MÍDIA E SAÚDE
Roberto Cooper (*)
Todos os planos de saúde do país, antigos ou novos, estão obrigados a pagar as despesas de tratamento das vítimas da dengue, incluindo gastos com internações. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) distribuiu, ontem, orientação às empresas sobre a obrigatoriedade, após receber denúncias de que alguns convênios estavam se recusando a reembolsar clientes. (JB)
Na semana passada, o Jornal do Brasil deu um bom espaço, por dois dias, para falar da cobertura que os planos de saúde deveriam dar nos casos de dengue. Os jornalistas vibram quando o ministro Serra enfia a mão nos planos. Sem questionar coisas básicas. Sem questionar o maior plano de saúde do país: o SUS.
Estamos vivendo um momento dramático na saúde pública do Rio de Janeiro: uma epidemia de dengue. Prevista e prevenível, aí está ela passando o recibo da nossa ineficiência. Aos inúmeros aspectos dessa calamidade soma-se agora um equívoco que insiste em se repetir ? com ajuda da imprensa, que nada cobra. Aos planos de saúde complementar são impostas abrangências de cobertura crescentes, sem ônus para o consumidor, por arbítrio do Poder Executivo. Senão vejamos.
A saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado. Concorde ou não, está na nossa Constituição. Constitucionalmente, você e eu temos o direito ao acesso a serviços de saúde, e o Estado o dever de provê-los. Como o próprio Estado reconhece sua incapacidade de produzir os atendimentos necessários em abrangência e complexidade, admite um sistema complementar de saúde. Como você e eu não confiamos na capacidade de o Estado prestar o atendimento na forma, na hora, no local etc. que desejamos, buscamos o setor privado (complementar). A primeira constatação é que, como consumidores do plano público de saúde (pago via impostos, tributos, contribuições etc.), nos sentimos mal-atendidos e optamos por outro fornecedor (privado). Diferentemente das relações comerciais mantidas no setor privado, pelas quais quando desisto de um serviço eu paro de pagá-lo, continuo a pagar (compulsoriamente) o setor público)
Ao optarmos pelo setor privado de saúde, você e eu constatamos que os custos desse atendimento podem ser muito altos. Seja em função da complexidade envolvida, seja em função do nível de serviços e conveniências que desejamos, o fato é que é muito caro. Optamos então por algum tipo de diluição dos riscos e dos custos e aderimos a alguma forma de plano de saúde. Contratamos de livre e espontânea vontade um plano em função dos critérios por nós definidos. Sabemos que estamos pagando um "seguro". Todo mês pagamos uma quantia suportável (num número grande de pessoas) que nos garanta a cobertura das nossas despesas médico-hospitalares (que devem estar ocorrendo numa parcela pequena do grupo que paga). O nosso pagamento é em função do nível de risco que o grupo carrega (nossa idade, histórico pessoal etc.) e do nível de serviço e conveniência que queremos obter. O plano faz uma conta que inclua essas variáveis e chega a um valor de mensalidade que obviamente inclui a sua própria remuneração pelos serviços prestados. Sabemos disso tudo. Não há como não saber.
O que nós parecemos não querer saber é que quando se mexe nas variáveis que compõem essa conta mexemos no resultado. Ou a mensalidade aumenta, ou o nível de serviço cai, ou o hospital deixa de receber, ou o plano quebra, ou o hospital quebra. Quem sabe um pouquinho disso tudo, aos pouquinhos. Por mais insatisfeitos que estejamos com os valores pagos, não dá para se aceitar que um órgão (pertencente àquela parte da sociedade que deveria ter prestado o serviço em primeiro lugar) venha arbitrar que os planos são obrigados ao que quer que seja, sem modificar seus custos. Aceitar isso me parece duplamente ingênuo: um órgão que se mostrou incapaz de prestar o serviço (por isso essa história toda) teria a capacidade de fazer as contas adequadas ou seu descompromisso (além do de prestar o serviço constitucionalmente garantido) é tal que está mais preocupado em demagogia? E você eu, que ficaríamos muito desconfiados se um vendedor de carro fosse acrescentando opcionais e até nos oferecendo modelos mais avançado sem mudar o preço, como aceitamos (e até torcemos) para que os planos ofereçam mais pelo mesmo custo?
Enfim, planos só são aquilo que se comprometeram a ser. Nunca uma cartola mágica de onde se tirasse, além de serviços gratuitos, prestígio, popularidade e votos. Uma pena que a imprensa não esclareça esses detalhes. Pense bem, você paga dois planos. Que tal parar de pagar o que não funciona para poder pagar por mais serviços no que funciona?
(*) Diretor da Webb Negócios Online, foi médico, mas não está ligado a nenhum plano