CENTRAL DE BOATOS
O escândalo foi revelado pelo New York Times (19/2): o Escritório de Influência Estratégica (EIE), novo órgão do Departamento de Defesa, planejava divulgar notícias falsas para a mídia estrangeira com a intenção de influenciar a opinião pública de outros países e ajudar as forças americanas na guerra contra o terrorismo. Como o projeto gerou críticas no próprio Pentágono ? temendo por sua credibilidade ?, o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, apressou-se a declarar que o departamento diz apenas a verdade. Douglas Feith, funcionário que assumirá o EIE, afirmou aos jornalistas que nenhum plano de desinformação será aprovado.
Vernon Loeb e Dana Milbank [The Washington Post, 21/2/02] contam, no entanto, que o vice-presidente, Dick Cheney, estabeleceu distinções entre mentir ao público e empregar táticas de engano no campo de batalha, o que chamou de prática "historicamente importante" em guerras passadas, incluindo a do Golfo.
Organizações como a FAIR (Fairness & Accuracy in Reporting) prontamente responderam à descoberta: em artigo do dia 19, o grupo chama o plano de propaganda de "antidemocrático e possivelmente ilegal". Criado para divulgar a perspectiva americana em países islâmicos, o Escritório de Influência Estratégica parece ter se mostrado um programa dedicado a iludir o público. "Envolver repórteres em campanhas de desinformação coloca a vida de jornalistas em risco", alertou.
A credibilidade maculada dos órgãos oficiais é o menor dos problemas criados pelo plano de manipulação da mídia: "ele pode comprometer o livre fluxo de informações do qual a democracia depende". Além disso, o governo americano é proibido por lei de divulgar propaganda no próprio país, e informações para a mídia estrangeira facilmente retornam aos EUA por meio de outros veículos. "A guerra no Afeganistão mostrou que o ciclo de notícias 24 horas, combinado a cortes no orçamento da seção internacional em todo o país, tornaram veículos como al-Jazira e Reuters recursos vitais para repórteres americanos", diz o artigo.
A FAIR alerta que a mídia deveria estar pressionando por mais informações sobre outras políticas do EIE, principalmente porque o NYT descobriu que uma das unidades militares designadas para cumprir as ordens deste órgão foi o Comando de Operações Psicológicas do Exército. Segundo a organização, em fevereiro de 2000 (final da guerra de Kosovo), jornais franceses e holandeses revelaram que oficiais deste comando estagiaram na sede da CNN, em Atlanta. A cobertura da história foi mínima, mas depois que a FAIR divulgou o assunto a CNN declarou ter encerrado o programa e admitido que ele era "impróprio".
NYTIMES MAGAZINE
The New York Times divulgou "Nota do Editor" em 21/2 referindo-se a matéria publicada na NYT Magazine, em 18 de novembro. Escrita pelo free-lance Michael Finkel, a reportagem "Youssouf Malé é um escravo?" descreve a experiência de um adolescente africano que deixou sua vila no Máli (país do Noroeste da África sem acesso ao mar), para trabalhar numa plantação de cacau na Costa do Marfim. Segundo o artigo, após um ano de trabalho árduo e salário de US$ 102, o garoto decidiu fugir. Finkel relata que duas organizações o ajudaram a voltar para casa, entre elas uma agência da Save the Children-Canadá, e questiona se estas não estariam exagerando a situação de jovens como Youssouf.
O artigo foi ilustrado com fotografias, incluindo a de um garoto, tirada pelo autor, sem legenda. Em 13/2, o jornalista informou ao Times que a Save the Children entrou em contato com o menino retratado na foto e descobriu que ele não era Youssouf Male, mas Madou Traoré. Os editores então questionaram a veracidade do relato de Finkel e pediram explicações.
Finkel reconheceu que criou o personagem da matéria a partir de uma mistura de vários jovens que entrevistou, incluindo Youssouf Malé e o menino da foto. Suas anotações, agora examinadas pelos editores, revelam que, ao contrário do publicado, Youssouf passou menos de um mês na plantação até fugir. Embora o relato se baseie na experiência do autor, que realmente esteve no local e entrevistou pessoas, os fatos foram manipulados e não se aplicam a um indivíduo específico: o jornalista falsificou uma reportagem.
A nota explica que a revista tem profissionais que conferem os fatos antes da publicação dos artigos. Mas, quando as fontes principais não podem ser consultadas pelo telefone, como foi o caso, confia-se no relato do autor. Segundo o editor, Finkel já escreveu outras oito reportagens para o Times, mas não receberá mais tarefas do jornal.