Friday, 10 de January de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 25 - nº 1320

Pesquisas e apelo à ética

OBSERVATÓRIO ELEITORAL

Marinilda Carvalho

A pesquisadora Eugênia Sarah Paesani enviou carta aberta aos colegas na semana passada convocando a categoria a reler seus códigos de ética, pelo rumo alarmante que institutos, candidatos e meios de comunicação vêm dando às pesquisas eleitorais. A preocupação da pesquisadora se baseia no fato de que a divulgação das pesquisas repercute na economia e na imagem do Brasil, portanto na direção da sociedade, e seu uso exige responsabilidade dos profissionais envolvidos.

Eugênia Paesani é conselheira da The World Association of Research Professionals (Esomar), entidade internacional dos pesquisadores profissionais, e filiada à Associação Nacional das Empresas de Pesquisa (Anep), e por isso considera obrigação manifestar-se diante do vem observando. "Nós, pesquisadores brasileiros associados a qualquer uma das entidades de pesquisa do Brasil ? Esomar, SBPM, Anep ou Abipeme ? subscrevemos os códigos de ética para a realização e a divulgação de pesquisas de opinião e eleitorais. Precisamos relê-los", diz ela.

A pesquisadora cita o Código ICC/Esomar, que se refere a pesquisas de mercado e de opinião de um modo geral, e o Código Wapor/Esomar, que trata especificamente da pesquisa de opinião pública e de prévias eleitorais. "Em 1989, quando eu era a representante da Esomar no Brasil, cuidei de traduzir e publicar os dois códigos, é claro, contando com a inestimável colaboração de um grupo que sempre me deu suporte", informa a carta aberta. "Mas, o tempo passa, a sociedade evolui, a tecnologia avança (e a ética fica um pouco esquecida!), e os códigos têm de ajustar-se às novas realidades. A Anep tem atualmente os dois Códigos traduzidos."

A posição da Esomar

Segundo Eugênia, a Esomar sempre se preocupou com o assunto, porque embora as pesquisas eleitorais representem parcela relativamente pequena no montante de faturamento, expõem a pesquisa aos meios de comunicação com destaque e têm grande influência sobre os acontecimentos. A pesquisadora comenta: "O documento da Esomar foi publicado pela primeira vez em 1983, época em que os países do Leste Europeu viviam restrições às pesquisas de opinião (e nós também, lembram-se?), por isso vocês notarão suas limitações".

A posição da Esomar é clara, diz Eugênia: "A pesquisa de opinião é um instrumento da democracia e só existe onde há democracia. Os resultados das pesquisas devem ser compartilhados, isto é, devem ser devolvidos à sociedade. Quando isto não acontece, alguém, ou algum grupo, tem informação privilegiada".

Importância da fidedignidade

Por isso, o acesso à informação deve ser garantido ? continua a carta aberta da pesquisadora ? e essa garantia dá-se através da mídia. Daí a importância que a Esomar confere ao relacionamento entre pesquisadores e jornalistas. "Podemos resumir e dizer que o pesquisador detecta e o jornalista divulga. E devemos lembrar que a divulgação das pesquisas age como formadora de opinião, daí nossa grande responsabilidade, pois está em jogo a credibilidade na pesquisa e, o que é mais sério, pode estar em jogo o destino da sociedade."

Qual o mecanismo?, pergunta a autora da carta aberta. "A pesquisa retrata a realidade. Portanto, tudo que é divulgado em nome da pesquisa é tomado como verdadeiro, mesmo quando são utilizados subterfúgios como o de dizer tratar-se de ?pesquisa de natureza qualitativa?. Somente as quantitativas devem ser registradas no TSE?", pergunta ela. "Eu ainda não sei."

As razões da carta aberta

"Eu estava acompanhando de longe os resultados de pesquisas eleitorais, até que matéria na Veja surpreendeu-me (edição 1.764, n? 32, de 14 de agosto). A capa perguntava: ?E você… tem carisma? Costuma-se vincular carisma a grandes líderes, mas todos podem desenvolver o talento de influenciar pessoas ? até mesmo os candidatos a presidente?." Eugênia se refere especificamente à matéria "A imagem é tudo", assinada por João Gabriel de Lima (páginas 84 a 87), que foi anunciada como "pesquisa qualitativa" encomendada por Veja ao Vox Populi sobre o debate dos candidatos à presidência da República na TV Bandeirantes.

Diz a matéria: "Foram selecionados, em São Paulo, 10 homens e mulheres entre 25 e 45 anos, pertencentes à classe C, a mais requisitada nesse tipo de pesquisa por seu pensamento corresponder ao da média do eleitorado". Na interpretação de Eugênia, "em nome da pesquisa qualitativa a matéria tem a intenção clara de tentativa de manipulação da opinião pública, e vem-me à mente a já famosa frase de Boris Casoy: é uma vergonha!"

A carta prossegue: "Não se trata apenas de tirar conclusões a partir de um grupo, como ingenuamente alguns colegas até bons pesquisadores pensaram à primeira vista. Até então eu não havia lido a edição anterior de Veja (de 7/8/02), cuja matéria de capa tem o título ?Amizade colorida? e relata ?A história da sociedade de José Carlos Martinez, um chefão da campanha de Ciro, com o ex-caixa de Fernando Collor?".

"Essa matéria", diz a carta , "fala do papel desempenhado por Marcos Coimbra, um dos donos do Vox Populi, nas ?intensas negociações? que resultaram na saída de Martinez. O texto afirma: ?Ocorre que a ligação de Martinez com PC Farias já começara a aparecer de forma negativa nas pesquisas qualitativas que o instituto Vox Populi vinha fazendo para Ciro. Marcos Coimbra, um dos donos do Vox Populi, informou a assessores do candidato de que a dobradinha Martinez-PC dava os primeiros sinais de que poderia prejudicar a campanha do presidenciável.? E a matéria segue até mostrar o papel de Coimbra na saída de Martinez."

Os trechos das matérias que preocuparam a pesquisadora:


Veja de 14/8: "Para se ter uma idéia de como a maioria dos eleitores enxerga os candidatos, Veja encomendou ao Instituto Vox Populi uma pesquisa qualitativa sobre o debate de domingo passado na TV Bandeirantes. Foram selecionados, em São Paulo, dez homens e mulheres entre 25 e 45 anos, pertencentes à classe C, a mais requisitada nesse tipo de pesquisa por seu pensamento corresponder ao da média do eleitorado. Todos tinham também em comum o fato de integrar a fatia dos indecisos. No grupo de discussão, foram mostrados trechos do debate, primeiro com a televisão sem som, e depois com som. O dado mais curioso da pesquisa é que nenhum dos temas levantados pelos presidenciáveis ? isso mesmo, nenhum ? foi discutido pelos integrantes do grupo. Nenhuma estatística foi questionada, ninguém concordou nem discordou de nada do que foi dito, poucos se deram conta dos assuntos que estavam em pauta. Para avaliar Lula, Ciro, Serra e Garotinho, inclusive conferindo-lhes notas (veja quadros ao longo desta reportagem), as pessoas basearam-se unicamente no que viram. Não houve praticamente nenhuma diferença entre a avaliação com som e o julgamento sem som. Em resumo: a forma prevaleceu sobre o conteúdo."

Veja de 7/8: "Foi intensa a negociação para a saída de Martinez. Após três dias de discussões, o deputado paranaense acabou vencido pelas evidências. Ocorre que a ligação de Martinez com PC Farias já começara a aparecer de forma negativa nas pesquisas qualitativas que o instituto Vox Populi vinha fazendo para Ciro. Marcos Coimbra, um dos donos do Vox Populi, informou assessores do candidato de que a dobradinha Martinez-PC dava os primeiros sinais de que poderia prejudicar a campanha do presidenciável. Há duas semanas, a assessoria de Ciro encomendara pesquisas qualitativas para avaliar o peso dessas denúncias. Após reunir grupos de eleitores em capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, o Vox Populi concluiu que a tentativa de vinculação de Ciro à imagem do ex-presidente Fernando Collor, feita pelo tucanato, não estava afetando a credibilidade do candidato. No entanto, a ligação de PC com Martinez, que é desconhecido na maior parte do Brasil, poderia vir a se revelar bombástica. As novas histórias despertavam nos entrevistados as lembranças de que PC coordenava a corrupção no governo Collor."

(…) Mas, na segunda-feira da semana passada, o relatório do Vox Populi foi apresentado ao pessoal de Ciro, em São Paulo. No dia seguinte, o grupo do candidato acionou Marcos Coimbra para informar Martinez sobre o resultado dos levantamentos realizados pelo instituto."


"Depois dessa leitura minha convicção sobre a intencionalidade das publicações ficou ainda mais nítida", diz Eugênia em sua carta aos colegas. "E ao buscar mais informações verifiquei que as pesquisas realizadas por Sensus também devem ser seriamente analisadas, pois o instituto tem relacionamento com candidatos."

"Meu comportamento, minha decisão"

"Diante da seriedade do assunto, mesmo porque o representante do Vox Populi é vice- presidente da Anep, na segunda-feira, 12/8, falei com Eduardo Schubert, que além de presidir nossa associação faz parte da comissão da Esomar que está tratando do reposicionamento da pesquisa no plano mundial, juntamente com Paulo Pinheiro de Andrade, do Ibope. Como integrante do Conselho Superior da Esomar e subscrevendo os códigos de ética que subscrevo, não poderia ficar quieta. Agi discretamente durante a semana, solicitando providências, informando-me a respeito das pesquisas já publicadas e solicitando orientação à direção da Esomar. Também devemos pedir esclarecimentos ao Tribunal Superior Eleitoral", diz Eugênia na carta.

Eugênia enviou mensagem à Veja e pediu também que a Anep organize um Comitê de Ética para examinar as pesquisas de opinião pública que têm sido divulgadas.

Principais itens do Código da Esomar

Para respaldar sua posição, Eugênia cita os itens do código que tratam do assunto:


Item 3: A representatividade das pesquisas de opinião.

"Todas as pesquisas de opinião devem estar baseadas em medições cientificas e representativas da opinião pública. Muito mais freqüentemente o termo pesquisa de opinião é mal-empregado para descrever medições não-cientificas e não-representativas da opinião pública. A representatividade significa a obtenção de medições que podem ser generalizadas para aplicação sem qualquer propensão estatística quanto a toda a população sob consideração. A Esomar está determinada a se opor ao uso impróprio do termo pesquisa de opinião para descrever atividade transgredida por este Código. Solicita-se aos membros que tragam qualquer exemplo de uso impróprio à atenção de seu representante nacional da Esomar. O Comitê de Padrões Profissionais da Esomar preparou cartas e material de apoio para uso dos Representantes Nacionais."

Item 5: A validade e o valor das pesquisas de opinião pública dependem de três considerações principais:

i. a natureza das técnicas de pesquisa utilizadas e a eficiência com que são aplicadas;

ii. honestidade e objetividade da organização de pesquisa que realiza o estudo;

iii. o modo pelo qual os resultados são apresentados e os usos para os quais são postos."


"Em outras palavras, nós temos a responsabilidade de escolher a técnica, aplicá-la com profissionalismo e cuidar para que a divulgação não deturpe os resultados. A ética faz parte de nossa atividade", reitera a pesquisadora.

"Defender a nossa atividade exige que as pesquisas sejam cientificamente realizadas", insiste Eugênia. "Temos de defender a realização científica da pesquisa e a divulgação correta dos resultados. O nosso código é feito para evitar que sejam publicadas notícias parciais de uma pesquisa e que estas levem a uma interpretação errônea de seus resultados."

E ela encerra a carta, datada de 22 de agosto de 2002: "Nosso silêncio pode ser interpretado como um endosso ao que vem sendo publicado, pois há a crença de que ?se foi pesquisado é verdade, se não fosse verdade os pesquisadores idôneos estariam reclamando?. Na qualidade de integrante do Conselho da Esomar eu não poderia furtar-me, embora possa prever os aborrecimentos que isso possa me causar. Mas quero poder continuar olhando de frente os meus colegas."