DIRET?RIO ACAD?MICO
ECOS DE CAMPO GRANDE V
Bruno Fuser (*)
Um exame que não serve para avaliar os cursos superiores nem os formandos, extremamente perverso e que não consegue ser coerente com outras iniciativas do MEC. Estas foram algumas críticas feitas por coordenadores de cursos de Jornalismo de todo o País, reunidos nos dias 26 e 27 de abril em Campo Grande (MS), em encontro promovido pelo INEP ? Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Vários coordenadores defenderam suspender o Provão no próximo ano e fazer um acompanhamento junto ao MEC, buscando a reformulação do sistema de avaliação, desta vez com a participação de professores e alunos. Tal sugestão, no entanto, foi descartada por Tancredo Maia Filho, diretor do INEP, no encerramento do encontro.
O objetivo do seminário era reforçar a importância do Provão entre coordenadores e diretores, para que estes buscassem estimular os alunos a participar com maior afinco do exame. Compareceram coordenadores e diretores de 76 cursos de Jornalismo, dos 127 que até o ano passado eram obrigados a fazer o Provão. Tratava-se de um esforço do governo para se contrapor ao boicote discente, cada vez mais forte nos cursos de Jornalismo, um protesto não apenas ao Provão mas às práticas do MEC, que, ao invés de fechar cursos picaretas, têm, ao contrário, permitido que obtenham financiamento público. No seminário, denominado "Conhecer para Melhorar", foram apresentados inúmeros dados estatísticos, tabelas e gráficos, mas ao se abrir o debate começou a entrar água no barco do evento do INEP, autarquia do governo federal e que organiza o Provão e o Enem.
Márcia Bennetti Machado, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, apresentou o dilema dos coordenadores: o MEC pretendia que estes se comprometessem a incentivar os alunos a participar do Provão. Mas as diretrizes de Jornalismo do próprio MEC estabelecem que o aluno desse curso deve ser crítico, inteligente, atento à realidade que o cerca. E quem tem esse perfil quase sempre boicota o Provão. Seria então o caso de incentivar o marasmo, a burrice, o acriticismo, para que o aluno compareça obedientemente e faça a prova?
O boicote tem ocorrido por diversas razões. Por exemplo, o Provão não segue um parâmetro definido, com notas ou médias a partir desse referencial, como se pode ingenuamente imaginar. Ele apenas estabelece uma comparação entre escolas, um "ranking" do tipo "pole position", uma referência de mercado com todas as distorções que acontecem quando se fala de grana.
O Provão, apesar de ser instrumento do MEC, não obedece sequer a legislação educacional brasileira: a Lei de Diretrizes e Bases e as Diretrizes Curriculares de Comunicação Social estabelecem que os currículos podem ter uma certa flexibilidade. Ensinar e praticar Jornalismo em Manaus não será igual a fazê-lo em Porto Alegre, não apenas pelas diferenças culturais regionais, mas pela realidade dos sistemas de ensino existentes no País. O currículo da USP pode, e deve, ser diferente do currículo da PUC-Campinas: são projetos, realidades, alunos diferentes.
Parece óbvio, não? Mas o Provão nivela quaisquer diferenças, e nem mesmo leva em conta as Diretrizes Curriculares, que reforçam o conteúdo humanístico dos cursos, contra a tendência tecnicista do exame. Realizado, aliás, ironicamente, de forma manuscrita, quando em (quase?) todas as escolas há computadores para o exercício de redação jornalística. O MEC não acerta nem mesmo em questões logísticas, como enviar o aluno para locais relativamente próximos a sua casa, ou cidade… Mas o Provão continuará sendo manuscrito e no domingo à tarde, garantiu Tancredo Maia Filho, que não se mostrou preocupado com o assunto.
Chantagem
Outro aspecto criticado do Provão é seu caráter de chantagem: o aluno que não o fizer não recebe o diploma. A coerção tem resultado no desestímulo generalizado, e basta entregar a prova em branco para se ficar livre daquilo. São quatro horas de suplício, depois de quatro anos de curso, dezenas de avaliações, e apenas porque o MEC quer transmitir a imagem de seriedade no acompanhamento dos cursos.
Houve coordenadores que repudiaram? e outros que defenderam – a concepção inicial do ministro Paulo Renato Souza, a de explicitar o conceito (que é da instituição, não do aluno!) no histórico escolar (do aluno!), providência que certamente levará a um maior grau de empenho na realização do exame. Tancredo Maia Filho apoiou tal medida, que pode ser implementada, se for aprovado projeto nesse sentido que tramita no Congresso.
De instrumento de avaliação que pretendia ser, o Provão mostrou-se uma cortina de fumaça: um álibi para o governo federal, que assim busca se eximir da responsabilidade de acompanhar e fiscalizar de perto os cursos, e muito menos fechá-los; um instrumento excelente para as escolas caça-níqueis, pois concentram seus esforços em preparar bem os alunos para o Provão, tarefa de cursinho, não de Universidade; e, de quebra, um espaço de cooptação de professores e intelectuais, que têm lá seu incentivo (não pecuniário, mas valor não é só dinheiro…) para preparar critérios de exames às vezes excelentes, às vezes medianos, como se a eventual excelência de uma prova pudesse se sobrepor aos graves vícios do sistema de avaliação. Que só são apresentados com clareza quando há o boicote ao Provão, a melhor alternativa para se garantir um mínimo de abertura na discussão de idéias sobre o tema.
(*) Jornalista, professor e pesquisador da PUC-Campinas, em Campo Grande como representante da Universidade Anhembi Morumbi, instituição em que coordena o curso de Jornalismo
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