DELÍCIAS DE FIM DE ANO
A.D.
Temporada ótima para o faturamento publicitário e chatíssima no campo profissional. Motivos:
* Retrospectos penosos e ilegíveis.
** Desespero, quase furor canibalista, dos alunos de jornalismo para arrancar algum depoimento para as monografias de fim de ano (ou fim de curso).
*** Prêmios de jornalismo.
Os balanços dos fatos do ano ainda não começaram a ser publicados. Aguardemos. A monografite, já ultrapassada pelo fim do período letivo, deixou um saldo dramático do nível dos alunos (e respectivos professores). Merece ser discutido.
Os prêmios de jornalismo estão ai, efervescentes, nas diferentes brechas do noticiário. Na semana passada (1 a 7/12) foram quatro os galardões: Unysis, Instituto Ethos, Fiat-Allis e Caboré. Sem falar nos prêmios internos, instituídos pelas empresas jornalísticas, devidamente badalados, para mostrar ao distinto público suas apostas em qualidade.
Tudo faz supor que logo teremos a segunda geração quando os premiadores começarem a ser premiados por causa dos desinteressados prêmios que oferecem à imprensa. E não está longe o dia em que os premiadores dos premiadores dos jornalistas ganharão seus crachás de beneméritos. O "efeito cascata" não é privilégio de nossa tributação insensata, funciona onde a imaginação não funciona.
A imprensa brasileira deve ter o maior número de prêmios por leitor de todo o mundo. Merece o Prêmio dos Prêmios, Recorde dos Recordes. Razão pela qual somos campeões internacionais em matéria de excelência, accountability (responsabilização) e saúde financeira das empresas.
Há poucos anos, o serviço de limpeza pública de São Paulo procurou uma grande empresa de mídia para devolver uma dúzia de troféus de jornalismo que estavam nos depósitos de lixo ? sem os cheques, claro. O pitoresco episódio dá uma idéia do estado da arte de sagrar e consagrar.
Honra ao mérito: cada prêmio tem justificativas superiores, os ínclitos distribuidores de glórias estão respaldados em magníficas razões, maravilhosas motivações. Todos os envolvidos ? inclusive jurados ? são pessoas, instituições ou empresas acionadas pelas melhores intenções.
Alguma coisa, no entanto, soa falso. E suspeito, no caso de empresas privadas. A começar pela titulação das matérias onde se noticia a entrega dos medalhões e medalhinhas ? com ou sem cheques ? onde os patrocinadores são mencionados sempre em destaque.
Já que não se pode realizar o teste que se faça a pergunta: a enxurrada de prêmios continuaria se os grandes veículos deixassem de mencionar o nome da firma que os promove ? Respostas para este Observatório.
Evidencia-se que o esforço premiador tem razões outras que não o impulso de valorizar a qualidade e estimular a criatividade. Comprar simpatias seria a avaliação mais branda.
No caso de entidades filantrópicas ou instituições voltadas para o social, se não há interesse comercial ou marqueteiro por trás da iniciativa, as dúvidas são de caráter, digamos, espiritual, subjetivo (a palavra moral poderia ser mal-interpretada): jornais e jornalistas precisam ser seduzidos com prêmios para engajar-se nesta ou naquela missão humanitária? A consciência e o espírito público do jornalismo pátrio precisam ser comprados por homenagens, simbólicas ou monetizadas? Se o Terceiro Setor iguala-se ao setor privado na forma de proselitismo e convocação, como estabelecer um diferencial entre o Segundo e o Terceiro Setor? Não estaremos criando um Terceiro Setor de Veludo, em contraposição ao Terceiro Setor de suor e sacrifício?
Pergunta final: esta onda premiadora sinaliza para uma salutar cruzada em prol da responsabilidade social das elites ou para uma monumental exibição de marketing?
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