O OSCAR NA TV
Siomara Sodré Spinola (*)
Assistindo à entrega do Oscar 2003, eu via aquela gente empolada em traje de gala, divertindo-se com as piadinhas idiotas do Steve Martin, e fui ficando cada vez mais indignada. Já se passara mais de uma hora de transmissão e nenhum manifesto, nenhum comentário sobre a guerra. Como essa gente pode ser tão frívola?, eu pensava. Como é que ninguém fala absolutamente nada a respeito? Até que, finalmente ? e tinha de ser por intermédio de um latino-americano ? quebrou-se o silêncio incômodo (pelo menos para mim e, acredito, para muitas outras pessoas) quando entrou em cena o mexicano Gael García Bernal. Totalmente despojado, destoando dos demais com sua graciosa simplicidade, fez um discurso apaixonado. Respirei de alívio ao ouvir suas comoventes palavras, ditas com o sentimento e a espontaneidade próprias de um latino: "A necessidade de paz no mundo não é um sonho, é uma realidade. E não estamos sozinhos nisso. Se Frida estivesse viva, estaria conosco, contra a guerra". E ainda por cima apresentando um brasileiro, o Caetano. Mesmo tendo criado uma certa antipatia pelo baiano, devido a seus infelizes pronunciamentos recentes, não pude deixar de me emocionar com a belíssima canção que ele interpretou, nervosamente, diga-se de passagem. Foi um dos momentos mais bonitos da noite.
Nem tudo está perdido
Sim, é verdade que, antes do ator García Bernal, houve uma tímida alusão aos conflitos por parte de Chris Cooper, vencedor na categoria de melhor ator coadjuvante. Porém, sua frase "Apesar de todos os problemas do mundo, desejo a todos paz" foi extremamente vaga. Não chegou a emocionar.
O ponto alto da entrega do Oscar foi sem dúvida o ataque contundente de Michael Moore: "Convidei os meus colegas indicados que viessem comigo ao palco e eles estão aqui em solidariedade a mim. Todos nós gostamos de documentário, mas vivemos num tempo de ficção, com resultados eleitorais fictícios, um presidente fictício… Estão nos enviando à guerra por razões fictícias. Que vergonha, senhor Bush, vergonha do senhor. O seu tempo acabou". Uau! Arrasou! Delirei, aplaudi como se estivesse na platéia. Era tudo o que eu esperava que alguém dissesse naquela noite. Enfim, alguém com coragem suficiente para chacoalhar aquela massa inerte. Claro que nem todos apoiaram a fala; houve aplausos, mas também vaias.
Quase no fim da cerimônia, Adrien Brody veio reforçar as críticas, chamando a atenção para a "desumanização de seres humanos em tempos de guerra", acrescentando, depois, emocionado: "Seja acreditando em Deus, em Alá ou no que for, vamos orar pela resolução rápida dessa guerra". Brody conseguiu a simpatia da platéia. Foi aplaudido em pé. Menos mal. Nem tudo está perdido, apesar do conservadorismo de Hollywood e da loucura de Bush.
(*) Jornalista e editora