DOMINGO ILEGAL
Sérgio Salustiano (*)
No últimos dias, os programas com foco principal na "vida real mostrada como você nunca viu", parafraseando a apresentadora Márcia Goldschmidt, foram abalados com a "entrevista exclusiva" de dois integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) ao programa Domingo Legal, apresentado por Gugu Liberato.
O abalo não foi causado pelo fato de os "supostos" integrantes do PCC terem conseguido espaço na mídia, uma vez que criminosos dos mais diversos tipos encontram lugar nos programas vespertinos semanais, e sim por Gugu ter conseguido mostrar, com mais clareza, à sociedade brasileira, que esses programas são meros fazedores de espetáculos, que ética ou verdade é o que menos importa pois, como no circo, o espetáculo tem que continuar.
A grande problemática da questão: alguns apresentadores citados na entrevista (que foi real, pois havia duas pessoas sendo entrevistadas, o que não se pode afirmar é se seriam ou não bandidos) sentiram-se ofendidos com a matéria. Ora, se todos os dias eles abrem espaço ao "mundo-cão", chegando ao absurdo de perguntar a suspeitos de crimes "o que você sentiu quando matou aquela mulher", do que reclamam?
Bradar em frente às câmeras que isso é apologia ao crime, como muitos passaram a semana afirmando por horas a fio, é mais um capítulo da hipocrisia que cobre a nossa sociedade. Espanta-se com um Gugu entrevistando integrantes do PCC, mas acha natural o linchamento de presos rebelados em pleno horário nobre.
Realidade e ficção
Atualmente, com o picadeiro em que a televisão brasileira se tornou, no qual o le&aatilde;o foi substituído pelos criminosos e o domador pela figura do apresentador, observa-se que o prazer na sala-de-estar da família brasileira é assistir, confortavelmente, e na segurança do lar, a desgraça alheia.
Não há motivo para estranhamentos. Os próprios ofendidos se aproveitaram da situação para aumentar ao máximo seus índices de audiência, repercutindo e explorando o assunto das mais variadas formas. O ápice do espetáculo foi o "direito de resposta" permitido ao PCC, que divulgou "nota oficial" à imprensa afirmando que os entrevistados no Domingo Legal não eram do grupo.
Isso é a televisão brasileira. O direito de informar foi esquecido em detrimento do direito de divertir, o jornalismo televisivo a cada dia envereda mais na construção de espetáculos teatrais ou circenses, que atraiam a grande massa. Nesse grande paradoxo em que os programas de TV deslizam entre realidade e ficção, surgem as duas faces da mesma moeda, um formato televisivo que veio para ficar: a ficção construída como realidade.
(*) Jornalista