Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Promessas e perigos


Thaís Martins Echeverria (*)

Novos produtos das biotecnologias, entre eles os produzidos com auxílio da engenharia genética, têm sido desenvolvidos trazendo perspectivas de um mundo novo, onde as grandes transnacionais, as empresas das "ciências da vida", definem projetos de transformações da vida humana, da natureza, do meio ambiente, das relações do homem consigo mesmo, com os outros homens, com seus alimentos e com a própria mídia.

Promessas e perigos a propósito destas novas tecnologias parecem estar em toda parte. Estão na imprensa, que divulga fatos e novidades científicas referindo-se a seus riscos e benefícios. Podem estar no meio rural, onde parecem emanar dos campos cultivados com soja, milho e outros produtos agrícolas. Parecem estar na imaginação e na preocupação de consumidores confusos diante de tecnologias difíceis de conhecer, de saber onde estão sendo aplicadas e de avaliar riscos e benefícios a elas associados.

A mídia brasileira bombardeia seus públicos com informações a propósito desta nova revolução biotecnológica. Notícias sobre os alimentos transgênicos aparecem na imprensa ao mesmo tempo que matérias sobre novas aplicações da engenharia genética, sobre os avanços do Projeto Genoma, sobre a batalha jurídica que se trava no Brasil para a liberação do plantio das plantas transgênicas. Junto com novidades sobre experimentos bizarros, tal como aquele que junta cabra com aranha para tentar produzir teia em escala industrial.

Informações e dúvidas

Entre as matérias divulgadas nos últimos meses incluem-se publicidade paga pelos grupos de interesse sobre os benefícios dos produtos agrícolas engenheirados, notícias de manifestações contra e a favor destes alimentos e de sua produção. Listas de produtos com ingredientes geneticamente modificados têm sido publicadas (Folha de S.Paulo, reportagem de Luciano Grüdtner Burato, 21/9/00), bem como têm sido retratados atos de protesto, tais como o dos sindicalistas que depredam navios contendo cargas de milho engenheirado e de militantes ambientalistas seqüestrando alimentos contendo ingredientes transgênicos, em supermercado de São Paulo.

As novas variedades de soja, milho, trigo, arroz, feijão, canola, tomate e outras mais estão, com freqüência, em pauta. São plantas modificadas com os recursos da engenharia genética para se tornarem resistentes a herbicidas ou a insetos, vírus, fungos, para produzir grãos enriquecidos com pró-vitaminas, para funcionar como unidades de produção de medicamentos e de outros produtos diversos. Informações sobre o que é um alimento transgênico, sobre suas utilidades, riscos e incertezas acompanham as notícias, ressaltando, conforme a fonte, o veículo e a notícia, graus diferentes de utilidade, risco e incerteza associados a estes produtos. A partir de ângulos diversos procuram retratar a multiplicidade e a velocidade de desenvolvimento da tecnologia e os desdobramentos que seu lançamento provoca em diferentes aspectos da realidade.

Neste universo complexo de informações, muitas dúvidas permanecem. Uma questão importante é onde estão os alimentos transgênicos no Brasil, uma vez que seu plantio continua proibido por ordem judicial e sua comercialização depende de parecer da Comissão Nacional de Biossegurança (CTNBio). A TV Câmara e a Globo News afirmam que (debate e reportagem veiculados em setembro de 2000), apesar da proibição do plantio no Brasil e do controle de suas importações, os alimentos engenheirados estão mais presentes em nossa vida do que imaginamos.

Riscos e incertezas

Listas de produtos publicados pelo Greenpeace <www.greenpeace.org.br> e pelo Instituto Brasileiro de Defesa dos Consumidores <www.idec.org.br> mostram a existência de teores entre 1% e 8,7% de ingredientes transgênicos em diversos alimentos.

A dúvida que fica sem esclarecimento é relativa à segurança destes alimentos. A partir de qual percentagem pode-se considerar que um alimento está contaminado com ingredientes geneticamente modificados? No Brasil, esta questão permanece sem resposta. As notícias veiculadas na imprensa, nos últimos meses, sobre normatização e rotulagem dos produtos engenheirados refletem divergências e indefinições do próprio governo brasileiro na elaboração de portarias sobre a matéria, cuja publicação vem sendo anunciada e protelada.

Circula nos debates a informação de que a soja engenheirada já está sendo plantada clandestinamente no Brasil. Depoimentos de agricultores gaúchos que plantam a soja Roundup Ready têm sido apresentados na mídia. A informação sobre qual é a área plantada com este produto tem sido difícil de precisar.

Outra questão refere-se às indagações a propósito dos riscos e das incertezas associadas ao plantio e ao consumo destes produtos. Esta matéria não é fácil de ser noticiada e entendida pelo público, pois depende da compreensão de complexos sistemas ecológicos e biológicos.

Mobilização, cidadania e radicalismo

Segundo resultados de pesquisas desenvolvidas, os riscos dos alimentos engenheirados devem ser avaliados caso a caso, pois não há impactos genéricos a eles associados. Os organismos específicos que eles expressam podem provocar danos à saúde e ao meio ambiente em função da combinação de genes.

Entre os problemas apontados como resultantes de impactos negativos dos alimentos transgênicos sobre a saúde estão intoxicações, alergias, desenvolvimento de resistência a antibióticos, riscos desconhecidos. Em relação ao meio ambiente os impactos negativos apontados têm sido o aumento das ervas daninhas, aparecimento de super ervas daninhas, mudanças no consumo de herbicidas para padrões mais tóxicos, aparecimento de novas viroses e de vírus mais resistentes, envenenamento da vida selvagem, perda da biodiversidade, aparecimento de efeitos imprevistos e desconhecidos. (Veja pesquisas sobre o assunto, com diferentes enfoques, nos sites <www.ucsusa.org> e <www.riskworld.org>.

Considerando-se as incertezas e os riscos, a recomendação é atender-se ao clássico princípio da precaução, evitando o plantio e o consumo de alimentos transgênicos. Com intuito de esclarecer o cidadão, muitos debates têm sido organizados pela imprensa, por Organizações não Governamentais (ONGs), partidos políticos, universidades. Fórum público de discussão foi organizado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Nos debates, fica evidente a radicalização e o fundamentalismo das posições num embate confuso que gera menos esclarecimento do que o necessário para assegurar a formação da opinião pública a propósito da questão. Muitas dúvidas permanecem após as informações, mesmo para os mais informados.

Este momento e contexto colocam-nos indagações sobre o papel da mídia na constituição da cidadania, como mostra Alberto Cardoso, em seu artigo "Jornalistas: ética e democracia no exercício da profissão" (1995), apontando a relevância do papel da imprensa na formação de um público, em duplo sentido: enquanto "espaços de disseminação, debate e negociação de opiniões e identidade" e "público enquanto cidadãos aptos ao exercício de seus direitos". É através da mídia que se define o que é relevante ou não para este debate, e se ele orientará o consumidor em direção a dois de seus direitos básicos: o direito à informação e o direito de escolha. O direito sobre a informação, sobre o que são alimentos transgênicos; sobre a possibilidade de escolha, em relação a consumir ou não os produtos transgênicos atualmente e no futuro, sobre a existência ou não, em nosso mercado, destes produtos, sobre riscos, vantagens e incertezas associadas a estes alimentos.

O debate no mundo

No que se refere à negociação das decisões relativas à introdução dos alimentos transgênicos no país, elas vêm sendo feitas por procedimentos judiciais. O exemplo disto é o caso da soja Roundup Ready, da Monsanto, que teve sua autorização de plantio no país concedida pela Comissão Nacional de Biossegurança e suspensa por ordem judicial face ação impetrada contra o governo pelo Greenpeace e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Pesquisas têm sido feitas nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia a propósito da opinião pública sobre a questão. No que se refere à segregação de mercados com a rotulagem dos produtos transgênicos, o Instituto de Desenvolvimento do Consumidor divulga, em seu site, pesquisa realizada pela Directorate General XII da Comissão Européia, órgão executivo da União Européia. Os consumidores europeus exigem que os produtos geneticamente modificados sejam rotulados: 85% dos consumidores na Dinamarca, 85% na Alemanha, 72% na Grécia, 81% na Espanha, 82% no Reino Unido querem a rotulagem dos transgênicos.

Segundo dados publicados na revista especializada Nature Biotechnology, de setembro de 2000, reproduzidos, parcialmente, pela Folha de S. Paulo, em artigo de Marcelo Leite, denominado "Cai o otimismo com a biotecnologia nos EUA" (20/8/00), após pesquisa feita nos últimos 10 meses na Europa, no Japão, nos Estados Unidos e no Canadá, observa-se um declínio no apoio à biotecnologia e suas aplicações tecnológicas. A opinião dos europeus sobre alimentos transgênicos e clonagem de animais é, majoritariamente, de rejeição, mas consideram mais úteis do que arriscadas outras aplicações da biotecnologia, como testes genéticos pré-natais, agricultura transgênica, biorremediação ambiental, terapias genéticas, clonagem de células tronco-humanas. A interpretação é que europeus preocupam-se mais com a segurança alimentar do que com possíveis impactos ambientais das biotecnologias.

Vida e mercadoria

No Brasil, não tenho conhecimento de pesquisas de grande porte sobre a opinião dos consumidores com referência aos alimentos transgênicos. Acredito que a realização de tais pesquisas pode ser importante na organização de estratégias de disseminação de informações, de criação de espaços de debate que permitam a construção de um público e de um debate sobre a questão. Dessa forma, como cidadãos informados, poderão escolher ou exigir seus direitos de escolha no que se refere ao consumo de alimentos.

Outro instrumento da cidadania na questão dos alimentos transgênicos têm sido a organização de consumidores, ambientalistas, cientistas, partidos políticos, sindicalistas. Movimentos sociais, os mais diversos, defendem seu direito a uma sociedade livre dos perigos associados aos alimentos produzidos pela engenharia genética.

Neste novo mundo, para ser cidadão é preciso informação e organização para identificar, avaliar, escolher, defender-se das novas técnicas e dos processos de transformação da vida em mercadoria.

(*) Socióloga, professora de Visão Sistêmica, Faculdade SENAC de Gestão Ambiental, Águas de São Pedro, SP

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