Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Quem apertou os botões errados?

HORA DA VERDADE ? 2

Alberto Dines

Quem inventou os consultores? Quem financiou a implantação das fórmulas mágicas? Quem troca o comando das redações como quem troca de camisa? Quem tomou as decisões que converteram uma indústria razoavelmente sólida e minimamente respeitada numa corporação combalida, endividada e desnorteada?

Tudo se passou ao longo da última década. Aqueles que hoje acionam as guilhotinas nas redações são os mesmos que tomaram catastróficas decisões poucos anos atrás. O caso ou ocaso do Grupo Manchete (gestado em meados dos anos 80) é o exemplo precursor e paradigmático de uma débâcle que mais parece suicídio coletivo.

A decisão de comprometer uma editora de revistas com 30 anos de existência e montada num dos melhores parques gráficos do país não foi do governo, que lhe ofereceu as concessões de TV e o crédito fácil em bancos oficiais. A culpa também não foi da conjuntura econômica desfavorável mas de quem não fez as devidas avaliações, inclusive no panorama macroeconômico.

A culpa foi dos empresários que, sem experiência alguma na mídia eletrônica ? e, sobretudo, sem um suporte financeiro consistente ? embarcaram na louca aventura de disputar com a experiente TV Globo a hegemonia do segmento. Megalomania pura.

Empresários apertam os botões, tomam decisões. Mas alguém garantiu-lhes que estavam corretos, que o caminho era aquele mesmo, valia a pena correr o risco de trocar o futuro garantido de uma editora de revistas pelas incertezas do mundo platinado. Fiaram-se e confiaram nos profissionais, teoricamente os especialistas. Deu no que deu.

Pode-se ir um pouco mais longe e remontar aos anos 70, quando impregnados pelo espírito do "milagre brasileiro" ? que deveriam combater ? outros empresários deixaram-se seduzir por obras monumentais e comprometeram grandes projetos jornalísticos.

O que nos interessa são os anos 90: a última década do século 20 pode ser considerada na história da indústria da comunicação como o Apocalipse Festivo ou A Grande Ilusão.

Inspirados nas informações publicadas pelos seus próprios veículos, imaginaram que poderiam diversificar, mudar a essência do negócio e expandir-se indefinidamente. Alguém soprou-lhes as profecias do Wall Street Journal, Fortune ou dos gurus da gestão empresarial nas páginas dos jornais e revistas que editavam: a) o mundo seria dos conglomerados; b) as novas tecnologias mudariam a essência do negócio; e, c) o marketing era mais importante do que o produto. Caso clássico de intoxicação endógena: a informação superficial enganando o próprio emissor.

Para que esta avaliação não se perca em generalizações, aqui vão os principais tropeços estratégicos cometidos na última década pelo patronato jornalístico, seus consultores e executivos:

** A diversificação: entusiasmados com o programa de privatizações na área das telecomunicações, no lugar de assumirem-se como fiscais do processo os principais grupos de comunicação do país aderiram de corpo e alma. Não querendo desagradar os chefes e os chefes dos chefes, os opinionistas mais progressistas e independentes aderiram com entusiasmo produzindo um dos mais catastróficos bumerangues empresariais. Os grandes grupos jornalísticos brasileiros entraram nos leilões da privatização seduzidos pela miragem da diversificação e esqueceram de cumprir com o seu dever liminar: fazer jornalismo, fiscalizar. Alguns, como o Grupo Folha, perderam pouco, saíram logo no primeiro revés, ligeiramente chamuscados. Outros amargaram (e amargam) enormes prejuízos.

** A carona no Real: controlada a inflação, desvendou-se o potencial de consumo daqueles que eram suas maiores vítimas: a classe média baixa. Ela descobriu a carne de frango, o iogurte, os planos de saúde e de seguros e outras pequenas benesses das economias estáveis. Impregnadas de civi$mo, as empresas jornalísticas resolveram pegar carona na estabilidade da moeda.

No primeiro momento, adaptaram seus produtos para este formidável mercado consumidor: nivelaram-se por baixo, entregaram-se ao desvario dos fascículos e brindes. Esgotados estes, partiram atrás de promoções. A pretexto da sagrada segmentação recomendada pelos marqueteiros, fragmentaram os jornalões em caderninhos, aderiram às apelações mais baratas e ao sensacionalismo mais irresponsável.. Ficaram todos com a mesma máscara carnavalesca.

No segundo momento, com os principais jornais e revistas já desfigurados, as empresas jogaram-se à conquista dos novos consumidores de baixa renda: em poucos anos foram lançados ou relançados no Rio, São Paulo, Porto Alegre, Recife e Brasília quase dez produtos populistas, todos amparados por fabulosas campanhas publicitárias e uma insignificante capacidade de gerar empregos. O último passe de mágica ocorre neste exato momento: a conversão do sofisticado Jornal da Tarde, de São Paulo, num jornal de 1 real ao som de um réquiem para o jornalismo de qualidade.

** A paranóia dos conglomerados: como o noticiário era dominado pelas fusões, aquisições e nascimento de gigantes nos EUA e Europa, nossos empresários, devidamente incentivados pelos profissionais que contrataram, embarcaram em outra maluquice: a parceria dos arqui-rivais, os grupos Folha e Globo, para lançar o diário econômico Valor e pavimentar o caminho para a criação do mais poderoso grupo de comunicação brasileiro. Passados apenas dois anos, parceiros novamente engalfinhados e torrados os 50 milhões de dólares do capital inicial, a nova empresa está de língua de fora pedindo nova injeção de recursos que só poderá viabilizar-se quando os grupos acionistas se separarem. Os prometidos 200 novos postos no mercado de trabalho não se materializaram (houve apenas um remanejamento de pessoal já empregado) e o compromisso de criar um novo padrão de jornalismo para os multiplicadores de opinião ficou mais longe do que nunca: o novo diário continua como o segundo jornal para ler calmamente na hora do almoço, complemento dos jornalões que se esquadrinha no café da manhã. A projetada associação foi um dos maiores fiascos empresariais no setor da mídia.

** A mitologia da horizontalização: no passado as Organizações Roberto Marinho produziram revistas de sucesso (Querida, Radiolândia, Cinelândia, algumas infantis etc), todas no Rio, num processo natural de sinergia com os demais veículos do grupo. Depois, com o espetacular crescimento da Editora Abril, os executivos globais resolveram tomar de assalto o segmento e foram disputar o nicho dourado dos semanários de informação já tomado por dois concorrentes (Veja e IstoÉ) e implantados há algumas décadas no mercado.

Época é um caso de estudo, uma das maiores coleções de erros empresariais já reunidos no negócio jornalístico brasileiro. Em primeiro lugar, contratou-se um grupo inteiro de dissidentes da Abril. Em segundo lugar, deixaram a nova subsidiária isolada em São Paulo, servindo-se de um mercado de trabalho moldado pela concorrência. Em terceiro lugar, compraram um modelo de revista de informação (a alemã Focus) inteiramente destoante do estilo do jornalismo brasileiro. O resultado aí está: em vez de impor novos padrões, Época repete os velhos vícios (a reportagem de capa da presente edição, "Pedofilia na Igreja", é exemplo gritante). Em vez de disputar com a n? 1, está disputando com a n? 2. E, às vezes, perde.

Como o leitor já deve ter percebido, estas anotações sobre a crise da mídia brasileira referem-se exclusivamente às opções estratégicas e empresariais. As decisões exclusivamente editoriais e jornalísticas, não menos desastrosas, vem sendo acompanhadas desde 1996 por este Observatório. Qualquer uma das nossas 155 edições anteriores fornecerá os elementos factuais para completar este triste painel.

Clique em Próximo Texto para encontrar trecho de uma reclamação pública, datada de agosto de 1994, em Brasília, contra a invasão de "consultores" nas empresas jornalísticas brasileiras.

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