THE ECONOMIST
Antônio Brasil (*)
A televisão digital está chegando ao país nos próximos meses. O governo brasileiro deve finalmente bater o martelo entre as diversas "promessas" dos sistemas oferecidos pelos americanos, japoneses ou europeus. Os critérios para esta escolha continuam nebulosos para muitos especialistas e para a maioria dos principais interessados: os telespectadores.
Como já descrevemos neste Observatório [veja artigo "A televisão do futuro", remissão abaixo], a decisão que deveria ser somente técnica passou a ser também motivo de barganhas políticas e econômicas internacionais. No Brasil, afinal, é sempre dando que se recebe.
Por essas razões é que a extensa pesquisa sobre televisão sob o significativo título "Power in your hand" (Poder na sua mão), divulgada 13/4 pela prestigiosa revista inglesa The Economist, torna-se leitura fundamental para os que se interessam pelo futuro do meio.
Como todas as pesquisas da Economist, o trabalho é sério, bem fundamentado em muitos dados e procura lançar um enfoque original na discussão sobre a introdução da TV digital na Europa e nos Estado Unidos. Segundo a revista, esses países foram escolhidos porque "mais uma vez devem indicar o futuro para todos os demais" (sic). Triste realidade para nós, da periferia.
A pesquisa procura lançar questões importantes. Por exemplo: será que os telespectadores estão mesmo interessados ou preparados para todos os "benefícios" prometidos com tanto alarde pelos defensores da revolução digital na TV? Será que o telespectador realmente quer controles remotos com dezenas de botões ou telas repletas de informações com milhares de opções que o obriga a tantas decisões a todo instante? A conclusão da pesquisa provavelmente não vai surpreender a quem assiste regularmente e gosta de televisão, mas certamente vai decepcionar os gurus da revolução digital: mesmo para quem já possui os milagres da TV digital, o meio continua sendo essencialmente uma fonte de entretenimento. A pesquisa confirma que o telespectador, analógico ou digital, não parece muito interessado em ter que decidir sobre tudo a todo instante. Interatividade para quem assiste televisão se resume, no máximo, à uma escolha de canal e, mesmo assim, se puderem escolher eficientemente por ele, nem isso!
Pires na mão
Esses novos dados certamente trarão mais dores de cabeça para quem deve decidir sobre o padrão de TV digital a ser estabelecido no Brasil. Quem estaria interessado em nos impor uma televisão tão cara e complicada? Para desespero de muitos especialistas, a pesquisa da Economist aponta que ligamos a televisão com o firme e consciente propósito de "emburrecermos" por algumas horas. O problema é que essas horas, apesar do aumento de alternativas, não são poucas: equivalem a um quinto de nossas vidas, pelo menos enquanto estamos acordados.
O telespectador americano médio, com todas as opções das novas tecnologias que vão desde a internet aos videogames de última geração, ainda passa uma média de 4 horas em frente da tela de uma televisão. Assustador mas comprovado. No Brasil, apesar da falta de pesquisas confiáveis, deve ser muito mais. Mas como isso é possível, se o dia continua tendo somente 24 horas? Pelo jeito tem muita gente abrindo mão da higiene pessoal ou mesmo do sono . Muitos navegam bastante na internet e usufruem das alternativas eletrônicas, mas continuam assistindo à televisão regularmente e em altas doses. Obviamente os telejornais não estão entre os mais contemplados com essa escolha, mas isso é uma outra conversa.
Sempre acreditei que a discussão sobre televisão digital no Brasil era antes de tudo precipitada e não ouvia os interesses dos principais interessados: os telespectadores. Entre as questões mais importantes para o futuro da TV em nosso país, que passam pelo controle das emissoras ou dos conteúdos, muitos engenheiros e empresários parecem mais interessados em garantir o acesso imediato a novos e caros brinquedos. O conteúdo desta nova TV e a participação mais efetiva do público parecem ser assuntos secundários em mais uma das nossas grandes aventuras tecnológicas.
Assim como estamos neste exato momento gastando milhões de reais para avaliar as condições técnicas das novas opções, deveríamos estar despendendo pelo menos algum dinheiro para saber o que faremos com mais esta tecnologia. Todo o cuidado é pouco num país que privatiza rapidamente, antes de eleições presidenciais, todo um sistema de telecomunicações ou de energia, gasta bilhões em novas tecnologias e, mesmo assim, poucos anos depois, as mesmas empresas privadas contempladas gritam socorro e já correm para o governo com o pires na mão…
Híbrido de máquinas
A pesquisa do Economist foi feita durante meses em cidades laboratórios na Europa que já possuem os milagres prometidos pela TV digital. Os resultados são significativos para que os governos e as empresas possam conhecer as limitações da tecnologia e os verdadeiros anseios do público. No Brasil, bem sabemos que pesquisa acadêmica séria é considerada inútil. Pesquisa de TV resume-se aos números de audiência e muito, muito "achismo". Muita gente "acha" que tal sistema é melhor do que o outro e que o telespectador vai necessariamente embarcar em mais uma canoa furada, como tantas outras. Questões prioritárias como custo, necessidade comprovada e real interesse parecem contar muito pouco para os donos das decisões. O desejo de ganhar dinheiro rápido e fácil, além de uma fascinação desmesurada por toda e qualquer tecnologia que aterrisa em nossas plagas (a velha cultura da troca de riquezas por espelhinhos e quinquilharias) continuam a nos encantar.
Estão esquecendo que telespectador não possui o mesmo perfil de internauta ou de quem utiliza computador. A convergência de mídias com acesso à internet, muitas câmeras para escolher o melhor ângulo de uma partida de futebol, shopping virtual, pesquisas de opinião sobre qualquer coisa, interferência na narrativa e na conclusão de programas ? as principais promessas da TV digital ?, não parecem sensibilizar as cobaias digitais da pesquisa. Um exemplo é bastante simples e emblemático: qual a jovem que quer responder aos seus e-mails na frente de toda a família, numa tela gigantesca de TV digital no centro da sala? Parece uma questão tola, mas mostra como grande parte do público ainda prefere a privacidade de ter aparelhos diversos para funções diferentes. Passamos faxes em máquina de fax apesar de podermos enviá-los no computador.
Malgrado as garantias dos defensores da TV digital, as promessas de um supremo "teleputer" (híbrido de computadores, telefones, televisores, fax e internet no mesmo aparelho) não parecem interessar muito às pessoas de verdade. É como programar um videocassete para gravar os programas quando não estamos em casa. Já tentou? Nunca consegui sequer entender o manual. VCR serve essencialmente para ver vídeos, apesar das suas inúmeras e confusas possibilidades tecnológicas.
Divertir e esquecer
A maior decepção revelada pela pesquisa ficou reservada para o e-shopping (vendas eletrônicas). Todos contavam que os telespectadores correriam para comprar tudo o que é oferecido durante a programação. Ledo engano! As famílias que já possuem acesso à TV digital experimental não se interessaram em interromper uma boa novela para clicar alguns botões e comprar a mais recente "pulseira marroquina" exibida pela Jade do momento. Querem simplesmente imergir nas bobagens da TV e sonhar com um grande amor.
Mas o levantamento da Economist traz uma boa notícia para o Silvio Santos e seus sorteios e loterias. Os apostadores inveterados passaram a utilizar a TV como uma verdadeira casa de apostas. Gastam bastante para manter não só o vício de ver televisão mas para buscar fortuna fácil. Apesar das inúmeras opções, sexo e dinheiro ainda controlam as mentes de todos, inclusive dos telespectadores digitais.
De todas as novas opções oferecidas pela TV digital, a mais bem aceita pela maioria dos participantes da pesquisa foram os sistemas personalizados de escolha de programação. Estes tendem a tornar ainda mais inerte a vida do telespectador comum. Baseado nos interesses e no perfil do indivíduo, esses novos programas oferecem, de mão beijada, tudo aquilo que ele certamente vai gostar de ver. Diminui-se a capacidade ou a vontade de escolha. Controle remoto passa a ser desnecessário quando tudo já foi previamente filtrado e preparado para cada um de nós.
Apesar de continuar acreditando que televisão é um grande negócio voltado para um grande número de pessoas (em 2001 foram gastos 200 bilhões de dólares em TV só no Estados Unidos, seis vezes mais do que toda a indústria do cinema), fazer milhões de telespectadores assistirem aos mesmos programas no mesmo horário em breve deverá ser coisa do passado. A pesquisa indica que vamos continuar vendo os mesmos programas de sucesso principalmente as séries americanas com suas gracinhas quase inocentes. Continuaremos utilizando a TV essencialmente para o entretenimento, com os mesmos programas mas em horários personalizados.
A pesquisa comprova que a "força está na sua mão", mas frente à telinha nos recusamos a utilizá-la para tomar decisões importantes. A TV digital está repleta de promessas que demandam mais pesquisas. É importante tomar conhecimento das conclusões dos estudos da revista The Economist mas elas não eliminam a necessidade de voltarmos o foco para o nosso país.
Assim como em outras épocas, promessas tecnológicas ou revoluções no meio televisivo ? e, conseqüentemente, no comportamento humano ? são conversas sedutoras de bom vendedor interessado em ganhar dinheiro. A televisão, com todos os seus defeitos e qualidades, é um bom meio para nos informar sobre o que acontece no mundo. Ela nos faz rir e chorar com facilidade, mas antes de tudo nos faz companhia quando estamos sós e queremos, simplesmente, nos divertir. Ou esquecer.
(*) Jornalista, coordenador do laboratório de televisão, professor de telejornalismo da UERJ e doutorando em Ciência da Informação pelo convênio IBICT/UFRJ
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