Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Por um novo modelo de serviços

TV A CABO

Daniel Herz (*)

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Como representante de um segmento social que acompanhou e participou intensamente da elaboração da Lei 8.977/95 ? o dos jornalistas, através da Federação Nacional dos Jornalistas e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação ? temos como objetivo das propostas iniciais aqui apresentadas, retomar perspectivas e possibilidades que haviam sido abertas durante a sua formulação, bem como de outras que agora decorrem da avaliação da experiência de oito anos de constituição do modelo de serviços e de negócios que foi efetivamente implantado no país e que não está se mostrando bem sucedido.

É com este sentido que, em caráter preliminar, apontamos nesta contribuição ao GT instituído pelo Conselho de Comunicação Social, um conjunto de pontos para debate, neste processo de revisão do atual modelo da TV a cabo brasileira.

Ressaltamos que tais proposições iniciais procuram traduzir os objetivos que norteiam nossa atuação neste trabalho: o esforço para conceber um modelo de serviços e de negócios para a TV a cabo, capaz de ser viável economicamente, saudável e atrativo do ponto de vista financeiro e comercial e que alcance uma ampliação da sua utilidade social, atualmente ainda restrita muito aquém das suas imensas potencialidades.

Destacamos, também, que as medidas destinadas ao que aqui denominamos ampliação da utilidade social do serviço de TV a cabo não podem ser tratadas de forma simplista como meras "contrapartidas" impostas às operadoras. Trata-se de conceber bases de ampliação da utilidade social do serviço, a serem previstas no novo modelo, que sejam organicamente integradas à constituição de aspectos do mercado que podem ser socialmente arbitrados e induzidos e que deverão mostrar efetiva correspondência às demandas sociais para que, justamente, sua viabilidade econômica e material se constitua.

Foi por este motivo ? a necessidade de se alcançar o delicado e complexo equilíbrio entre a atividade comercial e o interesse público no serviço ? que uma expressiva parcela das ousadas disposições contidas na Lei da TV a cabo ficou reservada para a regulamentação e para a normatização, permitindo que experiências desenvolvidas possibilitassem ajustes ao longo do tempo, sem forçar condicionar o serviço em bases irreais ou inviáveis. Acreditamos, deste então, que isto só pode ser alcançado com o compartilhamento de responsabilidades entre o Estado, o setor privado e a sociedade civil em geral, dando prosseguimento ao inédito processo protagonizado na negociação da Lei. Previu-se para tal função, na Lei, um papel especial para o Conselho de Comunicação Social, o que até não tinha sido experimentado devido ao atraso de onze anos na sua implantação.

Os cuidados para que a Lei não fosse indevidamente restritiva e pudesse provocar o engessamento do serviço, levaram a que se evitasse detalhamentos maiores além dos princípios gerais enunciados. No entanto, a inadequada e empobrecida regulamentação e normatização resultou em conceitos mal desenvolvidos ou simplesmente ignorados, por omissão do Poder Executivo, por desinteresse do setor privado e também por falta de participação e atuação da sociedade civil.

Os pontos aqui levantados, portanto, longe de esgotar a atual problemática do segmento de TV a cabo, referem-se, sobretudo, a aspectos que consideram persistirem negligenciados ou mal desenvolvidos na aplicação da Lei. Neste sentido, ao desenvolver essa abordagem do tema no CCS, no âmbito deste GT, consideramos estar sendo retomado um processo histórico iniciado com a negociação e a formulação que levou à aprovação da Lei da TV a cabo pelo Congresso Nacional e que acabou sendo interrompida por mais de uma década.

Temos hoje melhores condições para perceber no serviço de TV a cabo, as suas potencialidade e limites, bem como melhor avaliar sua reais possibilidades exercidas ou não, que os próprios operadores também reconhecem ainda ter certa dificuldade para estabelecer e que, especialmente nos primeiros anos de implementação do serviço após a aprovação da Lei, lhes gerou sérios problemas na discriminação das distintas dimensões de negócio geradas pelo serviço.

Ressaltamos nossa expectativa de que a égide do processo que culminou com a aprovação da Lei precisa ser preservada, pois em muito pode contribuir para que o novo modelo de serviços e negócios que estamos empenhados em conceber coletivamente seja bem sucedido por amparar-se em um real um compartilhamento de responsabilidades entre o Governo Federal, o setor privado e a sociedade civil interessada em participar das definições que ocorrerão.

É esta coordenação de esforços, sintonia de convicções e compatibilização de constituição do mercado e de operações comerciais com o interesse público que conferirá legitimidade às medidas que se farão necessárias para a recomposição do modelo de serviço e negócio da TV a cabo no Brasil, visto que a ausência de um papel ativo do Poder Executivo, a espontaneidade e as bases concorrenciais até certo ponto destrutivas com que o setor privado o tratou, somados à falta de participação da sociedade, em parte também por sua própria omissão, decorreu em resultados pouco expressivos, tanto do ponto de vista do mercado quanto da sua utilidade social.

2. RACIONALIZAÇÃO DOS INVESTIMENTOS E DA INSTALAÇÃO DAS REDES

A formulação da Lei da TV a cabo tinha como uma das suas premissas, explicitada nos conceitos de Rede Pública e de Rede Única, o estímulo à racionalização dos investimentos públicos e privados nas redes de telecomunicações voltadas para a viabilização do serviço de TV a cabo, de modo a possibilitar a mais ampla e universal disseminação de serviços de banda larga no país.

Considerava-se, na época da elaboração da Lei, o dilema enfrentado por diversos países para a alavancagem das RDSI (Redes Digitais de Serviços Integrados), com a necessidade de extensas, porém limitadas tecnicamente, redes de telefonia e de cabos coaxiais que haviam se desenvolveram em paralelo ao longo do tempo.

O Brasil, que estava atrasado cerca de duas décadas na implantação da TV a cabo, tinha diante de si no início da década de noventa a possibilidade de orientar os investimentos de modo a desenvolver a mais completa infra-estrutura capaz de dar conta não só das necessidades específicas do serviço de TV a cabo, mas também de integrar e viabilizar outros serviços de telecomunicações digitalizados.

Na época, o grande problema vislumbrado ? que, em boa medida, persiste ainda hoje ? era a implantação em bases econômicas, da chamada "’última milha" que integraria os troncos digitalizados e amparados na tecnologia da fibra ótica, até o domicílio dos assinantes. Esta preocupação fez com que a Lei prescrevesse orientações e cuidados especiais para estimular que os troncos utilizados para viabilizar o serviço de TV a cabo constituíssem base para a alavancagem do sistema nacional de telecomunicações como um todo.

Como se sabe, na época da aprovação da Lei, persistia o monopólio estatal das telecomunicações. A formulação da Lei procurou, porém, criar um modelo aplicável tanto em um cenário estatal como privado. O que se verificou posteriormente, tanto no cenário estatal como no privado, foi falta de ousadia das operadoras de telefonia em equacionar a realidade de novo mercado que surgia, bem como a forte resistência das operadoras em partilhar meios e investimentos com terceiros. A situação só se agravou com a privatização das telecomunicações. A preocupação com o controle direto da infra-estrutura só acirrou a tendência de duplicação de investimentos pelas operadoras de telefonia e de TV a cabo. Agregam-se ainda neste cenário dezenas de iniciativas de instalação de troncos de fibras óticas por outras empresas (além das operadoras de telefonia e de TV a cabo) que fizeram projeções equivocadas e encontram-se hoje com suas infra-estruturas ociosas e fibras apagadas.

Na configuração deste cenário registra-se especialmente a omissão do Poder Executivo em afirmar objetivos nacionais, em flagrante descumprimento da exigência legal de formulação da política prevista no artigo 4? da Lei, o qual estabelece que "o Serviço de TV a Cabo será norteado por uma política que desenvolva o potencial de integração ao Sistema Nacional de Telecomunicações, valorizando a participação do Poder Executivo, do setor privado e da sociedade, em regime de cooperação e complementaridade, nos termos desta Lei".

O saldo do processo caótico que se estabeleceu, apesar de todos os cuidados contidos na Lei, foi o de que bilhões de reais foram mobilizados para a instalação de redes dedicadas para o serviço de TV a cabo, com restritas possibilidades para prestação e integração com outros serviços de telecomunicações, em especial os de banda larga.

No momento em que os próprios operadores apresentam os investimentos em rede como uma das grandes causas da atual crise do segmento de TV a cabo, é imprescindível que se desenvolva uma acurada avaliação da situação atual da infra-estrutura existente, dos investimentos realizados, e das possibilidades ainda existentes de se promover a integração e a racionalização previstas na Lei, preservando o objetivo de se obter a mais ampla disseminação de serviços digitais e de banda larga no país.

Neste sentido, apontamos algumas medidas que poderão recompor os esforços previstos na Lei da TV a cabo, visando a otimização dos investimentos e da instalação da infra-estrutura de telecomunicações que ainda se torne possível:

a) identificação de medidas para potencializar o uso das atuais redes instaladas pelos operadores de TV a cabo e da sua integração às demais redes de telecomunicações;

b) criação de condições para adequadas para viabilizar a transferência, para terceiros, das redes instaladas pelos operadores de TV a cabo que desejarem concentrar-se apenas na sua atividade específica;

c) projeção do desenvolvimento das atuais e das futuras redes genéricas de telecomunicaç&otiotilde;es e, especialmente, das redes que serão utilizadas para viabilizar o serviço de TV a cabo, nas condições estipuladas pela Lei;

d) formulação, pelo Poder Executivo, tal como determina a Lei, da política que orientará o desenvolvimento da infra-estrutura dee telecomunicações como um todo, considerando os conceitos de Rede Pública e Rede Única.

3. MEDIDAS DE PROMOÇÃO DA INCLUSÃO DIGITAL

A disseminação de redes de banda larga perseguida nas formulações desenvolvidas entre 1993 e 1994, antecipava em quase uma década o que hoje se denomina esforço para promoção da inclusão digital da população.

Portanto, consideramos que as metas a serem fixadas para a ampliação da adesão do público ao serviço de TV a cabo devem ser as mais ambiciosas possíveis, evidentemente sem descurar da sua viabilidade econômica e comercial. Isto é, devem buscar a adesão tendencial de 100% da população de 11,2 milhões de domicílios que hoje tem as redes de TV a cabo disponíveis nos seus logradouros, mas tem não acesso ao serviço. Isto representa, como referiu o parecer do CCS ao Projeto de Lei 175/2001, do Senador Ney Suassuna, amparando-se em dados fornecidos pela Associação Brasileira de TV por Assenatura, que "tecnicamente, há rede instalada para conectar imediatamente não apenas os atuais 2,1 milhões de domicílios assinantes, mas algo próximo de 11,2 milhões de domicílios. Isto significaria ampliar o público com acesso à TV a cabo e aos serviços de banda larga de 12,5 milhões para 39,2 milhões de brasileiros".

O mesmo parecer do Conselho destacou que "tal ampliação da adesão, se fosse alcançada, além de suplementar os cidadãos com diversificadas alternativas de comunicação social, poderia viabilizar outros serviços, entre os quais acesso à Internet com rede de banda larga, favorecendo a inclusão digital. Diversos serviços de educação, saúde e telemedicina e segurança, entre outros, podem ser desenvolvidos com a conexão em massa dos domicílios às redes de banda larga, na constituição de uma verdadeira infovia brasileira".

A massificação que pode viabilizar este poderoso instrumento de combate à exclusão digital, com possibilidade de alcançar resultados expressivos a curto e médio prazo, pode intensificar-se com a complementação de investimentos que o segmento ainda necessita fazer para a expansão do serviço, pois, com ressaltou o parecer do CCS, "os municípios onde se encontram estas operações de TV a cabo, por sua vez, representam 79,4% dos domicílios do País com televisão. Deste modo, uma massificação do serviço de TV a cabo tem como público potencial, a médio prazo, 25,4 milhões de domicílios e 80,9 milhões de brasileiros".

Uma política destinada a mobilizar o serviço de TV a cabo para a promoção da inclusão digital ? e, também, para o acesso à pluralidade dos conteúdos contidos no serviço de TV a cabo ? está a exigir:

a) soluções de mercado para viabilizar a adesão do imenso contingente da população que atualmente não acessam o serviço, principalmente por motivos econômicos, viabilizando conexões a baixo custo, ou mesmo a custo zero para os usuários, no que se refere ao pacote básico de canais de utilidade e outros canais distribuídos gratuitamente, como está sugerindo ser possível o estudo "Proposta de Novo Modelo de TV por Assinatura"; desenvolvido pela ABTA;

b) soluções tecnológicas que possibilitem não apenas o surgimento de decodificadores desenvolvidos no país, com o máximo de engenharia e componentes nacionais e produzidos ou pelos menos desenvolvidos no país e com custo compatível para viabilizar até mesmo conexões de usuários a custo zero, assim como também o desenvolvimento, com tecnologia e o máximo de produção industrial no país, de dispositivos que possibilitem acesso à Internet com baixo custo e compatíveis com as demandas e com a realidade econômica do público brasileiro que atualmente se encontra excluído digitalmente.

4. CANAIS DE UTILIDADE PÚBLICA

Os canais de utilidade pública nunca foram tratados, durante os meses em que se negociou a formulação da Lei da TV a cabo, como uma mera e simplista "contrapartida social" imposta aos operadores de TV a cabo. Considerava-se, consensualmente, que estes canais seriam objeto de valorização da grade de programação e serviriam para constituir elos institucionais e comerciais relevantes das operadoras, nos planos nacional, regional e local, e principalmente com o público assinante.

Infelizmente, de um modo geral, salvo iniciativas isoladas, incluindo algumas bem sucedidas, os operadores tenderam a tratar os canais de utilidade pública como um ônus, uma carga decorrente da Lei, da qual cabia desencumbir-se de forma burocrática. A falta de iniciativa e criatividade na gestão desta exigência legal desconsiderou possíveis iniciativas de marketing e formas adequadas para promover o relacionamento e a mobilização das mais diversas instituições públicas e privadas, assim como interessar o público assinante também a partir dos canais de utilidade pública.

Neste sentido, torna-se necessário um debate sobre medidas que possam reverter esta postura e a concepção dos operadores de TV a cabo em relação aos canais de utilidade pública como um todo, independente de medidas específicas que venham a ser recomendas em relação a cada um destes canais.

A exagerada mistura e concentração das funções de empacotamento de programação e de produção de conteúdo, devido à excessiva verticalização do mercado, existente no Brasil, atribuiu aos operadores o dilema de vender canais específicos ou pacotes de canais ou vender o serviço de TV a cabo como um todo. As evidências indicam que a tendência majoritária é a do marketing simplificado, e potencialmente oligopólico, imposto a partir do controle da estruturação da programação, em cima de canais e pacotes específicos o que, em boa medida, enfraquece o conceito do serviço como um todo e cria uma percepção limitada do público em relação ao seu significado e à sua importância política e cultual e também, inclusive, à sua relevância econômica.

5. CANAIS LEGISLATIVOS

O potencial de valorização da grade de programação visado para os canais de utilidade pública ficou cabalmente demonstrado nos bem sucedidos casos do Canal do Senado Federal e do Canal da Câmara dos Deputados. Na época da formulação da Lei denominávamos os canais legislativos como parte das "janelas eletrônicas" para as instituições que o serviço de TV a cabo abriria para a sociedade. Os operadores, entretanto, na abordagem burocrática que fizeram dos canais de utilidade pública, não demonstraram para o público que era o novo serviço que estava criando aquelas importantes "janelas" e que era destes uma parte essencial de algo de extraordinário interesse público que estava sendo criado. O interesse despertado no público poderia, inclusive, ter gerado fator de aceleração e qualificação da experiência do conjunto dos canais legislativos. O resultado é que estes canais tiveram que se impor pelas suas próprias iniciativas. Os operadores os trataram, em boa medida, como intrusos nas suas grades, que tinham de ser tolerados por exigência legal.

Não é de surpreender que tenham vingado especialmente os canais do Poder Legislativo Federal, com mais recursos para sua estruturação e por serem protagonistas de debates e episódios conjunturais de grande interesse nacional, o que contribui para gerar, em muitas oportunidades, grande poder de atração de audiência.

Diante das dúvidas existentes em relação ao interesse do público nos canais legislativos, constata-se hoje que não apenas em momentos de abordagem de temas polêmicos e de grande interesse nacional no Congresso Nacional, sempre há interesses conjunturais e de expressivos segmentos sociais sendo tratados no parlamento federal e as demandas e interesses destes segmentos tem potencial de geração de audiência no plano nacional. Aliás este potencial de mobilização de segmentos específicos de público para o acompanhamento de assuntos em pauta no Congresso Nacional, ainda persiste subestimado, tanto pelos operadores, como pelo próprio parlamento federal e, também, pelas instituições representativas dos diversos segmentos sociais que tem seus interesses específicos tratados no Congresso.

No caso dos canais do Senado e Câmara, vale ressaltar que ambos desenvolveram além da cobertura legislativa, uma excelente programação cultural complementar, capaz de, por si só, gerar interesse de público, embora ainda também careça de divulgação e promoção.

O terceiro canal legislativo, atribuído para operação de forma conjunta entre as Assembléias Legislativas e as Câmaras de Vereadores, enfrentou as enormes dificuldades decorrentes do uso comum que lhes foi prescrito. Além disso, a heterogeneidade da programação constituída em um mesmo canal enfraqueceu ou sequer constituiu a identidade destes canais junto ao público, a exemplo do que ocorreu com os canais do poder legislativo federal.

Esta situação justifica que se repense o equívoco de se ter fundido na operação de um único canal a atuação de dois poderes legislativos com tanta diversidade de atuação com distintas condições de arregimentação de interesse do público, nos planos regional e local. Ambos, aliás, demonstram ter potencial de atração cumulativo de mobilização do interesse do público, somando-se também ao que ocorre com os canais do legislativo federal.

A despeito das reiteradas reclamações dos operadores a respeito da "carga" onerosa que lhes é atribuída com os canais de utilidade pública, é necessário considerar que um canal com condições quase inviabilizadoras das sua estruturação, como se revelou o canal destinado ao uso conjunto pelas Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores, pode se revelar mais oneroso do a veiculação pelas operadoras de dois distintos canais, um para cada instância do poder legislativo, mas que sejam capazes de criar identidade, refletirem de forma mais adequada a atuação destas duas instâncias do poder legislativo do país e, assim, gerando reais condições de atração de público para o serviço de TV a cabo, além da mobilização que isto poderia proporcionar nas próprias instituições parlamentares, nos planos estadual e municipal, em apoio à valorização e apoio à expansão do serviço.

6. CANAL EDUCATIVO-CULTURAL

A exemplo do que ocorreu com o canal legislativo estadual e municipal, o canal educativo-cultural persistente enfrentando as dificuldades decorrentes da sua prescrição de operação conjunta, atribuída aos órgãos responsáveis pelas áreas de educação e cultura dos poderes executivos federal, estaduais e municipais.

Neste caso, a operação conjunta foi prevista, justamente, para assegurar a viabilização de uma produção qualificada para a sua programação, com a concentração de recursos federais, estaduais de municipais, mas sem deixar de preservar, em bases equitativas, espaço para o regional e o local.

A falta de uma regulamentação adequada, sem dúvida, está na base do fracasso da experiência até agora desenvolvida, que merece ser repensada a partir do próprio modelo de operação e da especificação adequada de finalidades para este canal.

7. CANAL UNIVERSITÁRIO

A mobilização da produção audiovisual realizada no circuito universitário que começou a ser disponibilizada pelo Canal Universitário, vem constituindo uma rica experiência, ainda em fase de maturação e, também, ainda com impacto de público desproporcional à sua importância. O próprio conteúdo do canal ainda não reflete o enorme potencial existente no meio universitário. Do mesmo modo, a adequada articulação entre o local, o regional e o nacional, na estruturação da programação ainda não está convenientemente concebida e operacionalizada, embora seja esta uma das grandes preocupações do segmento.

Os produtores universitários constituem um segmento ativo e bem organizado, já tendo avançado bastante na formulação do modelo do canal. O canal também se ressente de divulgação e de promoção, igualmente não sendo tratado pelas operadoras como algo capaz de agregar valor ao conceito do serviço de TV a cabo, e como elemento com capacidade para a atração de audiência, a partir de ma criativa abordagem de marketing.

8. CANAL COMUNITÁRIO

O canal comunitário sempre foi considerado, na elaboração da Lei da TV a cabo como um instrumento capaz de gerar fortes laços entre as operadoras e as comunidades nas quais estas atuam diretamente e, também, como um elemento capaz de mobilizar, localmente, imediato interesse e atração de público.

O descaso das operadoras, salvo honrosas exceções, somado às dificuldades inerentes à mobilização da comunidade para viabilizar, às suas expensas, a viabilização de um empreendimento desta natureza, produziram distintas e heterogêneas experiências, até agora com pouco sucesso.

A falta de uma regulamentação adequada, além disso, possibilitou que em determinadas experiências se desenvolvessem iniciativas com perfil nitidamente privado e até comercial, em desconformidade com o previsto na Lei, que reserva o canal comunitário para a utilização por todas as entidades não-governamentais e sem fins lucrativos interessadas em nestes atuar.

As indefinições regulamentares e normativa em relação ao modelo de gestão e de operacionalização do canal comunitário, bem como a ausência de tradição para a operação conjunta, de forma plural e efetivamente democrática, de um empreendimento desta natureza, contribuiu para aumentar as dificuldades.

Neste contexto, as dificuldades de mobilização política e, consequentemente, de recursos financeiros, materiais e humanos para a viabilização do canal é, até certo ponto compreensível.

Esta situação tem sido simplificada como um problema que se restringiria à falta de recursos, embora a limitação destes seja um elemento crucialmente restritivo para o sucesso do canal. O "primo pobre" dos canais de utilidade pública, o único que depende de instituições com extrema diversidade orçamentária, ou até praticamente sem essa disponibilidade, está ainda com seu modelo de financiamento por ser desenvolvido.

Além da necessidade de que as operadoras, a exemplo do que ocorre com os demais canais de utilidade pública, passem a tratar o canal comunitário como um importante elemento do conceito do serviço de TV a cabo, é necessário cogitar um conjunto de medidas capazes, não só de ampliar a divulgação e a promoção deste canal, como sejam ativas em relação à sua própria viabilização material.

Entre estas medidas, mais a título de exemplo, do que de uma proposta exaustiva para a solução do problema, apontamos as seguintes:

a) regulamentação do processo de constituição da gestão do canal comunitário que deve assegurar, de forma plural e democrática, a todas as entidades não-governamentais e sem fins lucrativos da localidade a possibilidade de atuação;

b) avaliação da possibilidade de remuneração, pelas operadoras, do canal comunitário de forma proporcional ao percentual de audiência que este conseguir atrair para o serviço de TV a cabo;

c) criação, induzida por regulamentação ou por disposição dos operadores, de uma sistemática de cobrança dos assinantes que possibilite o pagamento de contribuições voluntárias, esporádicas ou regulares, em apoio ao canal comunitário, que seriam repassadas às instâncias gestoras, com utilização destes recursos em bases regulamentares e transparentes para a viabilização do canal.

9. CANAIS PARA PRESTAÇÃO EVENTUAL DE SERVIÇOS

A falta de uma regulamentação adequada e de uma melhor especificação do conceito gerou muita incompreensão acerca dos dois canais destinados à "prestação eventual de serviço" previstos no inciso II do parágrafo ? 5? e na alínea "a" do parágrafo 6? do artigo 23 da Lei.

Estes canais eventuais foram concebidos a partir de dois eixos: como instrumentos de afirmação do direito do exercício de expressão por todo e qualquer setor da sociedade, sem deixar de preservar suas bases de viabilização comerciais, e como um elemento gerador de um novo mercado de produção e exibição audiovisual próprio do serviço de TV a cabo.

O conceito restritivo do serviço de TV a cabo adotado pelas operadoras, respectivamente, desvalorizou a primeira dimensão e negligenciou as possibilidades de mercado da segunda dimensão, acima referidas.

O uso deste canal, em bases comerciais pelos interessados em utilizá-los eventualmente, restringiu o seu aproveitamento para manifestações públicas de entidades, em relação a assuntos relevantes ou polêmicos; para o lançamento ou fortalecimento de campanhas de produtos ou serviços por empresas privadas; para a transmissão de eventos de interesse geral ou restrito, pelas mais diversas instituições; para a formação de recursos humanos, de sentido amplo ou restrito; entre outras possibilidades de utilização eventual destes canais.

O resultado é que as operadoras, de um modo geral, alocaram canais definidos como eventuais para a exibição de produções locais, porém de caráter regular e permanente, de forma bem distinta do sentido atribuído a estes pela Lei, o que seria mais adequado desenvolver entre os canais alocados entre os trinta por cento dos canais previstos no inciso III do artigo ? 5? do artigo 23 da Lei, como veremos mais adiante.

Enfim, trata-se de um segmento de mercado do serviço de TV a cabo que, longe de ser desenvolvido, acabou sequer sendo adequadamente explicitado e que merece ser repensado a partir, principalmente, das suas bases de regulamentação e da disposição das operadoras reconhecerem as suas potencialidades, inclusive de atração de audiência para o serviço de TV a cabo como um todo.

10. A RESSALVA EM RELAÇÃO A 30% DOS CANAIS DESTINADOS À PRESTAÇÃO PERMANENTE DE SERVIÇOS

A omissão da regulamentação não avançou no desenvolvimento do sentido atribuído pela Lei em relação a 30% dos canais tecnicamente viáveis no serviço de TV a cabo. Tal conceito, de fato, foi muito sumariamente introduzido na Lei, tendo a finalidade de assegurar que, além dos canais de utilidade pública e dos canais de uso eventual, os operadores não monopolizassem o poder de exibição do conjunto dos demais canais, assegurando a produtores e exibidores independentes a prerrogativa de se fazerem presentes nos diversos mercados onde desejassem e necessitassem atuar.

Para tanto, a alínea "b" do parágrafo 6? do artigo 23 determinou que "trinta por cento dos canais tecnicamente disponíveis", utilizados para as funções previstas no inciso III do parágrafo 5? do mesmo artigo, ou seja os "canais destinados à prestação permanente de serviços", seriam reservados para exibição da "programação de pessoas jurídicas não afiliadas ou não coligadas à operadora de TV a Cabo".

Considerando uma base de 70 canais tecnicamente viáveis, o cálculo que então era feito, na época da formulação da Lei, considerava que os operadores teriam pleno arbítrio sobre cerca de 60% dos canais tecnicamente viáveis, nenhum arbítrio sobre pouco menos de 10% por cento destes (representados pelos canais de utilidade pública), e estariam sujeitos a exigências de negociação com terceiros sobre os 30% restantes, incluindo aí o resíduo de cerca de 2% representado pelos canais de uso eventual. Deste modo, relação aos 30% de canais destinados à prestação permanente de serviço, ressalvados pela Lei, deveriam ser equacionadas as bases comerciais de operação e de relacionamento com terceiros, o que nunca foi feito. Não houve iniciativa das operadoras e, tampouco, de produtores e exibidores independentes.

A exagerada mistura nas funções de empacotamento de programação e produção com as de exibição acabou inibindo uma dinâmica de mercado que se identificava como muito salutar, com o operador de TV acabo cumprindo um papel efetivo de constituição de mercado a partir da reconhecimento da real oferta existente e de uma interpretação das demandas do público que transcendia suas próprias perspectivas, o que seria buscado e bancado por investimentos de terceiros, desde que lhes fossem facultado o acesso ao circuito de exibição constituído pelo serviço. A oferta restritiva e a má interpretação das demandas público foi, aliás, reconhecida pelas próprias operadoras como um dos fatores que contribuíram, em alguma medida, para o insucesso do serviço.

Foi deste modo frustrada a possibilidade de produtores e programadores independentes terem acesso ao mercado de TV a cabo. A exigência da inclusão obrigatória de um canal destinado exclusivamente para exibição da produção brasileira audiovisual independente, por sua vez, só reforçou a postura subalterna de empreendedores nacionais que poderiam atuar de outro modo para disputar o mercado. Falta de experiência e de investimentos, que poderiam ter sido revertidas com uma atuação consistente do Poder Executivo, também contribuíram para que esta possibilidade de constituição de mercado não se tornasse operacionalizável.

Trata-se, portanto, de mais um dispositivo da Lei que depende de uma mudança do conceito dos operadores de TV a cabo em relação ao serviço, de uma percepção dos empreendedores acerca das possibilidades existentes, e de uma regulamentação que oriente estas relações na direção dos objetivos apontados na Lei. Na revisão do modelo de serviços e de negócios as diretrizes para a constituição deste segmento de mercado devem merecer especial atenção.

11. MERCADO DA PRODUÇÃO AUDIOVISUAL BRASILEIRA INDEPENDENTE

Em três oportunidades a Lei da TV a cabo estabelece definições para estimular o desenvolvimento do mercado de produção audiovisual nacional independente

No artigo 10, que estabelece a competência do Poder Executivo, está determinado, no seu inciso V, que a este cabe "o estabelecimento de diretrizes para a prestação do serviço de TV a Cabo que estimulem e incentivem o desenvolvimento da indústria cinematográfica nacional e da produção de filmes, desenhos animados, vídeo e multimídia no País".

Esta responsabilidade do Poder Executivo foi reiterada no artigo 31, ficando vinculada a um dever da operadora, estipulado neste mesmo artigo, através seu inciso IV, que é o de "exibir em sua programação filmes nacionais, de produção independente, de longa-metragem, média-metragem, curta-metragem e desenho animado, conforme definido em regulamento a ser baixado pelo Poder Executivo, resguardada a segmentação das programações".

Finalmente, como direito das operadoras de TV a Cabo, no artigo 30 da Lei, no seu seu inciso V, prevê-se que estas poderão "co-produzir filmes nacionais, de produção independente, com a utilização de recursos de incentivos fiscais previstos na Lei n? 8.685, de 21 de julho de 1993, e outras legislações". Trata-se de uma forma de estimular o aporte de recursos para estimular e viabilizar produções nacionais.

Apesar da existência destes diversos dispositivos, a única formulação regulamentar adotada foi a do estabelecimento da obrigatoriedade de exibição, pelas operadoras, de um canal exclusivamente voltado para a produção audiovisual nacional que, na época da formulação da regulamentação, acabou gerando uma frágil base de consenso em torno desta que seria adotada como uma solução preliminar, a ser posteriormente reavaliada, ainda que já na sua concepção inicial tenha gerado bastante ceticismo.

A realidade, decorridos oito anos desta regulamentação, é que o desenvolvimento da TV a cabo pouco contribuiu o desenvolvimento da produção audiovisual nacional independente.

Tal situação pode ser atribuída à falta de uma regulamentação consistente, à pouca iniciativa das operadoras para tratar do problema como um elemento de mercado capaz de agregar valor à grade de canais e, também, à falta de iniciativa de exibidores independentes para produtores em mobilizar-se para atuar além daquilo que além daquilo que está compulsoriamente determinado pelo regulamento, que é a exibição do canal exclusivo.

Tal limitação também decorre da falta de precisão conceitual a que ficaram submetidos os "trinta por cento dos canais tecnicamente disponíveis", destinados "à prestação permanente de serviços", que deveriam ser assegurar a presença de "programação de pessoas jurídicas não afiliadas ou não coligadas à operadora de TV a Cabo", como foi anteriormente referido.

Na época do debate da Lei e da Regulamentação cogitou-se nas alternativas de garantia de cota de tela para a exibição de produções nacionais independentes e de taxação da produção internacional exibida para a constituição de um fundo destinado ao financiamento das produção brasileira. Embora soluções desta natureza costumem provocar forte resistência do empresariado de mídia, as mesmas não foram formalmente abandonadas na negociação, pois não se estabeleceu consenso nem mesmo entre os segmentos empresarial e profissional ligados à produção nacional, em função das dificuldades percebidas para se estipular disposições e critérios compatíveis com a complexidade do mercado que se constituía, marcado pela segmentação e pela convivência de canais empacotados no país e no exterior. Tais alternativas ficaram para ser revisadas, futuramente, em novos debates e avaliações, aceitando-se a solução preliminar e imediata da obrigatoriedade de exibição do canal exclusivo.

Decorridos oito anos de vigência de Lei e da sua regulamentação o que se constata é que o serviço de TV a cabo em quase nada contribuiu para o desenvolvimento e o fortalecimento do restrito mercado de produção audiovisual brasileira independente.

Em parte, esta situação decorre de não se ter concebido bases consistentes de mercado para se estimular a sinergia entre as duas indústrias, cujo sucesso seria elemento vigoroso para agregar valor à da grade de canais e ao serviço como um todo..

Sem descartar nenhuma das possibilidades já discutidas, inclusive as polêmicas fórmulas de cota de tela e de taxação específica de produção internacional exibida, consideramos que medidas criativas e concebidas de forma democrática e compatível com as bases de mercado, poderão ter maior impacto e efetividade.

Apenas a título de exemplo, citamos a hipótese de utilização sistemática do serviço pay-per-view para a exibição de produção nacional o que, se bem fosse utilizado ? por indução regulamentar ou tornadas consensuais entre as empresas, o Poder Executivo e a representação da sociedade civil ? poderia gerar receita e exibição em bases significativamente superiores às que atualmente são obtidas nas salas de cinema do país que, espantosamente, estão presentes em apenas 8% dos municípios brasileiros.

Consideramos que são medidas até certo ponto elementares como estas, pensadas a partir de uma realidade de mercado, que se poderá produzir efetivo estímulo à produção audiovisual independente brasileira que deverá impor-se por sua qualidade, através de contínuos e persistentes testes de aceitação pelo público. É esta base de viabilização comercial que poderá criar a tão almejada sinergia entre as duas indústrias e valorizar a imprescindível presença da cultura nacional no serviço de TV a cabo, além da geração de emprego e renda no país.

O desenvolvimento de um consistente mercado para a produção audiovisual brasileira independente poderia ser promovido, também por medidas como a apresentada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação ao programa do Partido dos Trabalhadores, para a área das comunicações, que foi aprovada nas suas instâncias internas, mas até agora ainda não sequer considerada pelo atual Governo.

Estamos nos referindo especificamente à proposta do "Programa de criação do Circuito Nacional de Exibição Audiovisual, as Salas Multimídia de Cultura Contemporânea, com a abertura de linhas de crédito para instalação, por pessoas físicas e jurídicas (micro e pequenas empresas, ONGs, sindicatos, escolas, etc.), de pelo menos dez mil salas com recursos técnicos (projetor de vídeo, telão, videocassete, DVD, amplificadores de som e cadeiras, e conexão às redes de TV a Cabo, MMDS, DTH e internet) para exibição coletiva de cinema, televisão e vídeo e realização de teleconferências, priorizando o atendimento dos 92% de municípios brasileiros que não dispõem de salas de cinema". O Programa visa "a criação de um mercado nacional massivo para os serviços de TV por assinatura e para exibição da produção independente e regional brasileira de vídeo e cinema". Também deveria buscar "a indução de inovadoras possibilidades culturais proporcionadas pela constituição de ‘auditórios eletrônicos’ (em âmbito municipal, regional ou nacional) com os serviços de teleconferência". Este Programa ainda deve adotar como objetivo a deflagração de um grande movimento cultural em torno da televisão, do vídeo e do cinema, criando uma experiência socialmente partilhada de audiência crítica e debate da estética da produção audiovisual, através de exibições acompanhadas de debates e avaliações críticas".

A mesma proposta, apresentada pelo Fórum e aceita pelo PT, também ainda não assumida pelo atual Governo, refere-se à necessidade de um "Programa de fomento da produção audiovisual brasileira, com ênfase na constituição de pólos regionais integrados por centros de produção, com estúdios, equipamentos e técnicos, públicos ou privados, destinados à realização, em larga escala, de produções de cinema, televisão, e vídeo". A proposta destacava que esta seria "a base material para a regionalização da produção e o incremento da produção independente brasileira e sua veiculação através das redes regionais e nacionais de televisão aberta e de TV por assinatura, inclusive visando o mercado internacional". Ressaltava, também, que os estímulos econômicos e legais previstos neste programa" deveriam apoiar tanto as iniciativas de caráter comercial como as desenvolvidas no exercício do direito de expressão, nos veículos privados ou nas emissoras e canais comunitários".

Prescrevia, finalmente, a proposta do Fórum que a "organização e dinamização da distribuição da produção audiovisual regional e independente brasileira" seria elemento indispensável para valorização desta" e para a qualificação do país diante das oportunidades hoje existentes para a disputa do mercado internacional de produtos audiovisuais.

12. INICIATIVAS POLÍTICAS PARA ORIENTAR E APOIAR O SEGMENTO

O serviço de TV a cabo, como ressalta o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação desde o início da década de 90, é um importante segmento do setor de Comunicação Social que, "contemporaneamente, exerce crescentes determinações sobre a cultura, a política e a economia. No Brasil, estes efeitos foram negativamente acentuados pela imposição de situações de fato e por condicionamentos históricos gerando desequilíbrios de poder e de oportunidades".

A formulação e a aprovação da Lei da TV acabo foi propiciada por um processo democrático sem precedentes e que só agora parece receber continuidade, que foi marcado por um esforço de "requalificação das relações sociais em torno dos sistemas, práticas e conteúdos pertinentes à Comunicação Social", com o compartilhamento de responsabilidades públicas entre o Governo Federal, o setor privado e a sociedade civil em torno da estruturação do mercado e dos sistemas" e com a orientação deste segmento da Comunicação Social pelo interesse público e a afirmação da democracia e da pluralidade na sua atuação.

Tais cuidados correspondem ao enfrentamento "da espontaneidade com que o mercado e os sistemas de Comunicação Social tendem a se estruturar", exigindo não apenas regulamentações consistentes, mas também orientações políticas democraticamente consensualizadas, "para impulsionar o desenvolvimento de relações de mercado que potencializem o país e para atender às demandas da sociedade pelo exercício do direito de expressão". Entre estas, também deveriam estar contidas as "medidas de estímulo à concorrência e ao exercício da capacidade empreendedora, em larga escala no país, tanto no seu sentido econômico e comercial, como no social e político, sempre visando a promoção da cultura e a representação da pluralidade".

O novo modelo de negócios e serviços para a TV a cabo, por isso, deveria também "incorporar as extraordinárias possibilidades que serão abertas pela introdução da tecnologia digital na Comunicação Social Eletrônica e que definirão um novo perfil de organização e de serviços para as próximas décadas". O novo modelo deveria constituir referência para uma política mais ampla de estabelecimento "das bases de uma inserção não subordinada do país nos sistemas e nos mercados internacionais que a introdução da tecnologia digital na Comunicação Social está criando".

As propostas do Fórum ressaltam também a necessidade de uma ampla coordenação de esforços, sempre com compartilhamento de responsabilidades entre o Governo Federal, o setor privado e a sociedade civil, "para impulsionar o desenvolvimento da cultura através da Comunicação Social, promovendo um processo massivo de inclusão social e viabilizando que o país alcance autonomia estratégica e exerça sua soberania, em um contexto internacional particularmente adverso". Isto significa reconhecer "a necessidade da deflagração de um processo humanizatório, com o concurso dos meios de Comunicação Social, para valorizar a maior riqueza da Nação – que é nosso povo – e para que o país, democraticamente, possa arbitrar seu destino e suas finalidades".

Culminam as propostas do Fórum com o destaque para a necessidade de mobilização, neste esforço de busca de soluções econômicas, de mercado, tecnológicas e, portanto, culturais, para se referir de uma forma mais ampla, "das entidades de ensino superior e de seus cursos de graduação e pós-graduação, assim como das entidades representativas da área acadêmica e centros e instituições de pesquisa públicos ou privados, para incrementar a produção científica e técnica sobre Comunicação Social destinada a apoiar a expansão do mercado e a ampliação do acesso da população a sistemas e serviços".

Para exemplificar algumas das iniciativas possíveis que dependem mais de energia política e moral do Governo Federal, do setor privado e da sociedade civil, apontamos iniciativas elementares focadas na educação e na promoção da cidadania.

12. INICIATIVAS FOCADAS NA EDUCAÇÃO

A valorização do compromisso das operadoras com ligações das redes utilizadas para a prestação de serviços de TV a cabo a escolas e bibliotecas, assim como a outros locais públicos, no processo e licitação das outorgas, está longe de ser estímulo adequado para o cumprimento de um importante papel do serviço de TV a cabo e do desbravamento não só de oportunidades de marketing para o serviço, como também de um novo mercado de serviços de banda larga que não foi adequadamente considerado pelas operadoras.

Sem detalhar aqui estas possibilidades extraordináaacute;rias, que mereceriam uma abordagem mais aprofundada, referiremos somente uma iniciativa até certo ponto singela, que poderia produzir resultados significativos a curto prazo. Nos EUA, por exemplo, existem serviços especializados que publicam mensalmente revistas destinadas ao setor educacional, classificando, descrevendo e recomendando produções de toda natureza ? documentários, filmes, entrevistas, eventos, etc. ? que podem servir de apoio às atividades educativas. Tal iniciativa acaba favorecendo o acesso ao imenso manancial de produção audiovisual relevante, rotineiramente disponibilizado pela TV a cabo que tende a ficar disperso em meio às dezenas de canais, sem que o setor educacional sequer consiga aquilatar o seu real valor.

No Brasil um esforço de coordenação do Governo Federal, do setor privado e de ONGs especializadas poderia favorecer o acesso deste conteúdo ao que há de mais relevante veiculado no serviço de TV a cabo para reforço da atividades educacionais.

13. INICIATIVAS FOCADAS NA CIDADANIA

O impacto da TV a cabo na promoção da cidadania deveria começar pela revisão do conceito do serviço que, a despeito do prescrito pela Lei, foi interpretado e implementado de forma muito pobre e restritiva pelo setor privado. Tal cuidado, como já destacamos, não corresponde à mera aceitação da obrigatoriedade do cumprimento de "contrapartidas sociais" em troca da outorga para a execução do serviço.

Trata-se de reconhecer o real alcance da finalidade prescrita pela Lei, no seu artigo 3?, onde se estabelece que "o Serviço de TV a Cabo é destinado a promover a cultura universal e nacional, a diversidade de fontes de informação, o lazer e o entretenimento, a pluralidade política e o desenvolvimento social e econômico do País".

Na formulação da Lei considerou-se que tal finalidade, longe de ser um adorno decorativo da sua formulação, deveria perpassar toda a concepção do serviço e encontrar base econômica e comercial para algo que fosse efetivamente relevante e útil para a sociedade, nas múltiplas dimensões referidas pelo artigo.

Trata-se de buscar algo que não se incompatibiliza com a viabilização econômica e comercial do serviço mas que, ao contrário, só se viabiliza com o seu sucesso econômico e comercial e, portanto, deve ser uma característica qualitativa, orgânica e indissociável, de um modelo até aqui nunca tentado no setor da comunicação social do país. Por isso, destacamos sempre que tais objetivos somente poderão ser alcançados com um efetivo compartilhamento de responsabilidades entre o Governo Federal, o setor privado e a sociedade civil, que agora se busca retomar.

Também sem destacar, nesta abordagem inicial, algumas das diversas iniciativas de promoção da cidadania que deveria permear toda a concepção de um novo modelo ? algumas, aliás, já aventadas nos tópicos acima referidos ? nos restringiremos aqui a destacar uma iniciativa que depende mais de mobilização da sociedade civil mas que, entretanto, poderia ser fortalecida com algum tipo de coordenação do Governo Federal e apoio do setor privado.

Estamos nos referindo a uma iniciativa, a exemplo do anteriormente referido trabalho de classificação, descrição e recomendação de produções destinadas ao setor educacional, que também poderia ser desenvolvida por instituições diversas, com suas perspectivas próprias, ressaltando para seus segmentos de públicos o imenso manancial de produção audiovisual relevante que tende a ficar disperso nas dezenas de canais veiculados pelo serviço de TV a cabo, sem que os cidadãos tenham aquilatado o seu real valor.

São iniciativas até certo ponto elementares e singelas, como esta, aqui sumariamente exemplificada, que podem ampliar significativamente o valor de mercado e a utilidade social do serviço de TV a cabo. Brasília, 12 de junho de 2003.

(*) Jornalista, membro do CCS e representante do segmento profissional dos jornalistas