POLÊMICA NO AR
Rodney Brocanelli (*)
Um interessante (e polêmico) fenômeno de comunicação está acontecendo no Brasil nesses últimos anos ? as rádios piratas. Muita gente já sintonizou uma delas ao acaso quando procurava alguma coisa interessante no dial, mas certamente poucos sabem do que se trata e de sua história. É o que esse artigo, modestamente, vai tentar esclarecer.
Quem acha que rádio pirata é apenas o nome de uma música de sucesso da ressuscitada banda RPM está enganado. São emissoras que não têm concessão governamental para funcionar. Em tese, contam com baixa potência de transmissão, o alcance de seu sinal é restrito, e se aproveitam de espaços vazios do dial para ir ao ar. Quem age assim está infringindo o atual Código Brasileiro de Telecomunicações, com penas previstas em lei. Mesmo assim, não temem as punições e se aventuram em seus projetos de rádio pirata. Não há um número definido de emissoras não-legais no ar atualmente. Para cada rádio fechada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), várias são abertas.
Os termos rádio livre e rádio comunitária também se enquadram nesse tipo de radiodifusão. O problema é que a imprensa brasileira acaba usando esses termos como sinônimos, criando assim uma confusão na cabeça do leitor/ouvinte.
Um pouco de história: a primeira rádio pirata surgiu na Inglaterra, na década de 50. Era a Rádio Caroline. A terminologia rádio pirata foi usada para designar a emissora porque suas transmissões partiam de um navio ancorado na costa britânica. A Caroline foi uma rádio revolucionária em sua época. Em seu play list musical predominava o então emergente rock and roll americano, o que mexeu com a cabeça da juventude. A rede de rádio estatal BBC teve de criar a BBC One (que existe até hoje) para competir com a Caroline.
Já o conceito de rádio livre surgiu na Itália, nos anos 60, e uma das mais fortes foi a Rádio Alice. A intenção dessas rádios era fazer oposição ao governo e combater o monopólio estatal na radiodifusão italiana. Rádio comunitária é um conceito que ganhou força aqui no Brasil nos anos 90. São emissoras que, em tese, deveriam transmitir para sua comunidade, prestando serviços e dando voz e vez aos moradores locais. Um exemplo é a Rádio Favela FM, de Belo Horizonte que, como o próprio nome já sugere, fica bem no meio de uma favela na região metropolitana daquela cidade. Há pouco tempo, a Favela FM teve seu trabalho reconhecido pelo governo federal, depois de muita luta, e ganhou concessão de rádio educativa.
Briga antiga
No Brasil, pouco a pouco vão aparecendo relatos de transmissões de rádio clandestinas acontecidas na década de 50. O marco oficial aconteceu na década de 70. No início era uma diversão de técnicos em eletrônica, que montavam transmissores de rádio caseiros por hobby. Nos anos 80, o movimento ganhou força. Grupos políticos de esquerda e algumas associações estudantis resolveram colocar suas emissoras no ar como forma de protesto contra o sistema oficial de concessões de rádio, que privilegiava políticos. As transmissões de muitas dessas estações aconteciam durante a noite, como forma de burlar a fiscalização. Alguns apresentadores usavam pseudônimos para não serem identificados e presos.
Na década de 90, a situação mudou. A absolvição do jornalista e radialista Léo Tomaz, em 1993, proprietário da Rádio Reversão, uma das que foram fechadas, causou verdadeira revolução. Com a sentença, abriu-se jurisprudência para que várias emissoras sem concessão se espalhassem pelo país. Ou seja, rádio pirata continuava crime, mas a chance de condenação era pequena. Com a explosão das piratas, o governo federal se viu praticamente obrigado a enviar lei ao Congresso Nacional, em 1995, para regulamentar a situação. A tramitação durou pelo menos três anos, e em 1998 foi sancionada a Lei de Radiodifusão Comunitária, de número 9.612.
Mas a lei não mudou muito o panorama. Várias emissoras clandestinas continuaram a ser colocadas no ar. O perfil delas é o mais variado possível. Algumas são ligadas a estudantes, como a Rádio Muda, de Campinas (SP), mantida por alunos da Unicamp. Outras pertencem a igrejas de todos os tipos, que se utilizam delas para suas pregações religiosas. E existem aquelas cujos donos querem simplesmente ganhar dinheiro vendendo anúncios e espaço de programação. Geralmente, copiam o modelo das rádios oficiais de sucesso, não trazem novidades em termos de linguagem e programação musical, nada acrescentam ao ouvinte.
As piratas são um estorvo para as rádios oficiais, no que diz respeito à parte técnica. A principal alegação é que o sinal de ambas se misturam no ar, causando má recepção. Quem leva a pior são as emissoras com concessão. Essa briga não vem de hoje e, ao que tudo indica, não vai acabar tão cedo
(*) Jornalista, colaborador dos sites Euqueromais, Onzenet, Ruídos, Canal B e Esquizofrenia. Blog pessoal: <http://onzenet.blogspot.com>