CIÊNCIA POLÍTICA
Marcos Vinícius Pansardi (*)
Tive a desagradável surpresa de ler artigo do colunista Carlos Nasser na edição do dia 12 de novembro, intitulado "Cientista e eleições", do jornal Gazeta do Povo, no qual este colunista lançou um sem-número de impropérios sobre os cientistas políticos e sobre a própria ciência política. Sendo uma ciência relativamente nova em nosso país – sua institucionalização data do final dos anos sessenta, apesar de já centenária nas universidades americanas e de ter sido introduzida na Europa desde os anos vinte –, nos parece que o articulista presta grande desserviço aos seus leitores e demostra imenso desconhecimento da importância dessa ciência para o conhecimento dos fenômenos ligados à política ou ao conhecimento do Brasil.
O que me chocou, contudo, foi a ampla gama de preconceitos vociferados pelo autor sobre o papel do cientista político e da ciência política, fazendo-nos lembrar os tempos mais vergonhosos da ditadura militar, quando cientistas sociais em geral (incluídos aí os cientistas políticos), além dos próprios jornalistas, eram rotulados de "comunistas" pelo simples fato de discordar da política oficial do governo. O sr. Nasser chama os cientistas políticos de "barbudos", fala de suas aparições na mídia como o "mais recente modismo" e vai além, ao qualificar seu aparecimento como "a nova praga" dos meios de comunicação. Por fim, o digníssimo articulista acusa os diretores da mídia de darem muita importância a gente que não teria nenhuma qualificação para falar de política.
Espanta ver um homem que escreve sobre política ter tamanho desconhecimento e preconceito sobre a ciência política e os cientistas políticos, chegando às raias do irracionalismo ao dizer que política "não se aprende nas faculdades (muito menos nas nossas)". Segundo o autor, para se conhecer política basta ter "vocação prática, cultura, e entender um pouco de Brasil, e muito de psicologia das massas".
O sr. Nasser parece desconhecer a diferença e a relação entre fazer política e conhecer política, entre prática e teoria. Como dizia Maquiavel, "quem está sobre o leão nem sempre o compreende". Sua receita de análise política combina o amadorismo típico de pseudo-intelectuais, a erudição inócua e o reacionarismo característico de nossa elites letradas. Psicologia de massas pode ser bom para os marqueteiros de plantão, que aliam as teorias conservadoras de Le Bon, Mosca e Pareto (precursores do fascismo dos anos vinte) à venda de candidatos como quem vende sabonetes (o sr. Nasser é ele próprio um "marqueteiro" que, entre outras glórias, trabalhou na campanha de seu amigo o Sr. Paulo Maluf), mas é inadequada para se pensar a sociedade democrática, que deve ser baseada em cidadãos conscientes, e por isso mesmo, bem-informados.
Além de espinafrar os cientistas políticos, de maldizer as faculdades que ensinam essa disciplina (classificadas desdenhosamente as "PUCs do país"), o senhor analista político ainda arremata triunfante que "a ciência política não é uma ciência exata", como se isso a desqualificasse como produtora de conhecimento. O sr. Nasser parece ignorar que pelo fato de não ser exata a ciência política não deixa de ser ciência, apenas nos alerta para a necessidade de não usarmos os mesmos parâmetros das ciências naturais (como biologia, astronomia ou geologia) nas ciências que estudam o comportamento humano. Afinal, a psicologia, a economia, a lingüística, assim como qualquer outra ciência humana, não são "exatas", e nem por isso devem ser desqualificadas.
Na realidade, uma leitura atenta do texto mostra que não são os cientistas políticos ou a ciência política o alvo de seu destempero, e sim o fato de um cientista político "barbudo" ter reconhecido o PT como o grande vencedor das últimas eleições – e de ter tido a audácia de prognosticar a vitória de Lula à Presidência da República. O problema do Sr. Nasser, eu diria, é o espaço que os cientistas políticos vêm conquistando em nossa sociedade, o que parece reduzir o espaço para análises amadoras e preconceituosas.
Cocada na Tasmânia
Os analistas políticos são figuras importantes em nossa imprensa política pois, apesar da, em geral, pouca formação científica, são imprescindíveis por seu conhecimento dos bastidores do poder. Contudo, alguns apresentam grave distorção profissional: sua íntima relação com o poder e com os poderosos da política os transforma, muitas vezes, em meros porta-vozes desses.
O sr. Carlos Nasser não demostra isenção sobre os fatos que analisa. Um cientista político, assim como os jornalistas e analistas políticos, tem a obrigação de buscar a neutralidade, por mais que saibamos que essa é muitas vezes impossível. O sr. Nasser, talvez, não precise ser isento em seus comentários, mas, para o bem de seus leitores, deve deixar bem claro que o que escreve não passa de opinião pessoal sem valor científico, ou sem pretensão à verdade. É valida dentro de seus limites, ou seja, entendida como simples opinião de quem professa um ideal (no seu caso, conservador), de quem defende uma posição política – importante, pois devemos saber como pensam os vários espectros do campo da política, desde a extrema esquerda até a extrema direita –, nunca como a de alguém que deveria oferecer a informação de que o cidadão necessita para a formação de suas próprias idéias sobre a política. Esse seria o papel social do jornalista, assim como o do cientista político.
Um dia o poderoso então presidente da Federação da Indústrias de São Paulo, sr. Mário Amato, disse que os empresários abandonariam o Brasil se Lula fosse presidente. Hoje, esse mesmo senhor declarou seu apoio à candidatura da sra. Marta Suplicy. O sr. Nasser afirma que viajaria para a Tasmânia se o PT vencesse as eleições, e seria lá um próspero vendedor de cocadas. Pois bem, sr. Nasser, os amantes de cocada na Tasmânia aplaudem sua decisão, assim como aqueles que lutam por uma política – e um jornalismo político – transparente, honesta e inteligente!
(*) Mestre em Ciência Política e doutorando em Ciências Sociais pela Unicamp
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