MARCELO FAGÁ (1953-2003)
André Sales (*)
Durante quatro anos dividimos a mesma sala num dos empregos mais conturbados que se poderia ter no jornalismo brasileiro: o de assessor de imprensa do prefeito da maior cidade do país, na gestão Celso Pitta. E durante todo este tempo fizemos uma dobradinha agitada, primeiro sob o comando de Henrique Nunes, e depois no de Antenor Braido, no atendimento aos colegas que todos os dias buscavam respostas oficiais para mais uma "denúncia bombástica" contra alguém da Prefeitura, mesmo que este alguém estivesse lá há 30 anos.
Marcelo Fagá me ensinou a brigar pela imparcialidade da imprensa com unhas e dentes, num momento em que a maioria dos veículos rasgou todos os manuais e partiu para uma campanha ferrenha contra o prefeito. Não estávamos ali para defender a inocência do alcaide (pois não éramos seus advogados), mas para exigir um tratamento isento no noticiário para quem foi atacado do primeiro ao último dia do mandato. Tarefa inglória a nossa, mas ele me convenceu a não arredar pé. Aos olhos dos colegas, cometíamos o crime de "vestir a camisa" de um político ? "e dos piores". Isso o deixava profundamente irritado e decepcionado com a categoria. Não conseguiam entender que, fosse Pitta, Maluf ou Lula, tínhamos um único compromisso: lutar pelo direito do outro lado da notícia de expressar suas idéias livremente, e não somente pressionado nas duas últimas linhas do texto, o que não passa de censura disfarçada.
Fagá estourava ao telefone com os colegas mais inexperientes (e outros nem tanto) que nos ligavam em tom intimidatório: "Fulano disse isso, mais isso e aquilo do prefeito. O jornal está fechando. O que ele tem a dizer?". Não havia sequer a possibilidade de a acusação ser investigada pelo jornal! O "outro lado" devia apenas calar ou responder! Fagá pedia uma explicação mais detalhada sobre a denúncia. E quando notava que o repórter ou produtor mal sabiam sobre o que escreviam, perdia a paciência. Passava uma descompostura no profissional despreparado. O mesmo acontecia depois que as matérias eram publicadas ou iam ao ar, muitas vezes sem o menor fundamento, com o claro objetivo de apenas fazer barulho até a próxima novidade.
Assessor de estadista
Tentávamos contê-lo, preveni-lo do perigo de cultivar maus relacionamentos nas redações, mas sua única preocupação era garantir um tratamento imparcial da notícia, qualquer que fosse o custo. Não estava nem aí para sua imagem ou para o seu marketing pessoal. Seu compromisso era apenas com o bom jornalismo. Estava acima da média que dá mais importância ao futuro profissional do que à verdade. Essa foi sua maior lição para a molecada e para os mais velhos, amigo Fagá.
No dia 31 de março, dia de golpe, o destino aplicou o seu em nosso colega. Vitimado por uma crise asmática aos 49 anos, em sua casa, quando preparava-se para a festa dos 50 (em 22 de abril), Fagá deixa os filhos Marcelo, de 28 anos, de sua primeira união, Miguel, de 14, e Maria Beatriz, de 11, do casamento com Maria Cristina Bevilacqua, com quem viveu por longos anos. Deixa também profunda admiração entre todos os colegas com quem trabalhou e conviveu em suas passagens pela Folha de S.Paulo (no Rio, em Belo Horizonte e em SP), Estado de S.Paulo, IstoÉ, Veja São Paulo, Prefeitura de São Paulo, Assembléia Legislativa de São Paulo (na presidência de Walter Feldman) e mais recentemente em trabalhos para a Companhia de Notícias. Tivemos o prazer de testemunhar sua pena afiada, culta e brilhante, capaz de produzir pérolas a minutos do fechamento.
Carioca bairrista e vascaíno fanático, sua aversão à parcialidade da imprensa era tão grande que jurava ter como projeto de vida profissional "ser assessor de imprensa do estadista Eurico Miranda".
Descanse em paz, amigo Fagá. Mas nesta história eu me recuso a colocar um ponto final. Deixo a você minhas humildes reticências…
(*) Jornalista