Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Preconceito e generalização

EDITORIAS INTERNACIONAIS

Paulo Eduardo Nogueira (*)

Como leitor, admirador e colaborador (por três vezes, na TV) do Observatório da Imprensa, não posso calar diante da crítica de Alberto Dines publicada na edição n? 139 ["Anotações de um observador atônito", remissão abaixo] sobre o desempenho da mídia brasileira após os atentados nos Estados Unidos. Além de desprezar o esforço que os jornais brasileiros fizeram após o atentado, o comentário traça uma imagem completamente preconceituosa e generalizante das editorias internacionais ? pelo menos da que eu dirijo há 11 anos, desde antes da Guerra do Golfo.

Segundo o comentário, essas editorias contam com pessoal sem preparo e correspondentes inexperientes. Certamente a do Estado de S.Paulo, a qual Dines não conhece de perto, não se enquadra nessa categoria preconcebida. Nossa equipe é veterana, temos redatores que beiram os 60 anos e mesmo os mais jovens têm pelo menos 10 anos de trabalho na área internacional. Nosso time de "correspondentes sem experiência" inclui Gilles Lapouge, refinado escritor francês, que só de Estadão tem uns 45 anos; Reali Júnior, que está há 32 anos em Paris; Paulo Sotero, há 12 anos em Washington, depois de uma longa temporada na Veja, também nos EUA; e colaboradores como Issa Goraeib, que dirige um dos principais jornais de Beirute e escreve no Estado desde 1973.

Dines pode ter divergências ideológicas com o jornal ou mesmo achar nosso trabalho ruim, mas certamente não pelas razões alinhavadas em seu comentário. O mais estranho foi atribuir o pequeno espaço dedicado às editorias internacionais aos "consultores de Navarra". Ora, o Observatório até dedicou um programa inteiro para discutir o assunto e levantou uma fieira de razões. As editorias internacionais têm pouco espaço porque vivemos em um país caipira, voltado para si mesmo, isolacionista e medroso do estrangeiro. A imprensa apenas reflete essa realidade, na contramão da globalização. Culpar "Navarra" é aproveitar para dar uma bordoada em desafetos que nada têm a ver com esse peixe específico…

E aí vai minha restrição de fundo ao OI: parece haver uma intenção de crítica destrutiva, ressentida. Na única referência explícita ao jornal, em outro comentário, a crítica do autor toda se baseia em uma manchete de primeira página, não da editoria, de um dia específico, que revelaria o "alinhamento" total do jornal aos EUA. Mas a única "prova" citada desse suposto alinhamento era aquele título. E as mais de 120 páginas internas que produzimos em uma semana? E o grande espaço que demos para análises independentes de árabes, europeus e brasileiros?

O que aconteceu no dia 11 de setembro foi uma mobilização interna nas redações sem paralelo recente. Aqui mais de 120 pessoas se envolveram na produção de um caderno de 36 páginas que, na minha suspeita opinião, saiu muito bom. Vieram colegas de todas as editorias, gente que cobre futebol, música etc. oferecer-se para participar da edição. Sentiam que estavam diante de um fato histórico e tinham ganas de participar desse momento. Era a nossa profissão pulsando a todo vapor. Mas nada disso consta do comentário de Dines, que poderia ter sido escrito até antes dos fatos, tipo "não li e não gostei".

Resumindo, a generalização e o preconceito são sempre companheiras da intolerância. Vide aqueles que agora perseguem árabes só por causa de sua origem étnica.

(*) Editor internacional, 47 anos, 27 de profissão, 16 na área internacional (Jornal da Tarde, Veja e Estado de S.Paulo)


A minha crítica não pode ser considerada preconceituosa na medida em que meço a qualidade de um jornal pela qualidade e densidade da sua cobertura internacional. Generalizações são inevitáveis quando se pretende, como nós neste Observatório, fugir das personalizações. O que nos interessa é a instituição, a mídia (a media, plural de medium).

Premiações não se coadunam com o espírito da crítica da mídia, ficam melhor nas assessorias de comunicação. E se um editor zeloso reclama do nivelamento a que foi submetido ? como é o caso ? cabe a ele estabelecer a diferença. Razão pela qual saudamos a contestação.

O Estadão tem efetivamente quatro experimentados correspondentes internacionais. Mas há 10 ou 15 anos tinha muito mais.O que aconteceu no intervalo? Algum mágico inventou que cobertura internacional "não vende"? O jornal foi sempre exemplar na cobertura dos acontecimentos mundiais, criou um padrão. Mas quando no início dos anos 90, por artes das estranhas consultorias que caem de pára-quedas nas salas da diretoria, submeteu-se ao violento encurtamento do seu espaço internacional ? deu o sinal para que outros, menos comprometidos com este tipo de qualidade, fizessem o mesmo.

Seria útil anotar que dos três jornalões nacionais, o Estadão foi o primeiro a abandonar o esquema de caderno especial para valorizar a cobertura dos atentados. Seu caderno desapareceu magicamente na sexta, 21/9, quando mal começa a resposta contra o terrorismo. E a pergunta que iniciou a observação era justamente essa ? até quando nossos grandes jornais manterão o esquema com equipes pequenas e insuficientemente apoiadas? (A.D.)

    
    
                

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