Saturday, 28 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1307

Quando a liberdade de imprensa corre perigo

SANTA CATARINA

Monitor de Mídia (*)

O anúncio de um novo ranking da liberdade de imprensa no mundo pelos Repórteres Sem Fronteiras e a demissão de Daniel Schneidermann do Le Monde não foram os únicos fatos que chacoalharam as redações, obrigando os jornalistas a rediscutirem as condições em que trabalham e a clamarem por liberdade de imprensa. Em Santa Catarina, o colunista Cláudio Prisco foi demitido do jornal O Estado e do SBT-SC por contrariar a linha editorial daqueles veículos. No entanto, o desligamento se deu imediatamente um dia após a publicação de uma carta do governador Luiz Henrique da Silveira prevenindo o jornalista de que não iria mais retificar informações dadas por ele.

Prisco foi demitido em 17 de outubro e entre jornalistas e políticos, corre a versão de que a cabeça do colunista teria sido pedida pelo Palácio Santa Catarina, por estar incomodando setores do poder.

Verdadeira ou não, a versão chamou a atenção do Monitor de Mídia, que voltou às páginas dos jornais para traçar uma cronologia dos fatos. Após o desligamento de Prisco, o Sindicato dos Jornalistas soltou nota alertando a população sobre possíveis perdas à liberdade de imprensa. Na Assembléia Legislativa, deputados da oposição forçam o plenário a aprovar moção de apoio ao jornalista. Colegas de trabalho como Moacir Pereira e Raul Sartori, ambos colunistas de A Notícia, manifestaram suas indignações sobre o caso.

Desgastes aumentaram em agosto

O caso Prisco parece ser uma crônica de morte anunciada, se o leitor acompanhar os textos dos últimos três meses da coluna. Com uma leitura atenta, pode-se perceber que os desgastes do colunista com alguns setores da política tornaram-se mais freqüentes de agosto pra cá, culminando no seu desligamento do SBT e do jornal O Estado, ambos da capital, em 17 de outubro.

Com uma coluna diária de política ? que ainda permanece veiculada em A Notícia ?, Prisco acompanha os movimentos visíveis e de bastidores do poder no estado. Experiente, o profissional tem quase 25 anos de jornalismo e já passou pelos mais importantes veículos de comunicação de Santa Catarina, sempre em jornais e emissoras de televisão, bem como prestou serviços de assessoria de imprensa.

Uma cronologia do desgaste que culminou em sua demissão pode ser estabelecida a partir do começo de agosto, quando o colunista passa a manifestar com mais evidência um tom crítico aos passos do governo estadual. "Se a ordem do Estado é economizar, a começar pelo custeio, por que criaram 29 secretarias regionais de desenvolvimento?", escreve na edição de 2 de agosto. Dez dias depois, Prisco considera um "deslize" do governador Luiz Henrique da Silveira não ter respaldado a indicação de um colaborador do ex-governador Paulo Afonso a uma diretoria da Eletrosul. No dia seguinte, 13, o Palácio Santa Catarina reage, negando o desentendimento e Prisco volta à questão. Possíveis atritos internos no PMDB causam desconforto no governo.

Mas as críticas do colunista não têm como endereço apenas o gabinete do governador. Em 26 de agosto, por exemplo, a prefeita da capital é o alvo: "A reconhecida inabilidade política da prefeita Angela Amin, mestre em criar conflitos com aliados e parceiros partidários, não comprometeu o seu êxito administrativo nestes quase sete anos de mandato".

Atritos com o Palácio Santa Catarina recomeçam no último dia de agosto. Prisco escreve em sua coluna sobre a demissão certa do chefe da Casa Civil, Danilo Cunha, que estaria em rota de colisão com Luiz Henrique há tempos. Na coluna seguinte, em 1? de setembro, o jornalista volta à carga trazendo informações de coxia, o que motiva a primeira reação pública do governador. Em 2 de setembro, Prisco reproduz carta enviada por Luiz Henrique em tom áspero, invocando a Lei de Imprensa e desmentindo a intenção de demitir o titular da Casa Civil. Prisco responde ao governador na mesma edição, reafirmando que "o colunista não tem nenhum reparo ou correção a fazer", dizendo que se baseou em informações de fonte próxima ao governador. No dia 3 de setembro, a briga entre o jornalista e o governador fica evidente na nota intitulada Zero, onde Prisco se queixa de não ter tido nenhum contato, nem mesmo telefônico, com Luiz Henrique naqueles oito meses de gestão. "Canal de comunicação absolutamente obstruído", reclama.

Exatamente uma semana após o incidente, a coluna "Canal Aberto" traz crítica velada às viagens do governador. "Pela segunda vez em pouco mais de oito meses Santa Catarina terá novo governador por um período de 18 dias". No dia 12 de setembro, Prisco toca de maneira aguda na polêmica do reajuste salarial do funcionalismo público, criticando a todos que queriam capitalizar bônus político com a questão, tanto na situação quanto na oposição. Tema do momento, a queda de braço pelo reajuste ganha contornos mais firmes na coluna do dia 14: "Engana-se redondamente quem imagina que foram marcadas pela tranqüilidade as articulações que antecederam a sessão da Assembléia, que por muito pouco não deu contornos a uma nova política salarial para o funcionalismo público estadual. O jogo de bastidores não deixou de fora nem mesmo o Palácio do Planalto". No dia 19, novo trecho: "Não é apenas o governo que está numa sinuca de bico no episódio envolvendo a política salarial do Estado. A oposição também…"

Em 21 de setembro, Prisco volta a tratar da convivência entre o governador e seu partido. "O comando estadual do PMDB ainda não entrou em rota de colisão com o governador Luiz Henrique, porque o partido está sendo pilotado pelo ex-senador Casildo Maldaner, um pacificador contumaz, incapaz de provocar um lance de rebeldia ou confrontação, por seu próprio perfil político conciliador. Qualquer outro presidente já teria comprado uma briga com LHS, que atropela freqüentemente a instância partidária". Em seguida, escreve que o governador atua como "uma espécie de trator", não querendo lá muita conversa partidária.

No dia 26, nova estocada no Executivo. Na nota intitulada "Presepada", Prisco escreve: "O governador visitou pessoalmente todos os sindicatos, mas na hora de elaborar o projeto salarial o fez solitariamente. E não aceitou a menor modificação no Legislativo".

Em outubro, a polêmica compra do Centro Administrativo do Besc para se tornar sede do governo vai dar o tom das discussões políticas e até mesmo contestações judiciais. A partir do dia 8, a coluna investe no assunto e a crítica é veemente: "Todo esse caso é resultado do que se poderia qualificar de ?síndrome palaciana?, com requintes de obsessão por palacetes, no embalo de uma política tipicamente imperial!". No dia 10, na nota "Patrola", Prisco dá voz ao líder da oposição, deputado Joares Ponticelli, que faz pesadas críticas ao governador, ironizando e o chamando de "dom Luís 15".

A contenda sobre a compra do prédio do Besc freqüenta a coluna de Prisco nos dias 11, 12 e 13 de outubro. Mas é no dia 14, que a crise parece chegar a um patamar limítrofe. O colunista se refere a conflitos políticos internos no governo: "O governo Luiz Henrique já caminha para o seu décimo mês e ainda não conseguiu acertar os ponteiros na convivência entre peemedebistas e tucanos". Tais conflitos se espalham para o campo dos juízes de direito na coluna do dia 15, e no dia 16, Luiz Henrique reage. A coluna republica carta do governador ao jornalista negando ? em tom áspero ? informações já veiculadas por Cláudio Prisco: "Espero que esta seja a última vez que tenho que lhe escrever, para que retifique notícia infundada", inicia o chefe do Executivo. E torna a dizer: "Se antes de publicar matéria tão grave tivesse me consultado não teria feito afirmações tão desagregadoras".

O colunista responde na mesma edição, afirmando não ter o que retificar, já que confiava na fonte que lhe havia passado a informação. Mesmo assim, o jornalista se compromete a reavaliar a fidedignidade dos informes de tal fonte. "Quanto a esclarecimentos prévios, acenados pelo próprio Luiz Henrique, seria muito bom se o canal efetivamente estivesse desobstruído. Em quase dez meses de administração, o colunista não teve a oportunidade de sequer um contato telefônico com o senhor governador", queixou-se novamente.

O fato é que imediatamente após esta troca de farpas o jornalista foi demitido de dois veículos de comunicação, de um dos quais recebeu cópia da carta do governador. Assessores e aliados de Luiz Henrique negam que o Palácio tenha pedido a cabeça do jornalista. Entre os profissionais que atuam no meio, não resta a menor dúvida desse envolvimento. Se houve interferência política ou se as cúpulas do SBT e O Estado aquiesceram a um pedido do governo ? que aprovou recentemente a distribuição de R$ 46 milhões a serem gastos em publicidade neste exercício ?, o fato é que esta não é a primeira vez que a política intervém na carreira de Prisco. No fim dos anos 90, quando seu irmão Paulo era o secretário estadual da Fazenda e teve seu nome vinculado ao escândalo das letras no governo Paulo Afonso, Cláudio Prisco precisou deixar a RBS TV por razões éticas. Como poderia prosseguir seu trabalho de analista de política se havia alguém da própria família sendo citado no assunto mais ruidoso do momento?, questionou-se na época.

Outros colunistas "aliviaram" nas críticas

O governo Luiz Henrique da Silveira, de certa forma, foi poupado nas colunas de dois dos principais jornalistas da imprensa catarinense, até agora. Pelo menos foi o que se percebeu em um mês de análises das notas assinadas nas seções de Paulo Alceu ? no Diário Catarinense ? e de Moacir Pereira ? em A Notícia. O acompanhamento compreende o período de 20 de setembro a 23 de outubro. É evidente que os jornalistas que cobrem o cotidiano do poder, comentaram os fatos mais importantes, repercutiram declarações e apimentaram o noticiário político. Entretanto, não chegaram a entrar em rota de colisão com o Executivo.

(*) Projeto de acompanhamento e crítica da imprensa catarinense produzido por alunos e professores do curso de Jornalismo da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) <http://www.cehcom.univali.br/monitordemidia>; coordenação do professor Rogério Christofoletti