanho do 171.
Como se sabe, a lei proíbe e pune, mas não impede. E sempre tem um jeito, como vimos na pergunta sobre isenção da mídia. Aliás, tudo tem jeito nessa vida, menos a morte e o Botafogo.
(*) Engenheiro, professor de Departamente de Estatística da Universidade Federal de Juiz de Fora
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