Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Prefácios e seus chavões

CHAVÕES & CLICHÊS

Prefácio de Alberto Dines para A sociedade dos chavões, de Claudio Tognolli

"Livro sem preâmbulo é como corpo sem alma", escreveu no século 16, Méier Crescas, filósofo judeu-catalão. Quatrocentos anos depois, Jorge Luis Borges zombou do gênero em seu famoso "Prólogo dos Prólogos" onde, entre outras blagues, faz uma de suas absurdas propostas ? coletar prefácios de livros inexistentes para evitar que fossem escritos.

No arcabouço dos livros a peça mais dispensável é o proêmio. Também conhecido como prolegômenos, antelóquio, introdução, advertência. Está no início mas invariavelmente é escrito no fim, depois de concluído o texto. Sendo assim, quando da lavra do próprio autor, costuma reunir as sobras, o supérfluo, ocioso e vão. Óbvio: se fosse importante estaria sendo devidamente explorado ao longo do texto.

Quando o prefácio é encomendado a outro, em geral, soa como encômio. Raras vezes o prefaciador desperdiça em obra alheia matéria que poderia reservar para sua própria. Isso guarda-se zelosamente para resenhas ou críticas com direito a menção autônoma nas bibliografias.

O resultado é que esta literatura digamos prefacial tornou-se coletânea de chavões. Em matéria de informações perde até para a ficha catalográfica ou o colofão, sempre mais sucintos e significantes. No bunker acadêmico, sobretudo o brasileiro, este gênero tornou-se vitrine da própria instituição com suas vaidades, veleidades e, sobretudo, cumplicidades.

O bordão e o lugar-comum são utilizados com toda a seriedade. Ferramentas para armar frases ou expor idéias que, sem eles, seriam mais difíceis, senão impossíveis de montar. Chavão, chave grande, é recurso de comunicação, sucedâneo da retórica. Democratiza a fala e a escrita. Como o provérbio, um facilitário: arma conhecimentos e finge verdades.

Já os estudos sobre os clichês ? porque contêm uma visão crítica dos costumes e mentalidades ? acaba tangenciando a sátira e a gozação. Assim foi com Gustave Flaubert e assim é com Cláudio Tognolli.

Em Bouvard e Pécuchet, romance, epopéia ou anti-utopia infelizmente inacabada, Flaubert pretendia acrescentar o Dicionário de Idéias Feitas coletado ao longo da vida.

Cláudio Tognolli completa a visão crítica da nossa sociedade e da mídia que a conformou com um Dicionário de Lugares Comuns. Esta coleção de platitudes iniciada há quase 20 anos, quando conseguiu o primeiro emprego como repórter (em Veja), constitui bem-humorada descrição do universo mental e verbal da nossa imprensa. Amparada e magnificada pelas percepções, reflexões e conceitos indispensáveis a uma monografia, esta Sociedade dos Chavões confirma algo muito simples e que feliz ou infelizmente ainda não entrou para o repertório de lugares-comuns: o jornalismo ou é intrinsecamente crítico ou não é jornalismo. [São Paulo, setembro, 2001]