Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Poções de uma rica miscelânea

JORNALISMO & ENTRETENIMENTO

Fernando Torres (*)

Não há nada errado em tentar encaixar cada conteúdo midiático em uma determinada ramificação. Jornalismo é jornalismo; entretenimento é entretenimento. Simples? Nem tanto. Ao fazer isso, geralmente se esquece dos efeitos múltiplos das mensagens sobre o receptor e a dificuldade de discernir onde começa um e termina o outro.

Nos tempos da retórica, Aristóteles já propagava que a principal meta da comunicação é a persuasão. Essa definição imperou até a última parte do século 18, quando a psicologia dualista tomou corpo e adentrou o campo da retórica.

Psicólogos pressupuseram dois objetivos para a comunicação: o informativo, que invocaria à razão, e o persuasivo, que tocaria o emocional. Haveria ainda um terceiro alvo, que mesclaria ambos os apelos, o de entreter. Noutras palavras, essa teoria prega que quando alguém passa uma informação não está persuadindo; ao opinar, não informa.

Quem analisa tal premissa superficialmente concluirá que ela está correta. Engana-se. Ora, obviamente o produto de caráter jornalístico visa promover a informação, um programa de auditório prioriza a diversão, enquanto editoriais valem-se da credibilidade do veículo para moldar um juízo de valor. No entanto, todos possuem ingredientes em comum.

As novelas, por exemplo, têm a principal função de entreter. Mas duvidar de sua capacidade de persuasão no comportamento humano demonstraria ingenuidade. O mesmo se pode dizer dos artigos opinativos, que ao mesmo tempo moldam um juízo, informam e, muitas vezes, até divertem com as tiradas ácidas do redator.

Atualmente, nem mesmo os psicólogos defendem a teoria dualista. Teóricos da comunicação retrocederam e se aproximaram da máxima aristotélica, logicamente complementada por estudos contemporâneos.

“Limitar a idéia de informação a noticiário sugeria que o que as pessoas aprendem dos divertimentos não tem conseqüências importantes para os significados que elas constroem e que atuam ou se baseiam em sua socialização”, avaliam Melvin DeFleur e Sandra Ball-Rokeach, autores de Teorias da comunicação de massa. Segundo eles, é enganoso afirmar que notícias são informações e entretenimento, não.

Jornalismo híbrido

Se alguém tentasse catalogar os conteúdos da mídia atual encontraria dificuldades. Revistas e telejornais inserem persuasivas peças de merchandising em seus noticiários; programas de auditório apostam no jornalismo e colunistas são cada vez mais reconhecidos por sua bagagem cultural, logo, informativa.

Conforme David Berlo, autor de O processo da comunicação, “a distinção informar-persuadir-divertir causará dificuldade, se supusermos que esses fatores possam ser considerados como objetivos de comunicação independentes”. Para ele, é inútil definir se dada comunicação é informativa, persuasiva ou tem meramente a função de entreter.

Na prática, a fusão entre jornalismo e entretenimento apresenta-se de três formas diferentes. Há, primeiramente, o “jornalismo de entretenimento banal”, voltado exclusivamente para a vida de celebridades ? leia-se Caras, Quem e afins ?, inquestionavelmente vexatório.

Próximo deste, mas paradoxalmente tão distante, encontra-se o “jornalismo de entretenimento cultural”, que vai dos suplementos de jornalões a revistas especializadas sobre cinema, literatura, artes, espetáculos e… televisão. Mesclam-se aí, para manchar o gênero, periódicos de excelente qualidade, como Bravo!, a fúteis populares de novela, do nível de TV Brasil, que não deixam de ser um retrato da ínfima cultura brasileira.

Por fim, tem-se o chamado “jornalismo show” que, em vez de apostar no conteúdo, utiliza os mesmos métodos de transmissão do entretenimento. Noutras palavras, informa como se estivesse entretendo. Dentro desse, mistura-se também o joio ao trigo.

De cara, pensa-se nas aberrações vistas no Domingo Legal e no sensacionalismo dos policiais Brasil Urgente e Cidade Alerta ou dos impressos Notícias Populares (já extinto) e Tribuna do Paraná. Clichê afirmar serem vergonhosos; justiça catalogá-los como jornalísticos. A dobradinha jornalismo-entretenimento tem dessas.

Virtude ou ofensa

O mix, no entanto, traz bons resultados. Tome-se como exemplo o feminino Dia-Dia (Band). Diariamente, a apresentadora Olga Bongiovanni separa um espaço para ler e comentar as manchetes dos principais jornais para seu público. Além disso, mantém-se antenada com a Central de Jornalismo da emissora, de onde jornalistas profissionais transmitem e avaliam as notícias de última hora. O programa é predominantemente de entretenimento, mas insere características do jornalismo, informando o público como se estivesse entretendo.

Na mídia impressa, ocorre com freqüência o contrário. É o caso do Correio Braziliense, que ousa com requintado design e diagramação arrojada. O modelo, sucesso de vendas, parte do mesmo princípio do Dia-Dia: o mix informação-entretenimento.

E o que dizer dos livros-reportagem? Inaugurado na década de 1960 com A sangue frio, de Truman Capote, o gênero institucionalizou-se no Brasil em 1976 com A ilha, de Fernando Morais. O estilo que mescla romance e jornalismo é uma prova fiel das vantagens da miscigenação. Difícil é dizer o que predomina.

O mesmo caldeirão comporta revistas, programas de rádio e telejornais de conteúdo esportivo, de turismo, rurais, femininos, documentários e programas de entrevistas. Globo Esporte, Viagem & Turismo e SBT Repórter são jornalísticos, mas quem disse que não entretêm? Fantástico, Programa do Jô e Bom Dia Mulher entretêm, mas quem disse que não informam?

A íntima ligação não vem de hoje. A humanização das reportagens há muito pregada nos bancos das escolas de Comunicação conduz o jornalismo ao entretenimento. Frases de pessoas desconhecidas são inseridas apenas para formar um sujeito, criar uma realidade, uma identificação do receptor. Entretêm? Entretêm. Informam? Informam.

Não há dúvidas. O jornalismo rendeu-se ao poder do entretenimento ? e vice-versa. Ademais, não é de todo ruim essa miscelânea. (Ressalte-se aqui que falei a respeito de métodos de transmissão, e não de conteúdo. O jornalismo de entretenimento banal é fútil; o jornalismo de entretenimento cultural é neutro. O recurso de informar como se estivesse entretendo, o chamado “jornalismo show”, é que é válido.). Para uma massa desatenta, informar entretendo às vezes é a única opção do comunicador. Jornais sisudos acabam sendo feitos apenas para o jornalista; é uma questão de adaptar sua mensagem ao público.

Resta verificar se o saldo dessa rendição será virtuoso ou ofensivo. Ao comunicador, basta cultivar bom senso e responsabilidade.

(*) Estudante de Jornalismo em Campinas