FALTOU DIZER
Mauro Malin
Em sua reportagem sobre a viagem do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva aos Estados Unidos, onde foi recebido pelo presidente George W. Bush, a revista Veja (11/12/02) usou o recurso sugestivo de inserir boxes marcando o que, ao longo do tempo, uniu e separou o Brasil e os EUA. Cada box tinha foto dos dois presidentes da época. Sempre na legenda, abaixo dos nomes, o mesmo critério de comparação: "O PIB dos EUA era ?x? vezes maior do que o brasileiro".
A evolução resultava um tanto desanimadora. De uma diferença de 8 vezes, em 1947, chegava-se a uma distância de 16,6 vezes, em 1995. Era como se Lula, ao procurar "César" ("Lula vai a César": título da reportagem na capa da revista), representasse um país diminuído, que tivesse encolhido.
Sabe-se entretanto que o Brasil, a despeito de continuar fora dos eixos principais de confronto da política mundial -
algo que às vezes se lamenta e às vezes se agradece -
, nunca teve, ao longo de cinco séculos de história, tanta projeção internacional como agora, e em boa parte graças a avanços econômicos (com insuficiente repercussão no plano social, cela va sans dire… opa! desculpe qualquer coisa aí, deputado-bedel).
Reunidos em tabela, os números eram os seguintes:
Ano |
Diferença entre os PIBs
|
1947 |
8 vezes |
1960 |
6,7 vezes |
1978 |
8,2 vezes |
1986 |
11,9 vezes |
1991 |
15,5 vezes |
1995 |
16,6 vezes |
Economistas saberão dizer se tal tipo de comparação é das mais esclarecedoras. (Por exemplo, PIB expresso em dólares correntes é uma coisa, em PPP -
purchasing power parity -
, outra. Segundo o Banco Mundial, o PPP é um método de medição do poder de compra relativo de moedas de diferentes países para os mesmos tipos de produtos e serviços. Para se ter uma idéia, no Pocket World in Figures, edição 2002, da revista The Economist, a China está em sétimo lugar entre os maiores PIBs expressos em dólares, e em segundo lugar, logo após os Estados Unidos, em PIB temperado com PPP.) Para começar, é preciso saber se um país cresceu em ritmo mais acelerado e o outro parou de crescer, ou se um teve aceleração maior, e o outro menor, mas ambos cresceram.
Os leigos (algo em torno de 99,99% dos leitores) ficamos impressionados com os dados de Veja. Os mais velhos podem ter se perguntado: será que Herman Kahn foi mais do que apenas um chutador ilustre? (O "futurólogo" Kahn previu em 1968 que a diferença entre os PIBs dos dois países seria de 30 vezes no ano 2000.)
Calma, que o Brasil é nosso. É preciso colocar os números em perspectiva.
O PIB americano está ficando cada vez maior do que o brasileiro. Certo. Mas o mesmo é verdade em relação ao Japão e à Alemanha, segunda e terceira maiores economias do planeta.
Pelos cálculos do Banco Mundial, o PIB americano somava US$ 5,9 trilhões em 1991 e US$ 10,1 trilhões em 2001. O do Japão, respectivamente US$ 3,48 trilhões e US$ 4,24 trilhões. O da Alemanha, US$ 1,77 trilhão e US$ 1,87 trilhão. É fazer a mesma conta de dividir que a Veja fez:
1991 |
2001 |
|
PIB dos EUA / PIB do Japão |
1,7 vezes |
2,4 vezes |
PIB dos EUA / PIB da Alemanha |
3,3 vezes |
5,4 vezes |
Por sinal, usando-se os dados do Banco Mundial, a situação do Brasil fica até mais cabeluda: de uma relação de 14,4 PIBs brasileiros para se chegar a um PIB americano, em 1991, para 20,1 PIBs, em 2001. (Claro, o real se desvalorizou e o frenético crescimento americano da década de 90 se contrapôs crescimento discreto no Brasil.)
Fim do mundo? Bem, que tal pensar na Rússia, que já foi a poderosa União Soviética (terceiro PIB do mundo em 1991) e ficou economicamente do tamanho da Holanda, com PIB per capita 9 vezes menor? E Cuba, cujo PIB encolheu 35% entre 1990 e 1994?
Muito recentemente, Colômbia, Argentina…
Deixemos de lado os países que andaram ou estão andando para trás e voltemos à vaca-fria. O cerne do fenômeno foi o "descolamento" dos Estados Unidos, do qual nem o Canadá, parceiro no Nafta, escapou (PIB respectivamente 10 e 15 vezes menor que o dos EUA, em 1991 e 2001; o México melhorou um pouco: de 18,7 vezes para 16,3 vezes).
E não adianta "torcer" por uma recessão americana, porque isso prejudica o mundo todo.
O título genial de uma coluna do falecido Aloysio Biondiera "Faltou
dizer". Pois é. Sempre falta dizer uma porção de coisas.
Se o distinto público tem treinamento para aplicar filtros e ponderações,
tudo bem. Se não tem, salve-se quem puder.