BALANÇO DO PROVÃO
Luiz Fernando Castro (*)
Dados, conceitos, notas, polêmicas, algumas conclusões e muitas incertezas. O anúncio dos resultados do Exame Nacional de Cursos, o Provão, recolocou na ordem do dia o debate sobre a qualidade dos cursos de graduação e a necessidade de avaliar as instituições de ensino superior do Brasil. Sete anos depois de sua primeira edição, o mais famoso instrumento do sistema de avaliação implementado pelo governo FHC ainda é o alvo preferido das críticas acadêmicas. Muitas baseadas em mitos que reforçam as incertezas sobre o futuro das políticas voltadas para o setor, diante da nuvem que envolve as propostas do novo governo, principalmente no que se refere às avaliações.
Em 2002, mais uma vez, as universidades públicas conseguiram o melhor desempenho de todo o sistema de ensino superior. No Rio de Janeiro, entre os 43 melhores cursos ? levando em consideração a relação de formandos e suas notas ? 31 são públicos. Os outros 12 são oferecidos por instituições particulares. Já entre os 41 piores, 35 são privados e seis públicos. Desses seis, quatro são da Universidade Federal Fluminense (UFF). Em todos, os alunos se recusaram a responder a prova e entregaram seus exames em branco.
Superficialmente, qualquer um seria capaz de, analisando esses dados, dizer o óbvio. Apesar da expansão sem precedentes, ainda falta qualidade a muitos cursos privados. Por outro lado, diríamos que os públicos provaram sua excelência e não precisam ser reformulados. Mas nem sempre a precisão matemática traduz, com exatidão, a realidade. Os números por vezes escondem ou expõem verdades e mentiras ? quase sempre de acordo com os interesses de quem os produz.
Em defesa das particulares com mau desempenho, alguém diria que o comprometimento dos alunos com a avaliação é mínimo e que os dados negativos não refletem a realidade. Ora, o protesto dos alunos é verificado pelo índice de presença e de provas em branco. Caso não queira se empenhar, o formando pode entregar o exame sem nenhuma resposta. Outro fato contra a argumentação é que os protestos, geralmente, só atingem as públicas. Mesmo assim, os números mostram que esse tipo de reação ao exame diminuiu muito nos últimos anos.
É importante ressaltar que muitas vezes o aluno não reflete a qualidade do curso e vice-versa. Jogar a culpa nos formandos é inverter o foco da avaliação. O Provão foi criado para verificar a capacidade de ação e transformação dos cursos sobre os universitários, e não os universitários. Não vamos com isso dizer que falta qualidade ao setor privado. Ao contrário, entre os cursos cinco estrelas existem 11 particulares. Mas é fato que a crise financeira, a falta de investimentos e, muitas vezes, a despreocupação pedagógica comprometem a qualidade.
Já nas públicas, algum defensor corporativo poderia falar na excelência do corpo docente e de toda a infra-estrutura. Um aluno mais reacionário pediria o fim do setor privado e diria que o governo não foi bem sucedido na tentativa de "privatizar o ensino superior público" ? vale lembrar que um dos mitos que cercavam a avaliação era seu uso no processo de desestatização, servindo como prova irrefutável da suposta ineficiência estatal. Um olhar mais atento, no entanto, mostra que os conceitos do Provão escondem uma realidade de atrofia do ensino público. A falta de verba, de laboratórios modernos, de professores em sala de aula e de currículos atualizados não aparecem nos conceitos.
Falta de continuidade
Também ficam de fora as médias alcançadas em cada carreira. Apesar da melhora em relação aos exames anteriores, as 24 áreas submetidas à avaliação obtiveram médias baixas. O pior desempenho foi registrado em Engenharia Mecânica, com média geral de 21,5. Ou seja, numa escala de zero a 100, o curso que tirou acima de 31,5 recebeu conceito A. Mas seria esse, de fato, um curso excelente?
Para neutralizar as críticas ao Provão, o MEC criou a Avaliação das Condições de Ensino. São nesses relatórios que os investimentos para melhorar a qualidade das instituições privadas aparecem e que a falta de estrutura de alguns cursos públicos é verificada. Também estão descritas as precárias condições dos cursos que acusam os alunos de pouco caso. A reivindicação de uma associação de faculdades para que as duas avaliações fossem divulgadas em conjunto, nesse caso, faz sentido. É preciso contextualizar os conceitos do Provão. Só assim o sistema de avaliação faz sentido. Só assim as responsabilidades de alunos, instituições e do governo como mantenedor ficam claras.
Nos últimos sete anos, apesar das críticas às inúmeras contradições que o próprio MEC esculpiu ao divulgar seus resultados de forma isolada e descontextualizada, as avaliações foram responsáveis pelo freio na visão economicista do ensino superior. De acordo com dados do MEC, houve redução de 50% no número de inscritos nos vestibulares de cursos com D e E. Já nos melhores, a procura aumentou 6%.
Analisando os resultados dos cursos de Jornalismo, e ignorando os boicotes, também verificamos melhora. No meio de uma discussão sobre a validade do diploma, os cursos da área e seus formandos melhoraram seu desempenho. No Rio, nenhum curso registrou conceito D ou E que não fosse por boicote. Cursos públicos que estavam mergulhados na inércia resolveram se mexer e parar de culpar o governo pela péssima infra-estrutura. Já nos particulares, a procura por professores mais qualificados cresceu.
O processo de melhoria do ensino superior é lento e também passa pela mudança da mentalidade de muitos estudantes que buscam apenas um canudo, independentemente da formação que recebam. As contradições do sistema de avaliação são muitas. No caso da Avaliação das Condições de Ensino, por exemplo, mesmo com a tentativa de uniformizar os critérios, ainda dependemos da subjetividade dos avaliadores. Se duas pessoas presenciarem um assalto, contarão versões parecidas, mas nunca iguais.
Mas, apesar disso, o sistema tem o mérito de fornecer parâmetros de qualidade. Daí, a proposta de acabar com ele por decreto, sem alternativa concreta, nos parece irresponsável. Parece, na verdade, a reedição da velha falta de continuidade das políticas públicas, que há décadas faz da educação uma de suas vítimas preferenciais. Discutir um novo sistema com a comunidade pode levar anos. E, até lá, quem vai apontar falhas e acertos no ensino superior?
(*) Editor de Ensino Superior do Caderno de Educação da Folha Dirigida