MÍDIA FRANCESA
Leneide Duarte-Plon
(*), de Paris
Mais uma das exceções francesas está prestes
a desaparecer: proibida até hoje de fazer publicidade da
imprensa escrita, a televisão francesa ganha novos anunciantes
a partir de 1? de janeiro de 2004: jornais e revistas vão
se enfrentar na guerra publicitária na TV.
Os telespectadores, que continuarão livres dos anúncios
de cigarros e de bebidas alcoólicas, poderão, a partir
do ano que vem, ser impulsionados a consumir informação
impressa pelos anúncios da TV. Resta saber até que
ponto essa nova mídia vai alavancar as vendas. Até
agora, os franceses elegiam seus jornais e revistas de predileção
sem serem estimulados à leitura pelos apelos sensacionalistas
dos anúncios da TV.
A nova lei poderá mudar, quem sabe, o panorama das vendas
e tiragens, mas também traz novos problemas. Como a propaganda
política continua totalmente proibida na TV, como se resolverá
o problema de anunciar revistas semanais ou mesmo jornais que têm
como matéria de capa um tema político ? o que não
é raro ?, com a foto de um ou mais personagens da política
nacional?
Matérias de capa sobre políticos poderiam ser utilizadas
para fazer passar na TV uma propaganda sub-reptícia? Como
evitar isso? Censurando essas capas ou permitindo o anúncio
sem mostrar a capa do "produto"?
Esse problema vai se tornar mais freqüente com a aproximação
das eleições regionais para o parlamento francês
? e, depois, o europeu ?, o que fará as capas políticas
se multiplicarem.
Mostrar ou não capas políticas nos anúncios
da TV foi um dos temas que ocuparam os debates do Conselho Superior
do Audiovisual, em dezembro. Mais uma discussão feita sob
medida para os franceses, sempre dispostos a debater as firulas
da regulamentação de todos os espaços da vida
pública.
Ao ler nos jornais as discussões de juristas e legisladores,
tem-se a impressão de que não há "vazio
jurídico" que não clame por ser preenchido por
uma lei. Na França, tudo se tornou tema de discussão
para preenchimento do tal vazio: do véu islâmico ao
estatuto do feto, passando pela interrupção involuntária
de gestação. Não seria a lei que permite os
anúncios de órgão de imprensa na TV que ia
deixar um vazio a ser rapidamente utilizado pelos mais espertos.
Quebra-cabeças
Depois de resolvida a questão das capas políticas,
o problema será, do lado dos anunciantes potenciais, achar
verba suficiente para anunciar. Os 13 jornais diários nacionais
estão passando por uma situação dramática,
pressionados pelo aumento permanente dos custos de fabricação
e de distribuição e pela queda vertiginosa na receita
publicitária, segundo Patrick Le Hyaric, diretor do quase
centenário L?Humanité (ex-porta-voz oficial
do Partido Comunista, que tirou a foice e o martelo da capa mas
continua um jornal comunista).
A queda das receitas publicitárias é a principal
responsável pela crise. De acordo com dados oficiais, o jornal
Le Figaro registrou este ano uma queda média de 40%
de sua receita publicitária, enquanto o Le Monde e
o Libération tiveram perdas médias 30%.
A chegada em algumas cidades da imprensa gratuita, como o jornal
Métro, só fez agravar a crise pois esses jornais,
distribuídos nas gares de trens e nas entradas das estações
de metrô, captam uma parte importante dos investimentos publicitários.
Mesmo assim, calcula-se que a imprensa francesa passe a direcionar
40% de suas verbas publicitárias para os anúncios
de TV. Mas só quem tem condições de se endividar
para ganhar mais na frente vai anunciar na telinha.
Do outro lado do Canal da Mancha, o Daily Mail, por exemplo,
gasta 16,5 milhões de dólares brutos por ano em publicidade
na TV, o que garante parte de suas vendas.
Na França, a abertura da TV para anúncios de jornais
e revista implica, ainda, outro problema, conseqüência
da lei que proíbe anúncios na televisão de
álcool e de cigarros. Quando uma revista tiver uma foto de
Georges Simenon com seu charuto na capa ou for uma edição
dedicada a vinhos, com um belo copo de tinto, ela será proibida
de anunciar na TV? O Conselho Superior do Audiovisual prometeu a
resposta a esses quebra-cabeças ainda este ano.
Por enquanto, continuam proibidos pela lei francesa anúncios
na TV de livros, filmes, remédios vendidos com receita, armas
e supermercados, além dos já citados cigarros e álcool.
Até quando?