DIPLOMA DE JORNALISMO
Edileuson Almeida (*)
A discussão sobre a necessidade ou não de diploma universitário para o exercício do jornalismo novamente em pauta nos últimos 20 meses, desde a decisão da juíza-substituta Carla Rister, em novembro de 2001, ainda rende pano pra muitas mangas. Não deveria.
Fruto de uma luta que data da década de 40 do século passado, regulamentar a profissão de jornalista e exigir formação ideal para tal exercício, qual seja, o diploma universitário, surtiu efeito em 1969, momento em que menos se podia esperar qualquer resquício de respeito ao jornalismo ou qualquer outro direito básico, em pleno vigor do AI-5 (13/12/1968) ? talvez o ato institucional mais perverso entre os 17 baixados em 21 anos de ditadura militar. Em 1969, literalmente um ano de muito chumbo, em nome do país os milicos prendiam, espancavam, torturavam, condenavam e matavam, não só os "perigosíssimos" subversivos comunistas ? em sua maioria, estudantes e professores universitários ?, jornalistas também iam no bolo. Em 1988, a Constituição Federal legitimou a exigência do diploma de 3? grau para o exercício do jornalismo.
A decisão suspendendo a exigência, cassada recentemente e aguardando posicionamento definitivo da Justiça sobre o mérito, foi parcial e movida por carência. Carência de aparecer da meritíssima. A decisão com certeza teria repercussão jornalística, com alguns segundos na TV, quem sabe, em rede nacional. Parcial porque não deu direito à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) de se manifestar antes da decisão. Apesar de ter conseguido rastejar por quase 20 meses, a decisão deve ser cassada em definitivo.
Sem corporativismo, não se pode aceitar uma decisão unilateral sem garantir às partes amplo direito de manifestação. Daqui a pouco teremos dezenas de pseudo-jornalistas enxovalhando pessoas de bem, em nome de interesses pessoais ou de grupos, sem serem importunados pela sociedade e pela Justiça. Sendo assim, a cada momento do poder, por conveniência ou capricho, criam-se quantos "jornalistas" forem necessários para dar vazão e "legitimidade" ao interesse de plantão.
Não se trata aqui de um manifesto contra o direito de expressão, este, mais do que constitucional, é direito nato do ser humano fazer o uso que julgar conveniente de suas idéias e opiniões, salvo respeito ao direito alheio. Trata-se de fazer justiça a uma profissão que exerce direta influência sobre a vida diária da sociedade, não só e simplesmente o inocente direito de se manifestar. Então, sob essa ótica, o argumento de que a profissão não oferece riscos à sociedade, quando mal ou parcialmente exercida, é falho. Dezenas de exemplos ilustram os lamentáveis estragos provocados por um jornalismo mal feito, causando danos materiais, psicológicos, sociais e profissionais, muitos deles irreversíveis. Parafraseando Dom Vicente Scherer, em tempos de ditadura militar não se pode permitir que se utilize para a promoção de idéias e interesses pessoais o prestigio fruto da dignidade e do cargo que o jornalismo concede para uma tarefa de responsabilidade social. "O apagamento da linha divisória entre verdade fatual e opinião é uma das inúmeras formas que o mentir pode assumir", observa a filósofa alemã Hannah Arendt (Verdade e política).
As ferramentas necessárias
Para separar jornalismo de opinião não basta apenas dividir as colunas de Opinião e Cidade, é preciso que o profissional saiba distinguir esta linha divisória e ter claro que fazer jornalismo é buscar todas as "verdades", sem brigar com os fatos, para chegar o mais perto possível da verdade, sabendo que a primeira versão quase sempre dista em muito dessa verdade buscada, perseguida, desejada e quase sempre inatingível, mas sempre o farol.
É preciso ainda ter o discernimento de que essa verdade ganhará ressonância e vida própria depois de propagada pelos potentes canais de distribuição dos veículos de massa: a TV brasileira (canais abertos) e, em menor escala, pelas emissoras de rádio (cresce a potência e diminui o raio de alcance permitido) e os jornais (afogados pelos altos custos de produção industrial, agravados pela deficiência de distribuição e circulação).
Torna-se indispensável exigir credenciais mínimas para o exercício do jornalismo; saber ler, escrever e ter idéia ou opinião não podem ser os únicos parâmetros. Para tal é necessária uma formação que permita a retenção de conhecimentos filosóficos, sociológicos e antropológicos e também técnicos, o que torna também necessária a passagem pelo banco de faculdade, um caminho de acesso à formação profissional. Detalhe: autodidatas existem. Estes são poucos; trata-se de um privilegio raríssimo de um reduzido grupo.
Hábito da leitura, cultura, conhecimento geral, espontaneidade, reflexão, boas idéias, raciocínio investigativo, permanente e inquietante curiosidade, capacidade de contar o que viu com inteligência, elegância e vivacidade e ao mesmo tempo com objetividade, clareza e concisão, trazendo novidades para o ouvinte, leitor ou telespectador, sinceramente, são competências e habilidades frutos de uma formação sólida e continuada.
O espaço da faculdade pode não ser agradável ? quase sempre é deficiente de bons e qualificados profissionais que, além da indispensável titulação acadêmica, como deixam claras as Diretrizes Curriculares Nacionais e a nova LDB, deveriam também ter "formação" de redação e atitude ?, mas tem o dever e a obrigação de mediar o debate, o conflito de idéias, o aprofundamento do conhecimento e a troca de experiências (isso é assunto para outra discussão, por sinal cada vez mais urgente e esquecida e/ou ignorada pelos atrasados e ultrapassados cursos de Jornalismo, o que municia o discurso da turma contrária ao diploma).
Outra verdade evidente: a faculdade de Jornalismo nem sempre nos oferece as ferramentas necessárias e, quando delas dispõe, não estimula seu uso, ora por pura incompetência, ora por falta de compromisso. Isso, sim, deveria render pano pra muitas mangas.(*) Jornalista e mestre em Ciências da Comunicação (ECA-USP)