Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Produção de imagens e ação política

TERRORISMO PÓS-MODERNO

Luiz Gonzaga Motta (*)

A época contemporânea costuma ser identificada como a era da imagem. Tudo é extremamente visível, mostrado, explícito, especialmente após o triunfo da televisão como a mídia da virada do milênio. Dizem os teóricos que preferimos a imagem ao objeto, a representação ao evento, o simulacro ao real. Isso porque o real é muito mais real quando visto através das telas da televisão. O tubo catódico realça as cores, dá mais brilho, acelera os timings, foca no pitoresco ou no chocante, exagera as dimensões ou amplifica os detalhes fazendo o real transformar-se num super-real ? um real mais real que o real. Fica mais interessante ver a vida através da tela da televisão do que acompanhar os eventos ao vivo, se isso fosse possível. É mais incrível, mais fantástico. O mundo se transforma então num grande videoclipe, o espetáculo televisionado de cada dia, e os excessos de imagens apagam as diferenças entre o real e a imaginação. Já não sabemos distinguir o que é show e o que é história. Tudo pode ser belo, ou pelo menos chocante, fascinante, incrível.

É por isso que se pode afirmar que o terrorismo é uma ação política apropriada para a época contemporânea. Os atos terroristas são sempre seguidos de imagens chocantes, extraordinárias, são atos plenos de visibilidade. Eles sempre recorrem à violência brutal, exageram na dose, amplificam as tragédias, têm um grande efeito demonstração. O terrorismo se adapta perfeitamente ao mundo político contemporâneo, onde a ação política se reduz, cada vez mais, ao marketing, à visibilidade, ao espetáculo. Diz o conhecido Dicionário de Política, organizado por Norberto Bobbio e outros, que o terrorismo como ação política faz sempre parte de um plano estratégico escolhido por um grupo clandestino. Seu objetivo seria desmoralizar e "aterrorizar" as autoridades constituídas, mas também provocar um efeito demonstração. Ele não é um fim em si mesmo, mas um meio de despertar forças opositoras ao regime instituído.

No contexto contemporâneo, as ações terroristas ganharam novos aliados. As imagens ao vivo e em cores da televisão aumentam extraordinariamente o seu impacto e repercussão, amplificando-as. É bom lembrar que quando o segundo avião atingiu a torre sul do World Trade Center, no fatídico dia 11 de setembro, a imagem foi transmitida ao vivo para milhões de pessoas dentro e fora dos Estados Unidos. E o que se seguiu foi um grande espetáculo, com direito a trilha sonora, transformando a cobertura dos eventos num conjunto de imagens que se assemelhava muito aos filmes que já assistimos, a ponto de muitos telespectadores desavisados imaginarem estar assistindo a um filme ou a um desses inúmeros videoclipes de imagens fantásticas que são anunciados a todo momento pela própria TV.

Atos terroristas são a ação política peculiar da pós-modernidade. Elas se ajustam perfeitamente ao entretenimento teatralizado da vida pós-moderna, à performance política, ao jogo de cena. Na vida contemporânea o marketing político e a performance conquistaram de tal maneira os costumes que a vida virou arte, como disse recentemente Neal Gabler. Ele cunhou a expressão lifies, uma fusão das palavras inglesas life e movie para designar o momento em que vivemos. A aplicação deliberada de técnicas teatrais em política, religião, educação, literatura, guerra, protestos, greves, manifestações, converteu tudo e todos em ramos da grande indústria do entretenimento, cujo objetivo supremo é conquistar audiências. Tudo é deliberado, produzido, planejadamente feito para atrair a atenção do grande público.

História e imaginação

As ações terroristas acontecidas em Nova York em 11 de setembro último têm todas as características de ações premeditadas, produzidas com o intuito específico de atingir milhões de telespectadores. Nunca saberemos até que ponto elas seguiram um roteiro planejado para a mídia, mas todas as evidências revelam quem as praticou sabia antecipadamente que elas não apenas matariam milhares de pessoas e atingiriam de frente as autoridades americanas, mas premeditou meticulosamente cada um dos atos para que eles pudessem ser transmitidos como uma grande e macabra encenação midiática. Os terroristas roubaram a cena com as imagens bizarras que articuladamente produziram, como num espetáculo pré-encenado. Mas só produziram um grande espetáculo (só comparável ao pouso do homem na Lua), porque a mídia fez a sua parte, entrando com a sua coreografia. Os alvos não foram posições estratégicas do inimigo, estradas, pontes, arsenais, como nas guerras convencionais, mas símbolos do american dream, ícones a um só tempo do capitalismo, da sociedade de consumo e da globalização, altares da pós-modernidade com as suas sofisticadas tecnologias, seus materiais plastificados e envidraçados. O cenário como um todo se constituiu num perfeito show pirotécnico pós-moderno.

Da mesma forma, pode-se dizer que as ações terroristas são próprias da pós-modernidade na linguagem que as cercam. Se recordarmos as coberturas diretas da televisão ou dos jornais e revistas semanais dos dias que se seguiram aos atos de 11 de setembro, ou mesmo dos acontecimentos mais recentes, vamos nos lembrar da grandiloqüência dos locutores ou das manchetes. Tudo beira a hipérbole: pânico, tragédia, chocante, extraordinário e indescritível são palavras que estão sendo repetidas à exaustão, atingindo de forma radical as sensibilidades dos cidadãos, criando medos, ódios e paranóias. A cobertura, ainda que discreta ao não mostrar imagens de corpos dilacerados, constituiu-se em uma ação midiática típica, supra-real, bela ainda que grotesca. Seguindo as regras do entretenimento de massa, confundiu o real e a ilusão, a história e a imaginação, causando o efeito estético e político da pós-modernidade: estamos todos fascinados, ainda que perplexos, pasmados, atônitos, para não sair do jargão pós-moderno.

(*) Jornalista e professor da Universidade de Brasília (UnB)