"Voz de Fabão será apagada de fita", copyright O Globo, 12/7/00
"A revista ‘IstoÉ’ decidiu apagar a voz do interlocutor do juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto da gravação publicada em sua edição de quinta-feira passada [13/7], na qual o ex-presidente do TRT de São Paulo dizia que o ex-secretário da Presidência Eduardo Jorge o ajudava a liberar verbas para a obra superfaturada. A direção da revista afirmou que, antes de entregar as fitas ao Ministério Público, até o fim da semana, vai fazer uma períiacute;cia para comprovar se a voz é de Nicolau e apagar a voz do interlocutor ‘para preservar a fonte’.
Na reportagem, a ‘IstoÉ’ atribuía as gravações a agentes da Polícia Federal e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que negaram ter feito esse trabalho. O GLOBO publicou no sábado que as fitas foram gravadas por Fábio Simão, assessor do senador cassado Luiz Estevão conhecido como Fabão, num restaurante de São Paulo, pouco antes de o juiz aposentado fugir.
A decisão da revista de só entregar ao Ministério Público parte das gravações a que teve acesso, apagando das fitas a fala do interlocutor do juiz, foi lamentada por procuradores da República e criticada por integrantes do Governo. Eles acham que essa atitude reforça a conclusão de que as fitas foram gravadas com intenção de beneficiar Luiz Estevão.
Para o ministro do Planejamento, Martus Tavares, citado por Nicolau na gravação como tendo recebido o juiz a pedido de Eduardo Jorge, supostamente para ouvir pedidos de liberação de verbas para o TRT-SP, nenhuma informação relevante para a investigação do Ministério Público e da PF deveria ser omitida.
– Estou confiante de que o Ministério Público e a Polícia Federal vão restabelecer a verdade sobre a origem e o conteúdo da fita. Acho que nenhuma informação relevante, que possa contribuir com esse objetivo, deve ser omitida – disse Martus.
Para o líder do Governo no Congresso, deputado Arthur Virgílio (PSDB-AM), a decisão da revista reforça a idéia de que a gravação das conversas de Nicolau não passa de uma armação para proteger pessoas como Estevão. Essa hipótese não é descartada também pelo procurador da República no Distrito Federal, Luiz Francisco Fernandes de Souza.
– Juridicamente, o Ministério Público não pode fazer nada, porque a revista tem o direito de proteger sua fonte, mas isso dá desconfiança de que o outro (que aparece nas gravações conversando com Nicolau) pode ser mesmo Fábio Simão – disse Luiz Francisco.
Para Virgílio, a revista deveria divulgar toda a gravação:
– A gravação foi uma armação que visa a atingir certas pessoas e inocentar outras como o ex-senador Luiz Estevão. Trata-se de um instrumento espúrio.
A ‘IstoÉ’ informou que só vai entregar ao Ministério Público os trechos da gravação em que o juiz Nicolau aparece falando. A revista também pretendia retirar ontem a gravação da Internet, apesar de a voz do interlocutor de Nicolau ter sido alterada eletronicamente.
O Ministério Público precisaria de uma gravação integral para encaminhar a fita para a PF. Por isso, o procurador Luiz Francisco está fazendo um apelo para que, quem quer que tenha uma cópia da fita, encaminhe o material a ele.
Para o procurador da República no Distrito Federal Guilherme Schelb, a decisão da revista de divulgar apenas parte das gravações prejudicará as investigações:
– É claro que isso vai prejudicar as investigações, à medida que teremos só informações parciais sobre as gravações. Mas, de qualquer forma, é melhor do que nada.
A PF de São Paulo deve tomar, na próxima semana, os depoimentos dos jornalistas da ‘IstoÉ’ Mino Pedrosa e Ricardo Miranda, autores da reportagem. O diretor de Redação da ‘IstoÉ’, Hélio de Campos Melo, disse ontem que uma cópia da fita com a gravação será entregue ao Ministério Público Federal em Brasília até o fim da semana, junto com um laudo pericial confirmando que uma das vozes é a do juiz.
Segundo o delegado Vieira Cezar, da PF, que abriu inquérito para averiguar a procedência da fita, ao apagar a voz do interlocutor, a ‘Isto É’ estará adulterando uma prova.
Campos Melo admitiu que a fita pode não ter sido gravada pela PF e pela Abin, como afirma a reportagem. Segundo ele, a fonte da informação disse ao repórter Mino Pedrosa que teria outras 400 horas de gravações. O repórter teria então concluído que a fita entregue a ele fazia parte de um lote maior gravado pela PF e pela Abin.
– Não sei quem gravou a fita. Mas o que interessa mesmo é o teor da gravação – disse Campos Melo."
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