Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Quem lê, lê o quê?

IMPRENSA & LITERATURA

Deonísio da Silva

É domingo, escrevo essas linhas em Curitiba e a temperatura está ao redor de quatro graus. O Estado do Paraná traz na primeira página foto do presidente da República plantando ipê roxo em Foz do Iguaçu. Na segunda metade, a capa estampa charge de Dante Mendonça mostrando um atleta que não subiu ao pódio dos Jogos Pan-americanos de 2003. Com ar de enlevo, ostentando no peito medalha de ouro, onde está inscrito desempenho de 0%, é o mesmo presidente Luiz Inácio Lula da Silva quem aparece no traço inconfundível do chargista. Nenhuma palavra, como ocorre com a charge perfeita. O desenho diz tudo. E revela um desencanto preocupante com o principal responsável pela situação em que estamos.

Vários colunistas que antes não escondiam sua simpatia pelo então candidato Lula ? apreço, aliás, mantido nos primeiros meses do governo do eleito ? começam a ver as coisas por outro viés. Não há rede de rádio e televisão capaz de impedir o espelho da realidade nacional, feita por 6,9 milhões de exemplares de jornais que circulam diariamente no Brasil (dados da Associação Nacional de Jornais, tendo como referência o ano de 2002).

Colunas, reportagens, artigos, fotos, charges. A imprensa brasileira, apesar de suas complexas dificuldades, cumpre o dever de mostrar o Brasil, até mesmo por ínvios caminhos. E o cartunista catarinense, radicado em Curitiba há várias décadas, me faz lembrar personagens de Jorge Luis Borges identificadas como "pequenos próceres". Com efeito, esse cartunista é um dos melhores do Brasil, não apenas pelo traço, sempre preciso e eloqüente, mas pela esmerada atenção aos problemas brasileiros. Vem interpretando o Brasil há muitos anos e se nosso país tivesse a população da Holanda, da Bélgica ou de Portugal, por exemplo, ele seria muito mais conhecido e apreciado.

Mas, vasto e complexo, o Brasil tem muitos nichos para ocultar o que tem de melhor no jornalismo, não nos grandes jornais, mas nos médios e pequenos. Os grandes, mal ou bem, aparecem nos diversos recantos que formam a opinião nacional. Mas seria bom que deixassem de ostentar em suas primeiras páginas que a principal notícia que têm a oferecer é a opção semanal de encartar um produto que a imprensa não tem a obrigação de fazer circular, ainda que seja livro! Parabéns pela iniciativa, mas ela deveria representar apenas algo a mais, não o essencial.

Livros escondidos

Na página 9 do primeiro caderno do Estado do Paraná aparece notícia quentinha e reconfortante para os habitantes da Galáxia Gutenberg, atestando o que acabo de afirmar. "Jornais são a principal fonte de informação", é a manchete de página. "Veículo se destaca como decisivo quando se vai realizar uma compra", é dito logo abaixo.

O texto vem apoiado em recente pesquisa da Ipsos-Marplan, divulgada semana passada, durante o 4? Congresso Brasileiro de Jornais, dando conta de que para 28% dos brasileiros o jornal é a principal fonte de informação que consultam antes de realizar uma compra. Em segundo lugar, vêm os vendedores ou corretores (21%) e em terceiro a televisão (14%).

Quem lê, quer que livros tragam o que lhes é próprio. E os jornais, idem. Há algumas semanas, com o romance O Caso Morel nas mãos, comprado em preço realmente convidativo nas bancas, acompanhando a edição dominical da Folha de S.Paulo, lembrei de propor a seu ombusdman, o dublê de escritor e jornalista Bernardo Ajzenberg, que fizesse uma reflexão sobre o tema. Trinta anos separam a primeira edição do romance de Rubem Fonseca da que está nas bancas. Por que o jornal não inseriu na coleção livros mais recentes? Vai esperar mais trinta anos para reconhecer, sempre por último, escritores que os leitores da Folha de S.Paulo e de outros grandes jornais já conhecem e lêem? Pautemos a questão do livro e da leitura para além de livros subsidiados e destaques do tipo "chega ao Brasil o livro tal do autor tal", como se fosse a mais recente novidade de uma suposta alfândega livreira.

Este escritor estava no segundo ano do curso de Letras quando viu numa livraria do Brasil meridional, posto em destaque, O Caso Morel . Comprado o exemplar, li e o apresentei a meu professor de literatura brasileira. E nunca mais deixei de ler Rubem Fonseca, sobre cuja obra já escrevi três livros.

Passados esses trinta anos ? era 1973 ? nunca tive o prazer de receber de um aluno a indicação de um autor brasileiro a quem o professor porventura devesse prestar atenção. Pudera! As livrarias os escondem, quando os têm em estoque, lá no fundo das últimas estantes. E os jornais se esqueceram dos novos há muito tempo. O fato de alguns deles darem homeopaticamente vagas notícias de meia dúzia de escritores ? são quase sempre os mesmos, aliás ? não os redime de sua função essencial: informar a quem lê o que há para ler.