Gilmar Antônio Crestani (*)
Diógenes Laércio viveu no III século d.C. e escreveu "Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres" (UnB). Neste livro, caracterizado por transcrições de trechos de obras de seus biografados, encontramos o pouco que restou de alguns dos ilustres filósofos. Não utilizou os recursos dos jornais de hoje, como os boxes, para explicar, por exemplo, “quem foi Sócrates”? Quando definiu o cinismo, usando o exemplo de Pirro, simplesmente tascou: “Chamam-se cépticos, porque sempre examinam e nunca encontram.”
Também não lhe ocorreu destinar um espaço para ouvir as razões do “outro lado” ou mesmo tentar um “contraponto”, no caso, ouvindo Pirro.
Estes recursos, de que a imprensa abusa segundo as conveniências, dão um falso ar de objetividade e de imparcialidade. Mas, ao propor um contraponto, não é só tamanho e local onde será inserido no jornal que importa. Também a seleção do quanto é publicado no contraponto define não a posição do “outro lado”, mas o interesse do jornal.
Considerando as personagens que, desde sempre, continuam no epicentro da política brasileira, até que seria uma boa idéia se, de vez em quanto, a mídia nos refrescasse a memória com um “quem é fulano de tal?”. Traçaria ali algumas informações do passado da personagem.
Quem foi quem nos planos econômicos do passado e o que fazem hoje? Vez que outra, esses cavaleiros de triste figura retornam à política e pautam as redações. Estão aí velhos conhecidos, ocupando ministérios, como se tivessem sido recém-clonados em algum laboratório clandestino. Sobre o passado de tais personagens pouco se lê hoje. Não interessa que saibamos quem eram e o que fizeram no passado esses senhores que hoje comandam importantes ministérios, como os do Trabalho e da Agricultura? Francisco Dornelles, que está reentrando para a história com essa de que Antonio Ermirio de Moraes pode negociar em condições de igualdade com sua secretária, sem a proteção da CLT, e Pratini de Moraes, que trouxe de volta a aftosa.
Se fosse um torneiro-mecânico…
Estes são velhos conhecidos dos tempos em que a Arena mandava e desmandava. Hoje não mandam, mas co-mandam. Que jornal ainda lembra o leitor que eles votaram, perfilados com Paulo Salim Maluf, contra as eleições diretas?
Quando veio o estelionato do Plano Cruzado, eles também estavam ao lado de José Sarney. Desta farsa, aliás, participaram outros ilustres gaúchos, como Paulo Brossard de Sousa Pinto, que virou ministro da Justiça e chefe dos “fiscais do Sarney”, juntamente com o “xerife” Romeu Tuma. Esta dupla caçou boi gordo nos pastos até a véspera das eleições de 1986, sem contar que também fizeram as vezes de camelôs na barganha dos cinco anos de mandato. Antes mesmo de terminar a contagem dos votos da eleição de 1986, que escolheria, além dos governadores, também os deputados constituintes, o pacote batizado de Plano de Inflação Zero ou de Estabilização, mais conhecido por Plano Cruzado, derreteu. Ilustres conhecidos do PMDB gaúcho, como César Schirmer, que na época presidia o partido no RS, estão aí à espera de um boxe, já que se apresentam como “o novo” na política.
Do professor Cardoso, por exemplo, o boxe poderia trazer uma mão espalmada com a promessa de dentaduras. Se não tapa o buraco do estômago, pelo menos esconde o dos dentes. Para ele, os que não se conformam com fanfarronadas são caipiras. Se aposentado, vagabundo. Só vira professor quem não sabe fazer outra coisa. Ex catedra, ele usufrui de proventos de três origens distintas, inclusive um de professor. Falando em professor, ressuscitou Bresser Pereira, que em 1987 tascou sobre nós o plano econômico que leva seu nome, para provocar o maior êxodo de professores das universidades públicas. Os reflexos acabaram caindo sobre as costas de Paulo Renato. Tivemos a maior greve da história dos professores universitários federais. Estes dois bem que merecem também um boxe. Para coroar uma estupenda carreira de sociólogo, privatizou o sistema energético e distribuiu o apagão. Não contente, decretou o racionamento e, como sói acontecer, aumentou as tarifas para cobrir a expectativa de lucro das distribuidores privatizadas. Isso que é considerado pelas gazetas um sujeito inteligente. Imaginem se fosse um torneiro mecânico. Faltaria tinta e papel nos pasquins.
Liberdade exótica
Retornam ao cenário político velhos e conhecidos. Para estes, um boxe gradeado seria uma grande pedida. Fernando Collor de Mello, por exemplo, está cotado para ser senador por Alagoas. Quem é Roseana Sarney? Não é somente a filha do Senhor dos Anéis, digo, “planos econômicos”. Foi na “Nova República” que ACM, então ministro das Comunicações, distribuiu rádios em troca de mais um ano para o pai de Roseana. Foi ela que, na véspera das eleições de 1986, escolheu Nelson Proença, hoje no PPS gaúcho, para comandar o programa do “tíquete-leite” do governo de seu pai. Onde vamos ler um curriculum vitae dessa gente? Só quando aparecer um procurador como Luis Francisco de Sousa?
O Sul Maravilha, que gosta de botar a culpa no Nordeste pelos maus políticos, contribui com as principais peças desse quebra-cabeça que virou a política nacional. O deputado gaúcho Darcisio Perondi virou vice-líder do governo no Congresso depois que votou contra a CPI da Corrupção. O irmão, Emidio Perondi, foi um dos gaúchos que votaram contra as Diretas-Já, e hoje dirige a Federação Gaúcha de Futebol, que está sob o pente fino da CPI do Futebol. Aliás, Darcisio Perondi está na mira da mesma CPI por ter recebido dinheiro da CBF na campanha para a Câmara em 1998. Não por acaso, ambos gaúchos do PMDB, que a RBS não lembra quem são, nem o que fazem. Para saber a última do Perondi, só lendo os jornais do centro do país.
Esse mesmo silêncio a RBS, como o fazia a Rede Globo com as Diretas-Já, tem para com o Fórum Social Mundial, que acontece em Porto Alegre de 31 de janeiro a 5 de fevereiro de 2002. Tudo o que o jornal Zero Hora conseguiu publicar a respeito do Fórum Social saiu no Informe Especial, sábado, 12/01: “Mas o que é uma oficina em forumsocialês? É tudo o que reúna mais de três pessoas para abordar algum assunto. Serve tanto para uma demonstração de capoeira como para um debate sobre discriminação racial.” Com tanta oficina, não viu nenhuma interessante, só o leque de opções. E essa pluralidade, na visão desse jornal, virou termo pejorativo. O espaço que faltou para o Fórum Social sobrou para tratar de um casal de tucanos que chegou ao zoológico…
Quando Édipo descobriu que havia casado e procriado com a própria mãe, furou os próprios olhos. No caso da RBS, a reprodução complacente das distorções maquinadas nos porões da Rede Globo deixou-a cega de ódio. Os movimentos sociais foram alçados a subversivos ou baderneiros. Inclusive a linguagem, comum também em sua base na Assembléia, lembra um macarthismo tal que a liberdade democrática dos tempos atuais torna-se exótica.
Relação sem calafrios
Por exemplo, enquanto matéria do JB enaltecia a forma como se resolveu o problema do seqüestro do Ônibus-Lotação Santana, de Porto Alegre, a RBS inseria no Jornal Nacional que este era apenas mais um fato no quadro da insegurança em que virou o estado sob o governo da Frente Popular. No dia 10/1/2002, o JB trazia a informação de que a prefeitura prevê uma arrecadação de R$ 17 milhões com o Fórum Social Mundial. E o que diz a manchete de Zero Hora: “Monumento consumirá 34 mil.” Qualquer empresa com um mínimo de ética profissional faria de tudo para promover a cidade e o estado em que está sediada. Menos a RBS. Por quê?
Na mesma trilha segue a questão dos combustíveis. A RBS já encontrou o vilão: é o governo do estado. Mas “ganância dos postos segura preço da gasolina” foi a manchete de O Sul, de 10/01, afirmando que a margem de lucro dos postos subiu em R$ 0,10 por litro. Com quem está a verdade?
A manchete do Correio do Povo de 11/1: “FHC adota medidas para pressionar os postos.” Se fossem os “Goebbels” da RBS, a manchete do Correio do Povo seria “FHC adota medidas para pressionar Olívio”. Mas a RBS preferiu convocar sua base na Assembléia Legislativa e reunir cinegrafistas e fotógrafos para vistoriar os postos de gasolina. No final achou o culpado: Olívio Dutra. Não parece piada?
Aí o jeito foi conferir a imprensa nacional. De saída fico sabendo que o professor Cardoso quis faturar um pouco de popularidade, mas a lei de mercado deixou-o com o mico de não ter conseguido cumprir os 20% de redução prometidos. Nem tudo acontece com um abracadabra. E só a RBS que não sabe!
A mais recente investida atende por ACM, que diz apoiar Lula se o candidato for José Serra. Até a RBS sente calafrios por Lula, já que é patente que ACM não apóia, hipoteca. Vide os sete anos de eminência parda sob os tucanos. Ficaram atrelados às malvadezas, e só conseguiram comprar uma reeleição. ACM não causa qualquer arrepio, por exemplo, quando, junto com as famiglias Marinho, Sirotsky, Frias, Mesquita e Civita, vai ao Planalto buscar mais favores para suas empresas de comunicação.
Quando se trata do coronelismo eletrônico, a RB$ não sente calafrios em sentar ao lado de ACM!
(*) Funcionário público federal