Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Época dá furo com vazamento

ESPÍRITO SANTO

Victor Gentilli

O furo foi da revista Época (n? 244, com data de capa de 20/1/03, págs. 32 e 33), que nem deu chamada na capa. Mas a repercussão na imprensa capixaba gerou a manchete de A Gazeta de domingo: "Pedida a prisão de Gratz", e chamada de primeira em outros jornais. A rigor, os méritos são do repórter Andrei Meireles, um dos maiores especialistas em crime organizado no Espírito Santo. Foi Andrei Meireles quem, ainda na IstoÉ, no início do governo de José Ignácio Ferreira, então do PSDB, hoje sem partido), causou a queda do ministro da Defesa, Élcio Álvares, em matérias mostrando as ligações de uma assessora dele com o crime organizado capixaba.

Num seminário organizado pelo Ministério Público Estadual em 2001, com o objetivo de aproximar o Ministério Público da mídia, o jornalista da IstoÉ foi o principal debatedor.

Desta vez, Meireles trouxe a público uma grande descoberta: os 26 cheques, todos de R$ 30 mil, emitidos pelo empresário Carlos Guilherme Lima, preso desde o ano passado e considerado o "gerente financeiro do crime organizado", os quais, por caminhos diretos ou indiretos, foram parar na conta de 16 deputados estaduais, que aprovaram o nome de José Carlos Gratz para mais um mandato à frente da Assembléia Legislativa. Os cheques foram emitidos seis dias após a eleição da Mesa da Assembléia em 2000.

José Carlos Gratz reelegeu-se deputado estadual em 3 de outubro do ano passado, mas foi impedido de diplomar-se. A Justiça Eleitoral cassou sua candidatura por compra de votos e uso irregular de recursos da Assembléia. Gratz continua presidente até o fim da atual legislatura, em 31 de janeiro, mas deixa de ser deputado porque perdeu os recursos que impetrou em todas as instâncias da Justiça.

Dos 30 deputados que compõem a Assembléia Legislativa capixaba, apenas 10 se reelegeram. Os demais pedidos de prisão preventiva são de outros cinco deputados que se reelegeram. No total, estão indiciados 18 parlamentares.

Não foi Meireles quem fez a descoberta dos cheques; foi a missão especial designada pelo governo, missão que veio substituir a intervenção federal solicitada pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Ministério da Justiça e arquivada pelo então procurador geral da República, Geraldo Brindeiro, no início do ano passado. É certo que Meireles é jornalista da confiança de vários procuradores da missão especial.

Mas uma informação como essa não deveria ser mantida em sigilo, aguardando o pronunciamento da Justiça e a efetivação das prisões?

Novo quadro político

Esta foi a primeira ação da missão especial precedida de divulgação pública. Todas as outras ações já realizadas foram de conhecimento da imprensa depois de iniciadas as operações efetivas. O sucesso da prisão do "empresário" Carlos Guilherme Lima, por exemplo, deveu-se basicamente ao sigilo das iniciativas da missão especial. Quando a imprensa tomou conhecimento, o suspeito já estava algemado, entrando no camburão na Polícia Federal. Claro, o pedido de prisão foi aceito pela Justiça.

Desta vez, um pedido do Ministério Público Federal à Justiça vazou para um jornalista e é a iniciativa mais importante da missão especial até agora: o pedido à Justiça da prisão preventiva do presidente da Assembléia Legislativa ? segundo a própria missão, chefe do crime organizado no Espírito Santo ? e de mais cinco deputados reeleitos. Conforme noticiário dos jornais locais, integrantes da missão especial afirmaram: "Nós cumprimos nosso dever. Agora é com a Justiça."

Por que desta vez não houve sigilo? Por que a informação vazou da missão especial para um jornalista de Época, e não para jornalistas capixabas? Há jornais e jornalistas no Espírito Santo, efetivamente determinados a auxiliar na erradicação do crime organizado.

Se no andamento dos trabalhos tudo correr sem problemas, o vazamento de informações não sofrerá maiores questionamentos.

É verdade que os fatos são irrefutáveis. Os cheques existiram, e já na matéria de Época temos deputados justificando seu recebimento. Um deputado chegou a afirmar que Carlos Guilherme Lima era agiota, e tomara emprestado esse dinheiro para pagar dívidas de campanha de seus irmãos, igualmente políticos.

Não é improvável que os deputados cuja prisão preventiva foi solicitada não sejam presos. As possibilidades de chicanas jurídicas são inesgotáveis. É certo, no entanto, que estes deputados, mesmo com a cassação de seu chefe, continuavam organizados, e nas especulações políticas que circularam fortemente na semana passada já contavam com apoio de boa parte dos novos deputados. Tal fato produziria uma nova Mesa Diretora na Assembléia vinculada aos mesmos grupos e aos mesmos interesses que a sociedade capixaba, o novo governo eleito e a missão especial desejavam ver extintos.

Mesmo que escapem da prisão, o quadro político certamente muda. Os novos deputados eleitos vão pensar duas vezes antes de aliar-se a políticos ostensivamente enrolados em processos judiciais de vínculos com o crime organizado.