Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Pseudogurus

OFJOR CI?NCIA

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FOLHA ONLINE

Roberto Takata (*)

"Stephen Hawking prevê raça humana superior neste milênio" é o título da nota divulgada na Folha Online traduzido de material da agência Associated Press [1]. Será por causa dos superedifícios projetados para o futuro próximo com quilômetros de altura? Ou se refere às pessoas em aviões de tamanhos colossais voando bem alto no céu?

Segue a nota: "Stephen Hawking, o físico mais famoso do mundo, previu hoje que a raça humana colonizará outros planetas dentro de um século e que será capaz de estruturar um ser humano geneticamente superior neste milênio."

Mãe Diná, creio, não faria melhor previsão. Mas que diabos será "geneticamente superior"?

Mais abaixo, a resposta:

"O físico britânico assinalou que a raça humana vai melhorar consideravelmente sua capacidade mental e física e vai superar os desafios da era espacial."

Hmmm… ressalvemos que a nota aponta que o físico não faz juízo moral sobre a eugênia anunciada: "?Não estou oferecendo meu apoio à engenharia genética como se fosse algo bom, o que quero dizer é que é muito possível que aconteça neste milênio, seja do nosso agrado ou não?, indicou ainda Hawking."

OK, o cientista lavou as mãos depois do sonoro pronunciamento. E é mais um a cair no conto do Homo superior (sim, daquela expressão usada nos quadrinhos da Marvel com adolescentes mutantes com superpoderes, pelo vilão Magneto para designar sua "raça" e a dos heróis X-Men). Esqueçamos o politicamente correto e pensemos no que a palavra "superior" quer dizer. Ela significa o que está mais acima no sentido literal e restrito ? não é o adequado como podemos ver ? e também no sentido mais amplo ? o que tem um nível mais elevado.

Epa! Isso significa que se algo está acima ou é melhor deve estar acima ou ser melhor em relação a alguma coisa, é preciso ter um referencial. A referência é o mental e o físico (ó, falsa divisão!), no caso de Hawking. Onde está o erro então? Em se pôr isso como referencial absoluto. Ser inteligente e atlético é bom? Sim ou não. Nossa cultura privilegia esses dois aspectos, mas isso não quer dizer que seja uma verdade absoluta ? suponho que um pé de alface não pudesse concorrer com Hawking à cadeira que ocupa em Cambridge nem seria um destaque olímpico, mas para a vidinha que leva na horta ela, com seus atributos (modestos em nossa óptica antropocêntrica), está muito bem, obrigada. Alface não é gente, pois não? OK, mas que tal um mastodonte com cérebro de Einstein? Isso é mesmo ser superior? Superior nesse sentido é um julgamento de valor, não tem sentido biológico, a expressão "geneticamente superior" é vazia de sentido.

O físico se abstém de fazer qualquer julgamento de valor sobre seu julgamente de valor. Quem sabe também neste mesmo milênio não se criem por engenharia genética seres eticamente superiores que possam nos dar a resposta se a eugenia é ou não ética?

Posso estar sendo injusto com o cientista, talvez ele não tenha dito isso ou pelo menos não com essas palavras. Afinal, na mesma nota escreve-se:

"Hawking, sentado numa cadeira de rodas e semiparalítico, também previu que os bebês darão a luz fora do útero nos próximos séculos."

Bebês dando a luz (sem acento grave)? Serão bebês transgênicos fluorescentes como o macaquinho ANDi [2]? Ou serão bebês dando à luz (com o acento grave omitido)? Mas peraí, quem dá o bebê à luz é mãe ou no futuro os próprios bebês estarão se reproduzindo ainda no berço? (Tudo bem que uma das preocupações atuais é a sexualização precoce das crianças, porém isso seria um tanto exagerado, suponho.) Ou falha-me o português? Ou talvez se trate de mais uma daquelas traduções apressadas. Acho que ainda neste milênio descobriremos ? poderemos até projetar humanos geneticamente capacitados a nos dirimir essa dúvida atroz.

É a bobagem da exultação da engenharia genética, aliada à futurologia barata. (Mas afinal, se gurus podem se apossar da linguagem científica para fomentar a pseudociência, por que não podemos ter cientistas bancando pseudogurus, não é mesmo?)

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Não tem nada a ver, mas a Superinteressante continua sem se retratar da mancada sobre a Aids.

Referências

1) http://www.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u2028.shtml

2) http://www.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u1970.shtml

(*) Mestrando em Biologia no Instituto de Biociências da USP

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