ELEIÇÕES 2000
Luiz Antonio Magalhães(*)
Quando os resultados do primeiro turno das eleições municipais foram divulgados, os próceres de dos partidos que oferecem sustentação ao governo FHC vieram a público praticar o patético jogo do "eu ganhei". A julgar pelo que diziam os líderes partidários, todos os partidos, por algum critério obscuro, foram brindados com a confiança dos eleitores e conseguiram uma "vitória expressiva" nas urnas. Um dia após o pleito, já era possível ler nos jornais análises que contemplavam o sucesso do PMDB (partido que mais prefeitos elegeu), do PSDB (o que mais votos recebeu) e do PFL (o que conquistou mais prefeituras).
No segundo turno, porém, o cenário mudou. A vitória dos partidos de oposição, em especial do PT, foi inquestionável. Assim, no lugar do "eu ganhei" apareceu uma nova modalidade: o jogo do "eu não perdi". A julgar, de novo, pelas declarações dos políticos governistas, o PT foi o grande vencedor, mas a eleição de 29 de outubro não gerou derrotados.
Em qualquer lugar do mundo, quando a oposição vence uma eleição, conclui-se que os eleitores estão insatisfeitos com o governo. Em qualquer lugar do mundo, menos no Brasil. Aqui, desde o momento em que foi confirmada a espetacular vitória nas eleições municipais das forças de oposição, diversos colunistas dos mais variados órgãos de comunicação gastaram tinta e tempo para "interpretar" as motivações do eleitorado, amplificando as desculpas dos políticos governistas.
No país da ambigüidade, nada é pão-pão, queijo-queijo. Logo surgem malabarismos para provar a tese de que o povo brasileiro, apesar de votar maciçamente nos partidos de oposição, está feliz e satisfeito com o governo. Cinismo à parte, há basicamente duas linhas de "raciocínio" que vêm sendo utilizadas para mostrar que os votos dos dias 1° e 29 de outubro não representam a rejeição do governo do presidente Fernando Henrique. Ambas, como veremos, são pura falácia.
PT light não é oposição?
Em primeiro lugar, há os que advogam a tese de que o PT realmente venceu as eleições. São os menos cínicos. De cara, angariam a simpatia do leitor ingênuo de esquerda. À admissão da vitória petista, no entanto, geralmente segue uma complexa digressão a fim de demonstrar que o PT de hoje não é mais o mesmo. Os apelidos são vários: "PT channel", "cor-de-rosa" ou "light". Teria sido nesses PTs, e não no antigo e vermelho, que o povão votou.
No primeiro turno, a explicação até colava um pouco: a ala moderada do partido de fato saiu fortalecida das urnas. Ainda assim, é preciso examinar mais de perto o que é o "PT cor-de-rosa": ao contrário do que tem sido noticiado, os moderados apoiaram e participaram do Plebiscito da Dívida Externa. Apóiam incondicionalmente, como gosta de lembrar o deputado José Genoino, as ocupações de terra do MST. Lutam pela reforma agrária e pelo rompimento com o FMI. Querem mudar substancialmente o modelo econômico que começou a ser implantado no governo Collor de Mello e que, sob o mandarinato de FHC, jogou o país na mais dramática crise social do período republicano. Definitivamente, os petistas moderados não são os sociais-democratas conciliadores que a imprensa chapa-branca está pintando e deseja que se tornem.
De toda maneira, o argumento da vitória do "PT light" cai por terra quando se analisa o segundo turno. A eleição do último domingo foi marcada, como bem observou o deputado José Dirceu, pela iniciativa dos partidos adversários em caracterizar ideologicamente a disputa. Em outras palavras, quem concorreu contra o PT tratou de partir para o ataque e vincular o partido ao MST, à bandeira vermelha, ao comunismo stalinista etc.
Em todos os municípios os cidadãos estavam devidamente avisados dos "riscos" de eleger prefeitos do PT. Avisados, sobretudo, que a agremiação é "do contra". E, apesar de tudo, o PT venceu em 13 das 16 cidades onde disputou o segundo turno. Ou seja, o povão votou mesmo foi nos vermelhos.
FHC e o voto na moralidade
O segundo argumento para mostrar que a derrota governista não foi lá essas coisas é um pouco mais cínico. Como não podia deixar de ser, saiu da boca do presidente da República e imediatamente ganhou o apoio alegre dos jornalistas de mercado. Disse o presidente que o PT cresceu, mas não venceu: desta vez, os eleitores "votaram pela moralidade".
Político da velha guarda, FHC não iria passar recibo assim tão fácil: ao associar o crescimento do PT à virtude da honestidade, o presidente na verdade tenta deslocar a discussão sobre o caráter da eleição para um plano secundário.
Em muitas localidades, notadamente em São Paulo, é óbvio que o voto nos candidatos da oposição representou também um grito de repúdio à intensa onda de corrupção que a população assiste e da qual é vítima nos últimos tempos. O presidente, no entanto, "se esquece" de dizer que os rejeitados em prol da moralidade na eleição deste ano são, desde sempre, os seus aliados e, em alguns casos, os seus companheiros de partido.
O "esquecimento" de FHC, porém, faz parte do seu show: de forma geral, a corrupção é identificada pela população como um ato individual, não como um problema sistêmico. Ao afirmar que o voto foi "pela moralidade", portanto, o presidente aposta em uma auto-imagem de homem honesto (fraco e subserviente, mas honesto). E não se achando corrupto, FHC pode dizer que o recado das urnas não foi para si próprio, mas para Malufs e afins.
O argumento de FHC cai por terra por uma questão de lógica formal: em primeiro lugar, é preciso lembrar que a eleição teve dois turnos. Se no segundo turno a disputa ficou entre petistas e candidatos corruptos de outros partidos que não o PSDB, é porque os tucanos perderam dos corruptos. Ora, se até corruptos venceram o PSDB no primeiro pleito, seguindo o raciocínio do presidente, de duas uma: ou a população identificou os "menos corruptos" – e entre eles não estão os tucanos –, ou o povão está mesmo cansado do mandarinato de Fernando Henrique.
Talvez fosse melhor, até por razões biográficas, o presidente ser mais humilde e reconhecer como verdadeira a segunda opção. Mas humildade, infelizmente, não é o forte de Fernando Henrique Cardoso.
CARTAS
A mídia alemã deve estar produzindo o noticiário adequado ao seu público. Dever-se-ia perguntar se os alemães estão ou não satisfeitos com os temas abordados pela sua imprensa. Sim, então seriam eles mesmos os provincianos, voltados para os próprios umbigos.
Em tempo, sou leitor frequente de Último Segundo, e não fiquei chocado com o seu posicionamento. Quem reclama deveria olhar para trás e lembrar onde estava sua indignação quando o "patrulhismo" corria solto contra o PT, em várias ocasiões-chave da nossa história recente. Respeito mais quem toma posição, mesmo se estiver errado, do que os que mantêm um "distanciamento ético" na aparência e tomam posição sub-repticiamente.
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