Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Problemas a superar na pesquisa em jornalismo

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DIRET?RIO ACAD?MICO

ECOS DE CAMPO GRANDE III

Eduardo Meditsch (*)

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Primeira parte de palestra proferida no IV Fórum Nacional de Professores de Jornalismo. As demais serão publicadas nas próximas edições
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Em recente entrevista à editora da Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, publicada pela Intercom, o representante da área junto à Capes, professor Wilson Gomes, da Universidade Federal da Bahia, traça um quadro bastante lúcido da pesquisa brasileira na área da comunicação. Por um lado, ele constata um grande crescimento no volume desta pesquisa: em 1999, os treze programas de pós-graduação da área que já funcionavam no país declararam à Capes a realização de 476 projetos de pesquisa realizados por seus professores, 647 pelos doutorandos e 1489 conduzidas pelos mestrandos, totalizando 2612 projetos em andamento.

Apesar disso, Wilson Gomes ressalva que, não obstante estes números, "um diagnóstico sincero sobre a área constataria que em média estamos ainda distantes da consolidação e sedimentação do campo acadêmico e científico. Além disso, mesmo naqueles setores onde o campo está mais consolidado, dificilmente se pode creditar tal fato à pesquisa em comunicação realizada na área e no Brasil."

Sintoma disto ? aponta o representante da área na Capes ? é que o ensino básico de comunicação no Brasil depende fundamentalmente de bibliografia estrangeira ou proveniente de pesquisadores situados em outras áreas de conhecimento. Desta forma, grande parte do esforço de pesquisa de nossos doutores está em correr atrás do que já foi pesquisado em outros locais, em vez de perseguir conhecimento novo.

Wilson Gomes constata também que não há uma autêntica cultura de pesquisa científica na área, na forma de compreensões, hábitos e valores compartilhados. Não há parâmetros comuns nem instâncias legítimas que selecionem, acompanhem e avaliem a produção científica: é pesquisador quem se declara pesquisador, e é pesquisa o que esta pessoa declara ser pesquisa.

Neste contexto, não existe pesquisa cumulativa. Ou se desconhece o que foi feito antes, ou os dados são tão pouco confiáveis que nossos pesquisadores estão sempre começando do zero o conhecimento sobre um tema ou especialidade. Por outro lado, quando publicam seus trabalhos ? e a maior parte das pesquisas declaradas à Capes não s&atiatilde;o jamais publicadas ? não tem nenhum feedback, não recebem críticas dos pares, é como se tivessem encerrado o assunto.

Os próprios congressos da área não valorizam a pesquisa de ponta. As palestras e mesas redondas são espaços performáticos reservados às estrelas, para falarem de temas do momento e de interesse de um público amplo e não-especializado. As sessões dos grupos de trabalho, onde presumivelmente as pesquisas serão apresentadas e discutidas, colocam-se num nível hierárquico inferior, dispõem de um tempo exíguo e precisam compartilhá-lo entre pesquisadores sênior, mestrandos e bolsistas de iniciação científica. Por fim, a maior parte dos trabalhos apresentados são ensaios, e não artigos baseados em dados de alguma pesquisa científica, constata o representante da área na Capes.

Não foi por acaso que, quando convidado a apontar as maiores contribuições brasileiras à comunicologia latino-americana, Jesús-Martin Barbero lembrou-se do pedagogo Paulo Freire e do antropólogo Renato Ortiz, e de ninguém ligado à nossa comunicologia. É mais um sintoma de que "temos muito caminho ainda a percorrer", como adverte o professor Wilson Gomes.

Se pensarmos mais especificamente na pesquisa da sub-área de jornalismo, no Brasil ou na América Latina, não apenas confirmaremos todos os sintomas detectados por nosso representante na Capes como ainda um outro bastante alarmante: a quase totalidade dos produtos jornalísticos desenvolvidos ou reformulados nas últimas décadas pelas empresas de ponta da mídia brasileira basearam-se em pesquisa estrangeira ou copiaram produtos estrangeiros. Nem mesmo a pesquisa para o desenvolvimento de produtos, considerada "menor" no âmbito acadêmico, por se tratar mais de aplicação do que de geração de conhecimento, teve algum resultado relevante. O que nos leva a pensar que, pelo menos em relação ao jornalismo, não apenas tenhamos caminho a percorrer, como também seja possível que tenhamos perdido a rota.

Neste caso, reencontrá-la não será uma tarefa simples: romper a inércia que conduziu nosso campo de estudos à situação atual demandará um esforço coletivo da sub-área de jornalismo e um dispêndio considerável de energia para superar uma série de problemas específicos, além daqueles mais gerais que dificultam qualquer forma de produção científica em nosso país.

O problema de identidade: o tabu da comunicação

A tabela de classificação das áreas de conhecimento, utilizada pelas agências de fomento, reflete um conceito que ao longo da história incorporou dois tipos de saberes técnico-científicos, embora em nenhum momento faça esta distinção de maneira explícita, apenas a sugira. De um lado, temos as áreas originadas em disciplinas clássicas, como matemática, química, física, biologia, história, ciências sociais, filosofia, etc. De outro, as áreas associadas a práticas profissionais reconhecidas por demandar e reunir conhecimentos específicos de nível superior, tais como medicina, direito, administração, engenharia e educação.

A área de comunicação obviamente faz parte do segundo grupo, tanto que é classificada como "ciência social aplicada". Quando pensamos no jornalismo em particular, e não na comunicação social em geral, fica ainda mais evidente esta vinculação com uma prática social específica, com os conhecimentos aplicados e necessários ao exercício de uma profissão socialmente relevante, que demanda uma arquitetura complexa de formação, só atendida pela universidade.

No entanto, esta vinculação da área da comunicação às profissões que lhe deram origem é questionada pela própria área, tanto no debate sobre os seus objetivos quanto principalmente na sua prática teórica e de pesquisa. Há setores, grupos e escolas bastante fortes ? senão os hegemônicos – dentro da área da comunicação, que expressam uma crescente autonomia em relação a estas profissões, afastam-se delas como foco de interesse em sua atividade científica e tem esta posição respaldada pelas agências de fomento, como Capes, CNPq e Finep, cujo corpo técnico assessor é representativo do que ocorre na área.

Porém, ao se desvincular de sua origem profissional, a área de comunicação não consegue alcançar a outra margem, não consegue se legitimar como disciplina científica diferenciada, não concebe um corte epistemológico inédito, não constrói um corpo teórico original, não desenvolve metodologias próprias, sequer consegue delimitar o seu objeto de estudo. Subsiste, desta maneira, avançando sobre os domínios das disciplinas vizinhas, como antropologia, sociologia, política, psicanálise, economia, filosofia, etc, sem submeter os resultados de suas pesquisas ao julgamento de quem de direito ? os pares pertencentes aos quadros destas outras disciplinas, que poderiam avaliar a propriedade e o rigor de sua utilização.

A esta extrema liberalidade ? pouco usual na atividade acadêmica ? confere-se um álibi que tudo permite e a tudo absolve: a varinha mágica da interdisciplinariedade, que uma vez acionada, justifica qualquer coisa. A área da comunicação cria a interdisciplinariedade sem objeto definido e, sobretudo, sem disciplina: à margem de qualquer disciplina. Isto talvez explique porque os cientistas sociais, pedagogos e filósofos continuem sendo as principais referências teóricas de nossa área, em vez dos comunicólogos: eles foram formados em disciplinas de verdade.

O professor Luiz Martino, da UnB, que coordena o grupo de Epistemologia da Comunicação na Compós, tem apontado com muita propriedade o fato da identidade do campo da comunicação ser um tabu. É um tema de que normalmente se foge, se evita, ou pelo menos se tangencia. Justamente para enfrentar este tabu é que propôs a criação do grupo, que promete um debate instigante mas que é ainda muito recente para apresentar resultados palpáveis.

O Grupo de Epistemologia da Compós pode se tornar um forum privilegiado para delinear a identidade desta nova disciplina científica que se pretende criar com o nome de comunicação. Mas para isto vai ter que superar todos os obstáculos que tem impedido que a questão venha à luz, e que a mantém como um tabu. O primeiro dos desafios é garantir essa discussão num plano racional. Qualquer avanço no debate, por mais abstrato o nível em que seja mantido, tende a levá-lo a tocar em questões, problemas e interesses concretos, diante dos quais a racionalidade costuma sucumbir sob a defesa emocional dos diversos pontos-de-vista. Foi o que se viu acontecer há dois anos na disputa entre jornalistas e comunicólogos pela definição das diretrizes curriculares da formação profissional.

Hoje se sabe que o debate que ocorreu em 1998-99 no Brasil – aqui infelizmente desacreditado como uma mera disputa de grupos pelo poder, e bastante descaracterizado por uma série de brigas pessoais – estava também ocorrendo em outros locais, como Estados Unidos, Austrália e Portugal, e sobre as mesmas questões de fundo. O que nos leva a supor que os problemas da área acadêmica da comunicação, apontados por Wilson Gomes, Luiz Martino e também pelo debate recente sobre o ensino de jornalismo, em parte não sejam problemas nacionais nem regionais, embora estes também existam, mas sim questões mais gerais da área: mais profundas e mais difíceis de resolver. [

continua
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(*) Professor da UFSC

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