Friday, 27 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 3107

Quando um jornal é ‘torterrorista’

TORTA NA MÍDIA

Paulo Lima (*)

O jornalismo tem regras que são invariavelmente quebradas no dia-a-dia da elaboração da notícia. Uma delas: repórter bom é repórter burro. Parece contraditório, mas não é. Esta regra de ouro, presente nos manuais de jornalismo, reforça, na verdade, um convite à curiosidade. Repórter bom é aquele que apura bem uma matéria. E apurar bem significa esquadrinhar a informação com uma compulsão quase maníaca. O bom repórter é aquele que, acima de tudo, admite o pressuposto de que nada sabe, por isso precisa perguntar para aprender. No detalhe menosprezado, ou talvez só entrevisto, é que reside a diferença entre o mau e o bom repórter.

Outra regra sugere que o bom jornalismo é feito com neutralidade, imparcialidade, distância e a frieza glacial de um bloco de iceberg. De resto desrespeitado por 9 entre 10 jornalistas, esse princípio é oferecido nas escolas de Comunicação como uma espécie de dogma.

No episódio de "torterrorismo" (a expressão pertence ao jornalista Sérgio Augusto) que envolveu o diplomata Peter Allgeier, semana passada, no Rio de Janeiro, a regra do repórter atento ao detalhe foi cumprida na matéria da Globonews.com ("Ativista é detido após atirar torta em Peter Allgeier no Rio").

Xenofobia

A segunda regra foi quebrada em matéria da Tribuna da Imprensa ("Diplomata dos EUA leva torta na cara em reunião da Alca no Rio"), que utilizou como chapéu, logo acima do título, a onomatopéia "hummmmmm!".

A matéria da Globonews.com mostrou-se mais cuidadosa já a partir do título, evitando o coloquialismo de uma expressão ("torta na cara") cujo uso traz um pequeno ato de sensacionalismo e agressividade em si mesmo. Pela leitura, ficamos sabendo que o diplomata solicitou indulto ao "torterorrista". E que a arma do ataque era feita de chocolate com chantilly. Um pequeno detalhe, mas que humanizou uma matéria que tinha tudo para ser, além de breve, burocrática.

Esses detalhes não aparecem na reportagem da Tribuna, que segue protocolar da primeira à última linha. O protocolo é quebrado exatamente com o recurso da onomatopéia, em tipos vermelhos, acima do título da matéria. O "hummmmmm!" ? assim escrito, e tão digno de um tablóide sensacionalista, joga por terra qualquer regra de imparcialidade.

O exemplo da Tribuna, com uma simples onomatopéia, mais do que com mil palavras, talvez revele a xenofobia do periódico, no tocante a tudo o que é americano, neste momento ? justo um representante da imprensa, que deveria zelar pela ponderação.

(*) Estudante de Jornalismo da Universidade Tiradentes (SE), editor do Balaio de Notícias <http://www.sergipe.com/balaiodenoticias>