LEI DE RADIODIFUSÃO
Guilherme Canela de Souza Godoi (*)
"Ah, se as pessoas soubessem como são feitas as
leis e as salsichas." [Otto von Bismarck]
I. Introdução
Duas tendências centrais do atual panorama mundial são também intrínsecas àquilo que vem ocorrendo no campo da mídia: mudança e complexidade. Por essas e outras, é um desafio para os pesquisadores da mídia o acompanhamento incansável deste ator mutante e complexo.
Uma das mudanças pelas quais passa o setor de comunicações atualmente, talvez a mais significativa, constitui-se no processo de fusões, aquisições, joint ventures, associações e outras variantes para designar o fenômeno de namoro e às vezes casamento dos grandes conglomerados de mídia. Assim, fusões de empresas como AOL e Time Warner, no âmbito global, e a associações várias no âmbito nacional, onde o cartel da mídia se fortalece, trazem uma dose elevada de preocupação para os rumos da democracia ? visto que a mídia, especialmente a comunicação eletrônica de massa, tem um papel central na formação cultural e no modo como as pessoas (cidadãos e eleitores) tecem suas elaborações acerca da realidade.
Pois bem. O capitalismo tem se caracterizado ao longo das últimas décadas por uma retirada cada vez maior do Estado dos mais diversos setores da economia, não foi ou é diferente com o setor de mídia. No entanto, para que os seus cidadãos não fiquem, exclusivamente, sob os cuidados do mercado, muitos Estados têm adotado políticas regulatórias para todos os setores que mereçam tal atitude, isto é, legislações específicas que procuram traduzir como as empresas, no nosso caso as empresas [incluindo aqui as empresas públicas, exemplo da TV Cultura/SP] de comunicação eletrônica de massa, devem se comportar são produzidas pelos parlamentos nacionais.
Assim sendo, é fundamental que uma importância especial seja dada à legislação concernente aos meios de comunicação eletrônica de massa, dada a centralidade da mídia nas sociedades contemporâneas.
No caso brasileiro, que é o que nos interessa aqui, a legislação para o setor é de 1962 [Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962], legislação essa que, portanto, não reflete mais as incalculáveis mudanças que ocorreram nesse setor desde então. Há uma percepção por parte do governo federal de que essa legislação precisa ser atualizada, ou até mesmo radicalmente alterada. Como esse é um setor que envolve interesses poderosíssimos, muitas são as áreas de discordância, sendo que duas propostas de legislação, bastante diferentes, já circularam pela internet. A seguir traçar-se-á uma comparação entre os principais pontos da proposta elaborada pela equipe do então ministro Sérgio Motta e do anteprojeto de lei colocado em consulta pública no dia 21 de junho de 2001 pela equipe do ministro João Pimenta da Veiga (ambos do mesmo partido e mesmo governo, diga-se de passagem).
II. As propostas
Circulou na web, a partir de um documento publicado no site AcessoCom <www.acessocom.com.Br>, a quinta versão da Lei de Comunicação Eletrônica de Massa, produzida ainda na gestão do falecido ministro Sérgio Motta. [A versão disponibilizada no referido site é, realmente, a versão entregue ao então ministro interino do Ministério das Comunicações, Juarez Quadros, pelo coordenador da comissão interna do ministério que preparou o anteprojeto de lei, Sr. Ronaldo Albuquerque Sá. O próprio Sr. Sá confirmou, em entrevista, este dado ao pesquisador (Cf. GODOI, Guilherme Canela de Souza ? As comunicações no processo de globalização e os rumos da democracia. Relatório final apresentado ao PIBIC/UnB/CNPq. Brasília: julho de 2000). Isso demonstra serem, como afirmou o ex-ministro Mendonça de Barros, infundadas as declarações do atual ministro, segundo as quais o então ministro Sérgio Motta teria deixado como legado uma idéia muito próxima ao modelo que ele agora propõe.] A segunda proposta, como exposto, é o anteprojeto de lei oficial divulgado pelo Ministério das Comunicações em seu endereço eletrônico <www.mc.gov.br> e submetido a consulta pública por 30 dias, para então ser enviado ao Congresso Nacional, com os acréscimos que o ministério julgar convenientes.
Seja como for, foi de extrema utilidade pública que aquela versão "secreta" tenha sido divulgada, ainda que tardiamente, visto que só assim é possível ter algum critério de comparação entre duas realidades próximas ? a de 1998 e a de agora; do contrário, apenas poderíamos comparar legislações de países diferentes, ou então duas realidades muito distintas ? a de 62 e a de agora, quase 40 anos depois. A futura lei, como reconheceu o próprio ministro Pimenta da Veiga em audiência pública na Câmara dos Deputados, será uma das mais importantes que o parlamento votará nos próximos anos. Disse-o também o ex-ministro Mendonça de Barros, em entrevista a este pesquisador, comentando as pendências da agenda do ministro Sérgio Motta para as comunicações.
A única questão que vai ficar pendente, e se alguma coisa aconteceu desde o Sérgio Motta vivo até hoje e ficou mais difícil é esta, é a questão do soft (que para o ministro Mendonça de Barros é exatamente a questão a ser regulada pela Lei de Comunicação Eletrônica de Massa. [No caso do anteprojeto de lei do ministro Pimenta, optou-se pelo nome de Radiodifusão, visto que todo o tratamento ao setor de Cabo foi suprimido na atual proposta.A transcrição integral da entrevista pode ser encontrada em GODOI (1999).]
Veja-se, então, que para ser completado o processo revolucionário (bom ou ruim, não é o intuito aqui julgar) pelo qual vêm passando as comunicações brasileiras desde a promulgação da Lei do Cabo em janeiro de 1995 faltam dois setores: o dos Correios, cuja lei já foi enviada ao Congresso Nacional, e o da Radiodifusão, cuja lei será, em breve, enviada ao Parlamento.
O que aqui se pretende é analisar brevemente e questionar alguns pontos importantes das duas versões mencionadas. O objetivo é estimular a discussão da sociedade sobre esta legislação de significativo impacto para os cidadãos brasileiros, visto que trata, dentre outras coisas, de uma de nossas instituições mais importantes e ao mesmo tempo mais problemáticas: a televisão.
Feitos esses esclarecimentos introdutórios, passemos às comparações.
III. A agência reguladora
Um dos pontos centrais da versão 5 [para efeitos didáticos chamar-se-á de versão 5 aquela que foi produzida ainda na gestão Sérgio Motta e de versão Pimenta, sem trocadilho, aquela produzida na gestão Pimenta da Veiga] é a instituição de uma agência reguladora para a fiscalização do setor de radiodifusão. Diz a versão em seu Artigo II.1:
"Compete à União, por intermédio da Agência Nacional de Telecomunicações, como órgão regulador, nos termos das políticas estabelecidas pelos poderes Executivo e Legislativo, organizar a prestação dos serviços de comunicação eletrônica de massa."
Observe-se que, ainda que seja extremamente importante a existência de um órgão regulador para o setor, há sérias dúvidas quanto ao estabelecimento da Anatel para esta função. Seria a Anatel a agência ideal para exercer essa função? Não se deveria criar uma agência específica para fiscalizar esse setor? Como fica o já constitucionalmente criado Conselho de Comunicação Social (Constituição Federal, Art. 224), ao qual a versão 5 não faz nenhuma menção? O problema aqui é saber se haverá eficácia em se atribuir esta função substancialmente política a uma agência como a Anatel, que até o momento tem se ocupado das regulações técnico-econômicas do setor de comunicações. A grande preocupação é que nem uma nem outra questão venham a ser devidamente reguladas. Parece estranho, além do mais, a possibilidade de haver dois fóruns para a fiscalização desse setor, a Anatel e o Conselho de Comunicação Social. Ou seja: é importante que haja regulação, mas é fundamental que funcione efetivamente. Em resumo, é preciso pensar com cuidado o modelo da agência reguladora do setor de radiodifusão.
Para aquecer o debate, eis a opinião do ex-ministro Mendonça de Barros sobre o tema:
"A minha posição é que a Anatel é a agência reguladora de hard. Aí você precisa ver se fica no ministério ou se se cria outra agência para o soft, são duas coisas completamente diferentes. O soft é político, o hard é técnico. O que eu quero dizer é que não dá para misturar as duas coisas. A função da Anatel é fiscalizar para que não deixe de haver concorrência no hard, para que ninguém tenha todas as freqüências. (…) E quando eu falei com o presidente, disse: presidente, essa é a questão central (a da regulação do soft )… e eu não quero pôr isso na Anatel, porque aí você está misturando duas coisas distintas. E eu conversei com o Guerreiro e ele concordou comigo" [ver GODOI, Guilherme Canela de Souza ? As comunicações no processo de globalização e os rumos da democracia. Relatório final apresentado ao PIBIC/UnB/CNPq. Brasília: agosto de 1999].
No entanto, o presidente da Anatel [para conferir a entrevista na íntegra ver GODOI (2000), op. cit.], Renato Navarro Guerreiro, em recente entrevista ao autor, afirmou que a agência deveria ficar responsável pela fiscalização também da radiodifusão, como previsto no projeto de Sérgio Motta. Disse, adicionalmente, que a agência já conta com a estrutura para tanto, sendo que seria necessária a contratação de mais 40 pessoas para a incorporação dessa nova função. Guerreiro, contudo, lembrou que agência não tem a função de elaborar políticas, logo, ela poderia fiscalizar a porcentagem, por exemplo, de programação regional ou jornalística das redes, mas não teria (ou não deveria ter) a função de estabelecer qual é essa porcentagem. Além do mais, e esse é um ponto forte para os defensores de uma única agência, a convergência tecnológica é um ponto crucial nas considerações a serem tomadas quando da decisão da manutenção de uma única agência. As conexões entre os setores de telecomunicações, radiodifusão e informática constituem um argumento favorável e importante ao se pensar o fortalecimento da Anatel, com mais essa atribuição.
Para o senador José Fogaça (PMDB/RS) [ibidem] ? que foi o relator da Lei Geral de Comunicações, pela qual se criou a Anatel ?, o Conselho de Comunicação Social deve ser esquecido, e uma agência ? Anacom ? separada da Anatel deveria ser criada para regulação da Comunicação Eletrônica de Massa, tal qual pensa o ex-ministro Mendonça de Barros.
Como já foi mencionado, para o ministro Sérgio Motta (e sua equipe) a Anatel deveria ser transformada numa super agência ? também denominada Anacom ? que englobaria, além das atuais atribuições, os setores de radiodifusão e correios [ver PRATA, José, Nirlando Beirão e Teiji Tomioka ? Sérgio Motta: o trator em ação. São Paulo: Geração Editorial, 1999, p. 449].
No que diz respeito ao órgão regulador houve algumas mudanças significativas quando se olha para a versão Pimenta. A Anatel não é mais tida como o órgão regulador geral e o ministério assume funções regulatórias (notoriamente as outorgas; veja-se que apesar de o ministro Pimenta ter dito repetidas vezes que a fiscalização continuará na Anatel, o parágrafo único do artigo 2? diz que organização inclui também a fiscalização), delegando a um Conselho Nacional de Comunicação a tarefa de estabelecer diretrizes para o setor. Diz o anteprojeto:
Art. 2? Compete à União, por intermédio do Ministério das Comunicações, organizar a exploração dos serviços de radiodifusão, dos serviços ancilares aos serviços de radiodifusão e dos serviços auxiliares de radiodifusão.
Parágrafo único. A organização inclui, entre outros aspectos, o disciplinamento e a fiscalização da exploração dos serviços.
Art. 6? Ao Presidente da República compete outorgar e renovar concessão para os serviços de radiodifusão comercial.
Art. 7? Ao Ministério das Comunicações compete atuar com imparcialidade, legalidade, impessoalidade e eficiência, adotando as medidas necessárias ao atendimento do interesse público e ao desenvolvimento dos serviços de radiodifusão, de seus ancilares e de seus auxiliares, no País e, especialmente:
I – implementar a política nacional dos serviços de radiodifusão, de seus ancilares e de seus auxiliares, em sua esfera de atribuições;
II – propor ao Presidente da República a adoção das medidas a que se refere o artigo anterior;
III – outorgar e renovar permissão para os serviços de radiodifusão educativa e institucional;
IV – outorgar e renovar autorização para os serviços de radiodifusão comunitária;
V – outorgar autorização para os serviços ancilares aos serviços de radiodifusão e para os serviços auxiliares de radiodifusão;
VII – fiscalizar a exploração dos serviços de radiodifusão, de seus ancilares e de seus auxiliares, no que diz respeito ao cumprimento das leis, regulamentos e normas, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 211 da Lei no 9.472, de 16 de julho de 1997;
VIII ? instaurar processos administrativos, decidir e aplicar sanções administrativas quando do cometimento de infração, de qualquer natureza, às disposições desta Lei e de seus regulamentos;
XIII – expedir os regulamentos referentes à outorga e à exploração dos serviços de radiodifusão, de seus ancilares e de seus auxiliares;
XVI ? propor o estabelecimento e alteração das políticas governamentais dos serviços de radiodifusão, de seus ancilares e de seus auxiliares.
Art. 13? Fica criado o Conselho Nacional de Comunicação ? CNC, órgão colegiado integrante da estrutura organizacional do Ministério das Comunicações, com a finalidade de assessorar o Ministro de Estado na formulação de políticas e diretrizes para a exploração dos serviços de radiodifusão.
O artigo 6 da versão Pimenta ora imprime mais uma derrota a todo o conceito de regulação que este governo vinha implementando. Isso ocorreu pela manutenção do poder do presidente da República em conceder as outorgas para o setor. Ou seja, a grande mudança, propalada pelo então ministro Sérgio Motta, no que se refere à transparência no processo de outorgas, poderá ficar prejudicada diante da continuação da condução dessa atividade pelo Ministério das Comunicações. Os poderes do ministério deveriam parar na formulação de diretrizes nacionais para o setor, isto é, na formulação da política para o setor (como, acertadamente, versa o inciso XVI do artigo 7?). Nesse sentido, o conselho criado poderia ser salutar, a despeito do fato de que se configura num órgão muito semelhante e, portanto, conflitante com o Conselho de Comunicação Social, previsto na Constituição Federal de 1988.
A questão aqui, por conseguinte, é que um órgão administrativo (o ministério), cujos integrantes não possuem a mesma capacidade legal de independência, manutenção nos cargos etc., não fique responsável pela implementação de políticas (outorgas), dada a pressão dos atores poderosos com interesses no setor.
Mais do que manter a fiscalização e a outorga de concessões dos serviços de radiodifusão o anteprojeto avança sobre algo que deveria ser competência da Anatel, criando uma duplicidade de competências: os tais serviços auxiliares de radiodifusão (art. 7?, inciso VII), os quais necessitam de uma maior definição, pois há a possibilidade de que haja uma confusão indevida entre os serviços de radiodifusão e outros serviços de telecomunicações [mais do que isso: a não determinação como "serviço de telecomunicações", se for o caso, pode isentar os radiodifusores, por exemplo, da contribuição compulsória para o Fundo de Universalização das Telecomunicações.]; mais um exemplo claro dessa duplicidade está no Capítulo X (referente à tecnologia digital) da versão Pimenta: até o momento a Anatel tem conduzido todo o processo de introdução da tecnologia digital no país, o que passaria a ser competência do ministério.
Outro problema, as outorgas de canais institucionais e educativos (art. 7? incisos III e IV) serem de competência exclusiva e discricionária (há apenas critérios muito mínimos, ainda a serem definidos) do ministério: num país com 5.500 municípios e, portanto, com 5.500 câmaras de vereadores ansiosas por sua TV institucional, esse é um instrumento de barganha política poderoso; a idéia, em si, não é condenável, o problema é que o órgão regulador também é um órgão político por natureza. Por fim, ainda quanto às atribuições do ministério, a manutenção (art. 7?, inciso XIII) do ministério como um órgão capaz de expedir regulamentos para setor, associada ao número incrível de artigos desse anteprojeto que pedem por regulamentação futura é temerária ? há aqui outro foco de barganhas muito intensas, barganhas essas que podem deixar ainda mais torto o já desajeitado projeto apresentado.
O Conselho Nacional de Comunicação parece ser um instrumento interessante na formulação de políticas para o setor; a alínea "d" do inciso II do artigo 16 da versão Pimenta fala, por exemplo, na competência do Conselho em estabelecer diretrizes para a programação dirigida à criança ? o que é salutar. Há, no entanto, alguns poréns: a) na composição do Conselho, é necessário que os sete representantes de entidades de classe estejam bem definidos, visto que há várias entidades de classe para uma mesma classe, o que poderia desfigurar a composição do Conselho, caso haja a predominância de um ou outro interesse; b) há o conflito já mencionado com o Conselho de Comunicação Social, órgão que não é mencionado no anteprojeto; c) não há representação do Congresso Nacional no Conselho.
IV. A falácia da auto-regulamentação
No Título II [aqui as proposições são semelhantes para as duas versões.] ? "Dos Deveres do Poder Público e dos Direitos dos Usuários" ? artigo II.2, o qual versa sobre os deveres do poder público, há pontos que devem ser amplamente debatidos.
A versão 5 fala, nos incisos I, II e VI do artigo mencionado, em "diversidade das fontes de informação", "diversidade da propriedade" (é importantíssimo notar que, no caso da versão Pimenta, essa diretriz geral não é mencionada), "garantir ao público o direito de escolha do que ver e ouvir" (a versão Pimenta fala em "zelar pela liberdade de expressão" e "zelar pelo respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família"). Será que o órgão regulador (ou ministério) está realmente dotado dos dispositivos necessários à execução desses deveres? Ou serão essas mais algumas das inúmeras proposições que não passarão de anseios do legislador? Ou seja, tanto a versão 5 como a versão Pimenta (esta, repetidas vezes) acabam por levantar princípios já presentes na Constituição Federal sem, contudo, regulamentá-los, tarefa da legislação ordinária. Como zelar pela liberdade de expressão? Quais são os instrumentos efetivos para fazê-lo?
Ainda no que diz respeito aos deveres do Poder Público, há algumas contradições. Uma, central, é a que encontramos no inciso XI da versão 5 ("estimular a auto-regulamentação entre as prestadoras de serviços …"). Ora, se o governo, com esta lei, pretendia instituir um órgão regulador com "poderes de polícia" [pelo menos na versão 5 era essa a idéia] sobre o setor, por que a introdução desta falácia da auto-regulamentação? Veja-se que outras experiências de auto-regulação, como no caso da propaganda, ou até mesmo no caso da televisão [vale recordar as inúmeras tentativas do então secretário nacional de Direitos Humanos, hoje ministro da Justiça, José Gregori, em instituir um código de ética para as televisões] não têm funcionado adequadamente para o caso brasileiro.
Tal falácia se repete no caso da versão Pimenta (artigo 3?, inciso VIII). É uma falácia, pois o termo "estimular" não gera nenhuma obrigação dos radiodifusores para que eles se auto-regulamentem, mais do que isso, não há dispositivos específicos que explicitem como esta estimulação será realizada.
V. As limitações da propriedade
No artigo III.1 (versão 5) o governo faz uso do mesmo artifício inserido na Lei Geral de Telecomunicações no que diz respeito à porcentagem da participação estrangeira no setor. Isto é, observados os limites máximos constitucionais [ver Constituição Federal, art. 222, bem como a nova redação do artigo proposta pelo deputado Henrique Alves, em discussão na Câmara dos Deputados], o Poder Executivo, por decreto, poderá estabelecer as cotas de participação estrangeira. No caso Telebrás, como permitia a LGT, o presidente liberou essa participação ao nível de 100%.
A versão Pimenta mantém, em seu artigo 73, a atual determinação constitucional (artigo 222), reservando portanto a exclusividade da propriedade a brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos.
Os artigos IV.16 a IV.20 (versão 5) tratam das limitações na propriedade no setor. Aqui, ainda que de forma não totalmente satisfatória, houve uma preocupação, o que não ocorreu na Lei do Cabo, por exemplo, de evitar a propriedade cruzada no setor. Veja-se a redação do Art. IV.20 inciso V:
Art. IV 20 – Nenhuma pessoa natural, jurídica ou sua coligada poderá, direta ou indiretamente, possuir, controlar ou operar:
V – na mesma localidade, prestadora de serviço de TV a cabo e:
a) de distribuição de sinais multicanal terrestre; ou,
b) de radiodifusão de sons e imagens; ou,
c) de serviço telefônico fixo comutado de âmbito local prestado no regime público, salvo nas condições desta lei.
Parágrafo único. O disposto nas alíneas ‘a’ e ‘b’ do inciso V do ‘caput’ deste artigo vigorará após três anos da data da publicação da presente lei, mantidos, até seu termo final, os prazos das concessões ou permissões vigentes até aquela data."
No entanto, há muitos pontos conectados a esta questão central do controle da propriedade que estão dispostos na lei da seguinte forma: "Dependerão de prévia aprovação da Agência". E aí, novamente, somos conduzidos à discussão de quão eficaz será essa agência nos moldes que estão sendo propostos, e naqueles que eventualmente vierem a ser propostos no futuro.
Na versão Pimenta o citado e importante inciso foi suprimido, o que, novamente, reforça a percepção de que esta é uma proposta que em muito agrada aos proprietários do setor. [Há muitas sugestões de que a condução desse processo pelo ministro Pimenta teria tido a participação ativa da Abert. (Cf. FERNANDES, Bob ? "Direitos adquiridos", in: CartaCapital, ano VI, n? 116, 16/02/2000, pp. 28-34 e RAMOS, Murilo ? "Comunicação é Poder", in: CartaCapital, ano VI, n? 116, 16/02/2000, p. 33).]
Nesta versão, as únicas restrições à propriedade se encontram nos artigos de 76 a 79, os quais limitam a propriedade a uma emissora de radiodifusão de sons e imagens por localidade (o que quer que localidade venha a ser para o legislador) e a 20% das emissoras de radiodifusão sonora. Não há, portanto, nenhuma menção à questão central da propriedade cruzada, como havia no projeto anterior.
VI. A questão do conteúdo
O Título IV (versão 5) traz algumas inovações (no caso brasileiro, em relação ao que havia até o momento) ao problema do conteúdo no setor. O Artigo IV.30 fala da fabricação de "receptores de televisão" com um "dispositivo eletrônico que permita o recebimento de informações referentes à classificação de programas e o bloqueio, pelo usuário, de recepção de programas distribuídos por prestadora de serviços de comunicação eletrônica de massa". Ou seja, a proposta sugere a implementação do V-Chip, que permitiria uma espécie de controle por parte dos próprios espectadores (pais, notadamente, em relação aos filhos), o que, dada a baixa escolarização da sociedade brasileira e a falta de opções de programação no caso da TV aberta, não é suficiente.
O artigo IV.33 da versão 5 tem a seguinte redação:
A Agência instituirá comissão consultiva, com representação de setores da sociedade, para propor o estabelecimento de, no mínimo, um sistema de classificação de programas que, após consulta pública, será colocado à disposição do usuário.
Parágrafo único. A Agência estimulará as entidades e a sociedade em geral a propor outros sistemas de classificação de programas, que serão colocados à disposição do usuário, a fim de que este possa optar, entre os disponíveis, pelo sistema que utilizará.
O grande problema com relação a este título está em seu último artigo. Diz o artigo IV.35 (versão 5): "A Agência estabelecerá condições para o cumprimento e cronograma para a vigência das obrigações previstas neste título". Não poderemos, novamente, ter aqui outro caso temporal desastroso como o do Conselho de Comunicação Social ou do Ouvidor Geral da Anatel? A questão é: quando? Insiste-se aqui na problemática de definirem-se prazos para as propostas, do contrário a sociedade pode receber uma lei que não venha a produzir os efeitos desejáveis.
O Capítulo IV (versão 5) trata de um tema polêmico do conteúdo da programação cuja discussão, do ponto de vista governamental, vem sendo postergada há muito tempo, excetuando-se as iniciativas do ex-secretário nacional de Direitos Humanos José Gregori.
Este capítulo permite à agência estabelecer percentuais mínimos de diversos segmentos da programação (língua portuguesa, programas jornalísticos, regionais etc.). Há alguns meses, a Anatel abriu licitação para a aquisição de um equipamento de radiovideometria que permite, exatamente, controlar as porcentagens dos conteúdos mínimos da programação diária. São temerárias, entretanto, como bem lembram os comentários do Indecs, as porcentagens estabelecidas pela lei: 4% para programação regional e 5% para serviços noticiosos. Além disso, os artigos V.50 e V.51 (versão 5), que estabelecem essas porcentagens, não estipulam a faixa de horário de veiculação. Isto é, poderemos ter programação regional às três da madrugada, como já acontece em locais onde a legislação cometeu o mesmo erro (caso do México).
O artigo V.56 versa sobre os programas de cunho educativo que devem ser dirigidos às crianças e obrigatoriamente transmitidos pelas prestadoras numa carga horária, irrisória, de três horas semanais (ainda que, desta vez, tenha sido estipulada a faixa de horário). De qualquer forma, os dois artigos seguintes, V.57 e V.58, trazem algumas imposições interessantes quanto ao tipo de publicidade que pode ser veiculado nos programas infantis.
Veremos que mudanças significativas também ocorreram aqui. A versão Pimenta não fala em quantidade de programas regionais e jornalísticos a serem transmitidos pela concessionária; afirma que tal transmissão é obrigatória e que os percentuais serão definidos posteriormente pelo ministério (artigos 81 a 83). Há riscos graves: a) o ministério pode demorar indefinidamente para estabelecer esses percentuais; b) pode estabelecer percentuais ainda mais irrisórios do que os da versão 5; c) pode não estabelecer horários. Enquanto a versão 5 acabava com a obrigatoriedade da Voz do Brasil (programa oficial de informações dos poderes da República), a versão Pimenta (artigo 86) apenas flexibiliza o horário em que deve ser obrigatoriamente transmitido. E mais: todo o artigo V.58 da antiga versão foi suprimido. Ei-lo:
Art. V 58 – Será vedada, nos programas dedicados à criança e nos respectivos intervalos, a veiculação de publicidade que:
I – explore a confiança que a criança deposita especialmente nos pais e professores;
II – contribua para a criação de situação perigosa para a criança;
III – induza a criança a acreditar que poderá obter prestígio ou poder com a posse de bens de consumo;
IV – estimule a prática de atos de violência.
O artigo 88 da versão Pimenta diz:
Art. 88 – A exploradora de serviço de radiodifusão de sons e imagens deverá transmitir percentual mínimo de programas educativos e informativos dirigidos à criança, entre as sete e as vinte e duas horas, conforme disciplinado pelo Ministério das Comunicações.
É salutar; o problema está, como já salientado, em como o ministério disciplinará a questão. Nem tudo, porém, é apimentado na versão Pimenta: os artigos 89 e 90, os quais versam sobre percentuais mínimos de desenhos, filmes e dramaturgia nacionais, são bem-vindos.
O capítulo IX da versão Pimenta trata do V-Chip; não obstante, os prazos para implementação das normas serão definidos posteriormente pelo ministério. Problema que já salientamos aqui numerosas vezes. No entanto, há outra questão problemática de fundo, tratada na próxima seção.
VII. As consultas públicas
Um outro importante instrumento que tem, até certo ponto, permitido uma maior transparência nas ações dos órgãos reguladores até o momento foi, em grande medida, suprimido pela versão Pimenta: a consulta pública. Eis alguns exemplos: o inciso I, do artigo III.4, da versão 5, o qual submetia a consulta pública os contratos de afiliação, foi suprimido na versão Pimenta; a versão abole (exceto para os casos das TVs Educativas, artigo 63; de dispensa de aplicação de regulamentos, artigo 8?, inciso II, ? 3?; das minutas de atos normativos) a consulta pública quando da regulamentação dos procedimentos para a renovação da concessão. No caso do procedimento de classificação de programas (que classificação adotar?), a consulta também foi abolida.
VIII. As sanções
As sanções (aqui vale ter em mente as pressões que os empresários do setor de mass media estariam fazendo sobre o ministério) também foram amenizadas na versão Pimenta. A multa diária desaparece do artigo 154 da nova lei; as multas caem de um máximo de 50 milhões para um máximo de 1 milhão de reais; no caso das sanções restritivas de direito foi retirado um inciso muito interessante presente na versão 5: "Acréscimo do percentual de tempo destinado à difusão de programas voltados à educação". O inciso V, por exemplo, do artigo 148 (infrações graves) da atual versão era tratado como infração gravíssima na versão anterior:
V – possibilitar que detentor de imunidade parlamentar ou de privilégio de foro exerça função de direção na exploradora do serviço.
IX. Outras diferenças
Abaixo transcrevem-se alguns outros pontos que sofreram modificações de uma versão para outra. Os textos em itálico são os da versão 5 e os sublinhados, da versão Pimenta. Veja-se que, dadas as limitações de espaço, esses artigos não são acompanhados de comentários mais aprofundados; no entanto, faz-se importante perceber as diferenças, às vezes sutis, já que todos ou mostram os diferentes interesses ao redor da questão ou remetem a mudanças cruciais (para pior), do ponto de vista da sociedade brasileira:
?
1? A universalização consiste em possibilitar,
a qualquer pessoa, o acesso a serviço de radiodifusão,
independentemente de sua condição sócio-econônica
e do local em que se encontrar. (artigo V.4)
?
1? O processo de universalização consiste em possibilitar
a existência de sinais de radiodifusão sujeitos
à regulamentação brasileira em qualquer
parte do território nacional. (artigo 278)
Aqui há clássica dicotomia entre liberalismo e igualitarismo:
na versão 5 assegura-se acesso igual a todos, enquanto na
de Pimenta assegura-se que o sinal estará disponível
nas diferentes regiões ? e todos têm liberdade de,
de algum modo, consegui-los.
Art.
V 13 – As concessões não terão caráter
de exclusividade.
Parágrafo
único. Ressalvadas as restrições de caráter
técnico, o número de canais previsto para cada
localidade será definido de modo a incentivar a competição.
Art.
37 – Ressalvadas as restrições de caráter
técnico, o número de canais previsto para cada
localidade será definido de modo a otimizar a exploração
de serviços à população.
Aqui há, novamente, uma proteção aos interesses das empresas já estabelecidas e dominantes no mercado, visto que a exigência de assegurar a competição é suprimida.
Art.
V 63 – É vedada a inserção de dispositivos
em contratos, ajustes, acordos ou entendimentos, estabelecidos
entre cabeça-de-rede e afiliada, que:
I
– dificultem ou impeçam a afiliada de rejeitar programas
oferecidos pela cabeça-de-rede, quando os considerar
inconvenientes à comunidade atendida;
II
– dificultem ou impeçam a afiliada de rejeitar programas
oferecidos ou já contratados com a cabeça-de-rede,
quando os considerar contrários ao interesse público;
III
– obriguem a afiliada a substituir programa de relevante interesse
local ou nacional;
IV
– obriguem a renovação do contrato de afiliação
por mais de dois anos.
V
– dificultem, penalizem ou proíbam a afiliada de fixar
ou alterar preços para comercialização
de seu tempo destinado à inserção de publicidade
local.
Art.
V 64 – É vedada a opção de uso de tempo,
caracterizada pela inserção de dispositivos em
contratos, ajustes, acordos ou entendimentos, estabelecidos
entre cabeça-de-rede e afiliada, que dêem à
primeira a possibilidade de uso de tempo da segunda, ou dos
quais resulte efeito equivalente, mediante:
I
– proibição de estabelecimento, pela afiliada,
de horário de programas, sem anuência da cabeça-de-rede;
II
– imposição de obrigação à
afiliada de abrir espaço que utilizava, para programação
que a cabeça-de-rede venha a exibir posteriormente.
Art.
V 65 – São vedadas a exclusividade de afiliação
e a exclusividade territorial.
1
. Caracterizam exclusividade de afiliação os dispositivos
dos contratos, ajustes, acordos ou entendimentos, estabelecidos
entre cabeça-de-rede e afiliada, que dificultem penalizem
ou impeçam esta última de transmitir programa.
2
Caracterizam exclusividade territorial os dispositivos dos contratos,
ajustes, acordos ou entendimentos, estabelecidos entre cabeça-de-rede
e afiliada, que impeçam ou dificultem:
I
– a transmissão, por outra prestadora, de programas da
cabeça-de-rede não contratados pela Afiliada;
II
– a transmissão de qualquer programa da cabeça-de-rede,
por prestadora que sirva área substancialmente diferente
da servida pela afiliada.
3
A cabeça-de-rede poderá conceder direito de preferência
para transmissão de seus programas à afiliada.
Art.
V 66 – Os contratos, ajustes, acordos ou entendimentos estabelecidos
entre cabeça-de-rede e afiliada não poderão
se sobrepor à responsabilidade destas prestadoras, nem
retirar-lhes os instrumentos necessários ao cumprimento
das obrigações legais e regulamentares, em prejuízo
da comunidade servida, conforme regulamentação
da Agência.
Os artigos (63, 64, 65, 66) acima foram suprimidos da versão
Pimenta. Constando os seguintes:
Art.
93. A relação entre cabeça-de-rede e afiliadas
será acordada entre as partes.
Art.
94. Afiliação, para os efeitos desta Lei, é
o acordo celebrado entre exploradoras dos serviços de
radiodifusão, pelo qual uma delas passa a prover parte
da programaçãatilde;o da outra, conforme percentual a
ser estabelecido pelo Ministério das Comunicações.
?
1o Considera-se cabeça-de-rede a exploradora de serviço
de radiodifusão provedora de parte da programação
de outra exploradora.
?
2o Considera-se afiliada a exploradora de serviço de
radiodifusão que tem parte da programação
provida por outra exploradora.
Redes poderosas de televisão, como a Rede Globo, não têm interesse que suas afiliadas tenham, legalmente, uma postura mais autônoma. Vê-se que esses interesses foram atendidos plenamente na versão Pimenta.
Art.
V.16 A licitação será disciplinada pela
Agência, observados os princípios constitucionais,
as disposições desta lei e, especialmente, as
seguintes:
I
? a minuta do instrumento convocatório será submetida
a consulta pública prévia;
II
? o instrumento convocatório identificará o serviço
objeto do certame e as condições de sua prestação;
definirá o universo de proponentes, estabelecerá
os fatores e critérios para aceitação e
julgamento de propostas, regulará o procedimento; determinará
a quantidade de fases e seus objetivos; indicará as sanções
aplicáveis e fixará as cláusulas do contrato
de concessão;
III
? o julgamento atenderá aos princípios de vinculação
ao instrumento convocatório e comparação
objetiva;
IV
? os fatores de julgamento poderão ser, entre outros,
isolada ou conjuntamente, maior oferta pela outorga; tempo dedicado
à programação de caráter informativo,
educativo ou cultural; tempo diário de operação;
tempo de transmissão com programação de
produção regional, respeitado sempre o princípio
da objetividade;
V
– o empate será resolvido por sorteio;
VI
– as regras procedimentais assegurarão adequada divulgação
do instrumento convocatório, prazos compatíveis
com o preparo de propostas e os direitos ao contraditório,
ao recurso e à ampla defesa.
Art.
40. A licitação será disciplinada pelo
Ministério das Comunicações, observados
os princípios constitucionais, as disposições
desta Lei e, especialmente, o seguinte:
I
– o instrumento convocatório definirá o serviço
objeto do certame e as condições de sua exploração,
o universo de proponentes, os fatores e critérios para
aceitação e julgamento de propostas, o procedimento,
a quantidade de fases e seus objetivos, as sanções
aplicáveis e as cláusulas do contrato de concessão;
II
– o julgamento atenderá aos princípios de vinculação
ao instrumento convocatório e comparação
objetiva;
III
– o empate será resolvido por sorteio;
IV
– as regras procedimentais assegurarão adequada divulgação
do instrumento convocatório, prazos compatíveis
com o preparo de propostas e direito ao contraditório
e à ampla defesa.
Os incisos I e IV (fundamentais) foram suprimidos da versão Pimenta. Outra questão interessante é que em toda a versão 5 aparece a expressão "prestação de serviços de radiodifusão", enquanto na versão Pimenta aparece a expressão "exploração de serviços". Diferenças conceituais que podem indicar diferenças de concepção.
Não há, na versão 5, artigo semelhante a este 172.
Art.172.
As licitações para concessão de serviços
de radiodifusão comercial regem-se exclusivamente por
esta Lei e seus regulamentos, a elas não se aplicando
as Leis no 8.666, de 21 de junho de 1993, no 8.987, de 13 de
fevereiro de 1995, no 9.074, de 7 de julho de 1995, e suas alterações.
Estranhamente, a versão Pimenta rejeita a aplicação de diplomas legais consagrados no campo das licitações, como a própria Lei de Licitações. (8.666/93).
Art.
V.7 A prestação de serviços de radiodifusão
comunitária será objeto de autorização
e regida pela Lei n? 9.612, de 19 de fevereiro de 1998.
A versão Pimenta revoga a lei supramencionada e insere a questão da radiodifusão comunitária no atual projeto de lei. Não trata por sua vez, como já exposto, da televisão por assinatura e a cabo, o que continua com a regulação da Anatel, podendo gerar problemas de ambigüidade regulatória.
X. Conclusão
Ao contrário da caminhada dantesca, saímos do purgatório para ir direto ao inferno. Felizmente, entretanto, o anteprojeto está sendo submetido a consulta pública e, de qualquer modo, passará pelo Congresso, momentos nos quais a sociedade, por intermédio de seus representantes, poderá realizar a tentativa de alterar alguns dos "horrores" cometidos. Vale lembrar que o Telecommunications Act contou com audiências públicas nos Estados Unidos durante sete anos, antes de ser aprovado.
O atual anteprojeto de lei reforça o poder do Ministério das Comunicações (repassando inclusive recursos do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações, artigo 171, para o Ministério) que estava, de certa forma, esvaziado com a criação da Anatel.
(*) Graduando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, é pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da UnB. E-mail <gcanela@uol.com.br>. O autor agradece a todos os entrevistados que colaboraram com parcela significativa de seu tempo para a elucidação de questões cruciais para esse trabalho. Agradece também os comentários e a oportunidade, sempre enriquecedora, de discutir esse e outros temas com uma brilhante pesquisadora, Railssa Peluti Alencar. Lembra, no entanto, que todas as possíveis falhas são de sua inteira responsabilidade. Esta é uma revisitação de artigo publicado neste Observatório [veja remissão abaixo].
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