ENTREVISTA / SIDNEI BASILE
Mauro Malin
Está na hora de discutir um código básico do bom jornalismo, propõe Sidnei Basile, "um código de ética feito por e para os profissionais, e não por entidades pouco representativas da profissão", como escreve em livro lançado em novembro [A ética e o caminho das pedras ? elementos de jornalismo econômico, Negócio Editora/Editora Campus, Rio de Janeiro, 2002 ? remissão abaixo]. O assunto foi sistematicamente abordado neste OI desde sua criação, há quase sete anos, mas agora novas circunstâncias dão à idéia um sentido de urgência.
Sob a aparência de um manual de jornalismo econômico para estudantes e principiantes, o livro de Sidnei Basile defende uma tese, uma concepção, um conjunto de valores e princípios éticos. E dialoga sobretudo com seus pares, jornalistas veteranos e responsáveis.
A tese está resumida no subtítulo de "Elementos de jornalismo econômico": "A sociedade bem informada é uma sociedade melhor". A proposta é um convite a inverter um quadro ameaçador, que preocupa Basile. Ele teme que a imprensa, cuja contribuição para livrar o país da ditadura militar foi preciosa, esteja "se afastando demais de sua tarefa original de preservar o direito sagrado de informação, assegurado na Constituição".
Não é um receio superficial. Sugestivamente, em se tratando do diretor da unidade de negócios Exame da Editora Abril, que inclui dois dos mais prestigiosos títulos da empresa, as revistas Exame e Você S.A., o panorama traçado é sombrio:
"Além de não assegurar [o direito de informação] amplamente -
pela fraqueza financeira das principais casas de comunicação, pelo relaxamento de empresários e editores -
, [a imprensa] pode estar contribuindo para um mal ainda maior. Ela pode estar se tornando perigosa para a sobrevivência desses valores."
O diagnóstico, feito na parte do livro dedicada aos valores, se completa: por não se considerar, em muitos casos, portadora desses valores, a imprensa "está trocando a informação pelo entretenimento; está deixando a notícia para trás".
Lógica do entretenimento
O fio da meada é a crise financeira e a submissão à lógica do entretenimento. Não seria então conveniente, exatamente no momento em que se libera a entrada de capital, nacional e estrangeiro, de pessoas jurídicas nas empresas jornalísticas, discutir as condições para a prática da isenção jornalística, sem a qual essa mudança de estrutura societária e financeira só fará agravar a crise?
Em entrevista ao OI, Sidnei Basile diz que se trata de propor mudanças não exatamente por causa da iminência de uma imaginada inundação -
que ninguém supõe poder vir logo, embora seja certo que virá -
, mas de fazê-lo para salvar o jornalismo de uma derrocada, preservando com isso um dos instrumentos essenciais do processo democrático. As ameaças estão numa prática profissional deficiente e na já perigosa "indústria das indenizações", que cresceu a partir da reação de vítimas dos desmandos simbolizados no caso da Escola Base.
Basile está convencido de que a reserva de mercado estabelecida no artigo 222 da Constituição -
agora emendado -
deu à mídia uma moratória que a fez ficar 14 anos "parada no tempo". Com ou sem capital estrangeiro, a mídia precisa renovar seus conceitos, porque o mundo em volta não espera.
Em seu livro, Basile constata que numa lista anual das 25 maiores empresas de mídia dos Estados Unidos em 2001, com faturamento de US$ 216 bilhões em 2000, não havia cadeias puramente jornalísticas. "São coisas do passado. As que ainda dependem fortemente de jornalismo, como o New York Times [vig&eaceacute;simo lugar na relação] ou o Wall Street Journal (pertencente à AP Dow Jones), estão hoje entre as empresas com menores índices de crescimento relativo. Mas mesmo elas têm diversas operações multimedia e lutam para ficar à tona".
Manual do bom jornalismo
O jornalista olha para fora e pensa no que ocorre no Brasil. No capítulo "A ética na cobertura de economia e negócios", sintetiza:
"Há uma história recente de tremendos acertos da imprensa.
Outras instituições são muito lerdas (Justiça) ou desacreditadas (Congresso em geral e políticos em particular).
Jornais e jornalistas já estão recebendo condenações absurdas.
Jornais e jornalistas continuam dizendo barbaridades."
Além do estabelecimento de um código de ética, em processo semelhante ao que levou Bill Kovach e Tom Rosenstiel a escreverem The Elements of Journalism, que cita constantemente, Basile enumera então quatro propostas:
1. Modernização e competitividade no setor editorial (estímulos à abertura de capital e controle moderno da administração);
2. Diminuição do corporativismo na profissão jornalística;
3. Estímulo institucional à reflexão sobre a ética da profissão (ABI e/ou outras entidades dos jornalistas);
4. Estímulo a reparações voluntárias mais rápidas, como um exercício de cidadania.
"Só sairemos da confusão se nos aferrarmos à informação de qualidade", prega Basile.
A criação do IRE (Investigative Reporters and Editors), recentemente emulada no Brasil (veja artigo "Lavagem de dinheiro e os desafios da reportagem", de Frederico Vasconcelos, neste OI, remissão abaixo) mostra como se pode dispor de uma espécie de manual da apuração jornalística.
Basile oferece um roteiro no capítulo "Jornalismo investigativo em economia". Os preceitos elementares estão lá, inclusive o repúdio a métodos antiéticos, como fingir ser não um jornalista, mas outro; obter informações de forma sub-reptícia, com câmeras ou gravadores ocultos; fazer entrevista-emboscada (na última hora, só para constar que o "outro lado" foi ouvido); expor a vida privada de pessoas públicas e citar fontes não identificadas.
O jornalista, que passou dez anos sob proteção de seguranças, quando era editor da Gazeta Mercantil e recebia ameaças de pessoas que não queriam ver a falência de suas empresas publicada no jornal, evita ater-se à condenação dos erros. Diante de uma platéia de empresários, na Câmara Americana de Comércio de São Paulo, em novembro, defendeu com entusiasmo as boas práticas do jornalismo, a "adesão aos valores da imprensa, da liberdade e do serviço prestado ao cidadão". E foi aplaudido com igual entusiasmo. Sinal de que há um amadurecimento, e que, como diz ele, "o consumidor da mídia está ficando mais seletivo", não aceita mais receber tanto lixo.
"Nada vai substituir o conteúdo", proclama.
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