Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

PPS, o Partido Pró-Sirotsky

MÍDIA GAÚCHA

Gilmar Antonio Crestani (*)

Na edição passada deste Observatório comentei, en passant, que os principais pontas-de-lança da RBS são filiados a partidos políticos [veja remissão abaixo]. Muitos leitores manifestaram interesse em saber quais são e os partidos, já que a imprensa local, por razões óbvias, silencia sobre esta questão. Não há segredo. Eles mesmos já se fizeram ouvir.

Comecemos pelo presidente da Assembléia Legislativa gaúcha, Sérgio Zambiasi. Além de seu tradicional programa matinal na Rádio Farroupilha, também assina coluna diária no jornal Diário Gaúcho, ambos da RBS. Elegeu-se deputado pelo PTB. Está sendo pressionado pelo PPS (Partido Pró-Sirotsky) para ser o candidato de consenso das oposições e encabeçar o "anti-PT". É mais moderado do que as pressões que sofre para concorrer ao governo do estado.

Na verdade, o primeiro caso e o mais retumbante foi o do polivalente e já saudoso Jorge Alberto Mendes Ribeiro, do PMDB. A convenção partidária do PMDB que escolheria o candidato da sigla ao governo do estado, para as eleições de 1994, acabou, por pressão da RBS, substituindo-o por Antônio Britto. Desgostoso, trocou a RBS pela concorrente Caldas Júnior, e saiu do PMDB. Virou um dos colunistas políticos mais críticos da administração Antonio Britto, pois sabia do que e de quem se tratava. E já que estamos falando de Antônio Britto, não podemos olvidar que este é o caso didático destas "afinidades eletivas" que fariam Goethe corar.

Quando o Channel Four fez aquele famoso documentário sobre a manipulação política da Vênus Platinada, deixou registrado para a posteridade que a escolha do ministro das Comunicações (ACM) e do porta-voz foi imposição de Roberto Marinho. O porta-voz, naquelas noites de advento e epifania apoteótica, abria o Jornal Nacional do patrão, dizendo: "Senhores, trago boas notícias!" E Tancredo Neves já estava morto…

Pela imprevidência política de uns, virou, providencialmente, ministro da Previdência de todos nós. Com apoio indisfarçável nas eleições de 1994, virou o que se convencionou chamar de "cavalo do comissário", aquele que tem de vencer por ser do comissário. No caso, onde se lê comissário, leia-se RBS. A primeira "previdência" administrativa no governo do estado foi a providencial entrega da Companhia Rio-Grandense de Telecomunicações (CRT) à RBS, o que motiva seu veto até hoje no concorrente Correio do Povo. Nunca é demais lembrar também a coincidência de que as gravações da cúpula da Polícia Civil, que deram origem à CPI da Segurança (ou CPI do PT) terem sido feitas quando a RBS ainda fazia parte do consórcio que administrava a companhia telefônica.

Só coincidência, como também foi mera coincidência o fato de que só a RBS investigou, julgou, condenou e executou o governo do estado por envolvimento com o jogo do bicho, denúncias que acabam de ser arquivadas pelo Ministério Público Estadual. Sobre o arquivamento, psiu, silêncio absoluto.

Julgamento sumário

Alguns leitores acham forte a expressão "coronelismo eletrônico". Pode até ser. Acontece que estamos acostumados a chamar ACM de coronel, pelo fato de aeroporto, hospitais, escolas e avenidas levarem seu nome. Aqui no Sul a situação não é muito melhor, até porque ACM existe com a especial deferência da mídia sulista. A RBS, ao melhor estilo ACM, também tentou impor a mudança do nome da principal via que corta Porto Alegre, Avenida Ipiranga, para Maurício Sirotsky. Não levou e se contentou com um pseudônimo no Parque da Harmonia. Mas tem rua e vila que atendem por Zero Hora. Em Florianópolis, onde o poder público é mais condescendente, detém o poder sobre Jurerê Internacional, desde o nome da principal avenida daquela praia ao direito de organizar os "flanelinhas", ou guardadores de carro uniformizados, com regras estabelecidas por ela para afugentar ônibus de farofeiros daquela praia.

Outro representante a serviço da RBS é José Barrionuevo. Jornalista, filiado ao PMDB e amigo de todas as horas de Eliseu Padilha. Rima Rica, como Antonio Britto, foi saído do Correio do Povo quando protagonizou uma das manipulações mais grosseiras de pesquisas eleitorais de que se tem notícia, nas eleições de 1988. Naquela oportunidade, o atual governador do Estado, Olívio Dutra, inaugurou os sucessivos governos petistas na Prefeitura de Porto Alegre. Em 1989, enquanto Luis Fernando Verissimo era censurado na RBS por uma crônica que chamava Collor de "ponto de interrogação bem penteado", Barrionuevo dava dicas a Fernando Collor de Mello de como conquistar os gaúchos. Aquelas coisas de tomar chimarrão e andar a cavalo. O que lhe dificulta assimilar as sucessivas vitórias dos "vermelhos baderneiros".

Perdeu aquelas eleições, mas não a pose e o papel. Continua sendo o analista político do conglomerado da RBS, enchendo a seção Página 10, de Zero Hora, com informes despachados pelas assessorias dos deputados estaduais César Busatto e Mário Bernd, batizada pelo pessoal da Casa de Cinema de Porto Alegre de "central de recados" do PMDB, com a incumbência de fazer a análise das pesquisas eleitorais. Hoje é mais eclético. Publica nota de qualquer bancada, desde que seja contra o PT.

Um misto de cliente e analista é o colunista e comentarista esportivo Paulo Sant?Ana. É filiado ao PDT. Sempre que seu partido se encontra em apuros para enfrentar o PT, Sant?Ana é lembrado para "puxar votos". Neste ano não vai precisar, o PDT importou José Fortunatti para "puxar os votos" do PT e Paulo Sant?Ana desencadeou uma jihad contra os controladores eletrônicos. Mas só os instalados pelos governos petistas. Aqueles patrocinados pelas administrações de outros partidos não lhe dizem respeito. Ainda pode vir a se candidatar a senador.

O mais reacionário radialista da RBS é Rogério Mendelski. Já foi condenado várias vezes pela Justiça por ataques gratuitos e mentirosos ao MST. Recentemente externou um conceito sui generis sobre convívio social, que, para ele, só é possível com "um grupo de amigos, com pensamento homogêneo, o que torna o convívio ainda melhor". Fico imaginando o que não deve sofrer diante da heterogeneidade do arco-íris. O Acampamento da Juventude, com suas mais de 12 mil barracas coloridas, parecendo os quadros com bandeirinhas do artista plástico Alfredo Volpi, talvez tenha sido a causa da esquizofrenia que o desatinou durante o Fórum Social, a ponto de só enxergar José Bové em todos os cantos da cidade. Pois o homogêneo Mendelsky está se preparando para disputar a Prefeitura de Viamão, na Grande Porto Alegre, "numa coligação de partidos de oposição ao atual governo municipal petista", conforme entrevista publicada no sítio Coletiva, de um "grupo de amigos", com pensamento igualmente homogêneo.

O que há de comum em todos estes personagens a serviço da RBS? A cobrança para que o PT seja menos crítico e mais propositivo em relação ao governo federal. Ao mesmo tempo, propõem apenas "anti-petismo" no estado. Quem pensou que a lista acabou, esquece do único âncora da televisão brasileira que usa antolhos. No comando do Jornal do Almoço, da RBS, Lasier Martins usa e abusa de sua formação jurídica para fazer julgamento sumário. Em entrevista a revista Press, n? 12, declarou: "Mas com o passar do tempo fui me dando conta que é [o PT] um projeto utópico, irrealizável, porque parte de premissas erradas. Insiste em tirar de quem tem para dar a quem não tem".

Na entrevista, cita a opinião do chefe, Nelson Sirotsky, a respeito de uma de suas pretensões eleitorais: "Olha, o Sant?Ana [Paulo] estava vendo que tu querias concorrer e ele também quer. E se vocês dois concorrerem [para senador] um mata o outro". Como diria o jornalista Nivaldo T. Manzano, o partido dos Sirotskys existe e resiste. No RS pode-se dizer que a sigla PPS está mais para Partido Pró-Sirotsky do que para partido marxista.

Pequenas vinganças

"Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis", desabafou Brás Cubas, no livro de Machado de Assis. Depois da multa de 100 milhões de reais aplicada pela Receita Federal, e o torniquete fechado pela nova administração estadual, a RBS pôde compreender o sabor amargo do término de uma relação de amor. Como diz Júlio Ribeiro, editorialista da Press (aquela que parece a velha propaganda do sabonete Lux, nove em cada 10 vagas são ocupadas por funcionários da RBS), ao falar sobre a censura na atualidade: "Se seu jornal, revista, rádio ou tevê toca em alguns temas ou assuntos que desagradam os poderosos seus títulos são cortados da verba de publicidade governamental. Exemplos disso tem aos montes, em todas as esferas".

Tire suas próprias conclusões a respeito do raciocínio do editorialista pelas declarações de seu entrevistado, Lasier Martins: "Bem, aí o deputado estadual João Augusto Nardes (PPB), que tinha conflitos com a Caldas Júnior, me procurou um dia, na TV, dizendo que tinha obtido na Secretaria da Fazenda do estado a relação dos 40 maiores devedores do estado. E entre os primeiros cinco estava a Imcobrasa [empresa de Renato Ribeiro, também presidente da Caldas Júnior]. (…) Peguei a lista dele e, sem falar para ninguém, abri o Jornal do Almoço afirmando que dentro de instantes iria divulgar a lista dos 40 maiores devedores do estado. (…) E dei com ênfase na Imcobrasa. Fui para a rádio, para apresentar o Gaúcha Repórter, dei a lista de novo, e entrevistei o Nardes, que deu um pau tremendo na Imcobrasa".

Fratura exposta, ou de como os poderosos cortam as verbas publicitárias, nas palavras de Lasier Martins, na mesma entrevista: "O Renan Proença [atual presidente da Fiergs], que era um dos patrocinadores da cobertura da Copa do Mundo, presidente da Fasolo, me ligou, e ao saber que tinha sido mesmo demitido disse que iria passar um telex cancelando o patrocínio". Agora o leitor entende o desabafo do editorialista da revista Press a respeito dos poderosos que censuram economicamente?

Para coroar, convém lembrar que a RBS, que tem a ousadia de chamar seus desafetos de intolerantes e o que mais que lhe der na telha, é a única empresa de comunicação que processa o Sindicato dos Jornalistas com base na Lei de Imprensa. Comumente acusam as manifestações sociais de "ideológicas", atreladas a interesses políticos jurássicos, querendo dizer que ser de direita não é opção ideológica, mas carma, imposição divina ou eleição da providência, menos opção ideológica. E há quem acredite!

O partidarismo da informação talvez só encontre paralelo na Itália dos anos 70, quando as Brigadas Vermelhas assassinaram Aldo Moro, da Democracia Cristã. Uma triste coincidência com os assassinatos políticos do Brasil de hoje. Em nenhum outro lugar do mundo o leitor vai encontrar tanta gente questionando a prática de um conglomerado de informação. É muito comum encontrar, pelas ruas de Porto Alegre, veículos com adesivos do tipo: "Zero Hora mente", "Não compre ZH", "Fora RBS".

Por quê?

(*) Funcionário público federal


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