PODER E PRESTÍGIO
“Instituição religiosa teve maior variação tanto em prestígio como em influência”, copyright Folha de S. Paulo, 04/01/04
“A Igreja Universal do Reino de Deus e os bancos foram as instituições que mais ganharam poder de influência no país entre 1995 e 2003 na percepção de brasileiros ouvidos pelo Datafolha.
Entre 12 instituições apresentadas aos entrevistados, a Universal foi a que maior variação teve tanto na fatia dos que a ela atribuíram muito poder (+10%) quanto muito prestígio (+17%).
Em 1995, 29% dos entrevistados atribuíam alto prestígio à igreja, enquanto em 2003, 46% deram essa resposta. Há oito anos, 39% das pessoas acreditavam que a instituição detinha muito poder de influência no país. Hoje, 49% pensam dessa maneira.
O instituto ouviu 2.950 pessoas em cinco capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre) entre os dias 8 e 12 e no dia 15 de dezembro.
Para o antropólogo Otávio Velho, especialista na relação entre religião e política, a igreja colhe os frutos de ter vingado segundo os parâmetros de sua própria ideologia, que seriam em grande medida os valores da sociedade atual.
?A Igreja Universal, nesses últimos anos, conseguiu sair do gueto de ser identificada apenas como uma igreja dos despossuídos, dos pobres. Hoje, ela alcança um espectro socioeconômico mais amplo, alcança também a classe média. Isso lhe deu visibilidade -e quase que uma dignidade maior, numa sociedade em que o respeito fica bastante associado ao sucesso?, afirma o professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
?Essa ideologia do sucesso, da prosperidade, que é uma ideologia da própria Universal, ficou associada à presença na igreja de empresários e à presença forte dela na mídia?, ele diz.
No período que coincidiu com os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e o primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva, os bancos tiveram a segunda maior variação na percepção de poder. Passaram de 54% em 1995 na fatia de respostas que lhes atribuíram muito poder para 61% em 2003.
Bancos e instituições financeiras também cresceram em prestígio. Sua variação (+13%) ficou atrás apenas do crescimento da Universal e do Executivo (+15%).
A maior percepção de poder em relação aos bancos, diz o cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), tem de ser analisada com ressalvas. ?Comparada à taxa de 1987, o poder dos bancos caiu.? Naquele ano, o primeiro em que o Datafolha fez a pesquisa, os bancos obtiveram 75% de respostas ?muito poder?, o maior índice entre as instituições. Em 92, a taxa caiu para 57%.
Catolicismo estrutural
Apesar do fortalecimento da Universal, a relativa constância do alto prestígio atribuído à Igreja Católica mostra que não se pode falar em enfraquecimento da importância do catolicismo no país.
?Se por um lado a gente fala do aumento do prestígio da Universal -e não só dela, mas de todas as igrejas evangélicas-, é preciso não cair no pólo oposto e achar que a Igreja Católica perdeu completamente o prestígio e não é mais força política e social importante?, afirma Otávio Velho.
?A presença católica no Brasil é estrutural, não é uma coisa que acaba de um dia para o outro.?
Para Reis, há ambiguidade na atribuição de prestígio à Universal, que pode trazer mesclada consigo uma avaliação de simples visibilidade maior. Quanto à percepção de maior poder de influência, o cientista político diz que é ?possível dizer que ela [Universal] cresceu grandemente?. ?Isso se traduz na capacidade de eleger bancadas no Congresso e em maior poder financeiro.?
Em 2002, a Universal chegou ao Senado ao eleger o bispo Marcelo Crivella pelo PL do Rio de Janeiro.”
“Imprensa e clubes lideram em prestígio”, copyright Folha de S. Paulo, 04/01/04
“A imprensa, os clubes de futebol e a Igreja Católica são as instituições com maior prestígio no país, segundo a pesquisa Datafolha realizada entre os dias 8 e 12 e no dia 15 de dezembro de 2003.
A imprensa foi avaliada como tendo muito prestígio por 73% dos entrevistados.
Os clubes de futebol e a Igreja Católica foram avaliados dessa maneira por 66% e 59% dos entrevistados, respectivamente.
As instituições às quais se atribui maior poder de influência são a imprensa -novamente-, o Poder Executivo (Presidência e ministérios) e os bancos e instituições financeiras.
Para 74% dos entrevistados, a imprensa tem muito poder. A Presidência (com os ministérios) é bastante poderosa para 63% das pessoas ouvidas pelo Datafolha, e 61% delas dizem a mesma coisa sobre os bancos.
Os menos
Entre as 12 instituições pesquisadas, as que têm as menores avaliações de poder entre os entrevistados são os partidos políticos, as estatais e os sindicatos. As com menor prestígio são novamente os partidos políticos e os sindicatos, além do Congresso Nacional.
Os partidos políticos teriam pouco ou nenhum poder para 54% das pessoas ouvidas pelo Datafolha, à frente no ranking apenas das empresas estatais, com 56% de pouco ou nenhum poder, e dos sindicatos, com 62%.
A instituição com menor reconhecimento de prestígio são os partidos políticos -66% dos entrevistados vêem neles pouco ou nenhum prestígio.
Os sindicatos e o Congresso são avaliados dessa maneira por 62% dos participantes.”
“Para antropólogo, pessoas estão mais dependentes das instituições”, copyright Folha de S. Paulo, 04/01/04
“Para além dos destaques da Igreja Universal do Reino de Deus e dos bancos, todas as instituições pesquisadas pelo Datafolha, em maior ou menor grau, ganharam prestígio e poder nos últimos oito anos -com a única exceção das Forças Armadas.
Se praticamente todos ganham poder, quem perde? O indivíduo, diz o antropólogo Otávio Velho.
Primeiro, há o fortalecimento: ?Com exceção das Forças Armadas, todas as instituições parecem ganhar prestígio e percepção de poder. Especulando, isso pode mostrar que as instituições hoje estão mais sólidas -a idéia, por exemplo, de que o PT ganha uma eleição e, mesmo que digam que isso pode gerar problemas, as instituições são fortes o suficiente e capazes de absorver a mudança?.
Por outro lado, ele diz, isso gera ?a sensação de que o indivíduo hoje tem menos poder e prestígio em relação às instituições?. ?Todos nós estamos hoje mais dependentes das instituições, menos autônomos?, afirma Velho.
Na atribuição de prestígio, o Poder Executivo (+15 %), os bancos (+13 %) e as empresas estatais (+11 %) foram os que mais cresceram depois da Universal (+17 %). Na percepção de poder, estatais (+6 %) e clubes de futebol (+6 %) seguiram atrás do crescimento dos bancos (+7 %) e da instituição religiosa evangélica (+10 %).
A fatia dos que atribuem muito poder às Forças Armadas -única queda da pesquisa- passou de 57% em 95 para 51% em 2003.
Velho e o cientista político Fábio Wanderley Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais, aceitaram fazer ?especulações? sobre algumas dessas variações, ressalvando que a imposição de uma lista específica -com ausências, eles dizem ? e o conceito de prestígio podem tornar ?equívocas? as interpretações dos entrevistados.
Sobre o fortalecimento das instituições em geral, Velho disse ver aí ?um lado que pode até ser positivo?: ?evita-se o personalismo em política?, afirmou.
Tanto ele quanto Reis disseram ver um hiato entre a percepção de poder e o prestígio das instituições ligadas à política.
?A proporção de pessoas que reconhece poder [nessas instituições] é maior do que aquelas que atribuem prestígio. Essa adesão menor é desfavorável do ponto de vista da dinâmica institucional?, afirma Reis.
Velho disse ?achar estranho? o crescimento da percepção de poder entre os clubes de futebol. ?Corinthians e Flamengo são o quê? É o carisma do time e da torcida que está em jogo ou o clube, no sentido mais estrito, da diretoria??, questionou.
Quanto às estatais, Reis disse que o aumento de seu prestígio e suposto poder de influência -justamente no período marcado pelas grandes privatizações (pós-1995)- poderia significar uma reação negativa às suas consequências.”
DENUNCISMO
“Imprensa ? a importância da denúncia”, copyright O estado de S. Paulo, 05/01/04
“Perguntam-me alguns, em seminários e debates, se o jornalismo de denúncia não estaria extrapolando as suas funções e assumindo tarefas reservadas à polícia e ao Poder Judiciário. Outros, ao contrário, preocupados com reiterados precedentes de impunidade, gostariam de ver repórteres transformados em juízes, promotores ou policiais.
Um exame sereno, no entanto, indica um saldo favorável ao esforço investigativo dos meios de comunicação. O despertar da consciência da urgente necessidade de um perseverante combate à corrupção representa um serviço inestimável prestado pela imprensa deste país.
Recentemente, estive em Mato Grosso. Em Cuiabá, visitei alguns jornais.
Impressionou-me a força da mídia local no desmonte do crime organizado. A imprensa, de fato, travou um combate duro e cruento contra o crime que se instalara nas entranhas do poder daquele Estado. Conversei com a viúva do jornalista Sávio Brandão, fundador da Folha do Estado. Combativo e honrado, Brandão era uma pedra no caminho criminoso do bicheiro João Arcanjo Ribeiro.
Arcanjo, que transitava com desenvoltura no meio político e empresarial do Estado, mandou matar o jovem jornalista. A morte de Brandão, no entanto, não foi mais uma. O crime sacudiu a sociedade e acordou a opinião pública. Na verdade, foi o estopim que desencadeou a faxina. Arcanjo está preso em Montevidéu e o executor do crime, o ex-cabo da Polícia Militar Hércules Araújo de Agostinho, passou o réveillon na cadeia. O juiz federal João Carlos da Rocha Mattos (Operação Anaconda) e o empresário Sérgio Gomes da Silva (acusado pelo Ministério Público de São Paulo de ser um dos mandantes do assassinato do prefeito de Santo André Celso Daniel) também estão pagando suas faturas. Bom sinal.
A exposição da chaga, embora desagradável, é sempre um dever ético. Não se constrói um país num pântano. Impõe-se o empenho de drenagem moral. E só um jornalismo de denúncia, comprometido com a verdade, evitará que tudo acabe num jogo de faz-de-conta. Os meios de comunicação existem para incomodar. Um jornalismo cor-de-rosa é socialmente irrelevante. A imprensa, sem precipitação e injustos prejulgamentos, está desempenhando importante papel na recuperação da ética.
Mas o jornalismo de denúncia, numa rigorosa prestação de serviço, pode e deve ir ainda mais longe. Resgato hoje, neste espaço opinativo, uma sugestão editorial que venho defendendo há anos. Não seria má idéia inaugurar o Placar da Corrupção. Mensalmente, por exemplo, a imprensa exporia um quadro didático dos principais escândalos: o que aconteceu com os protagonistas da delinqüência, as ações concretas ou as omissões dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Os jornais brasileiros têm cumprido um papel singular. Transformaram-se, de fato, numa instância decisiva de uma sociedade abandonada por muitas de suas autoridades. O Brasil, graças também à qualidade dos seus jornais, está experimentando uma profunda mudança cultural. A corrupção, infelizmente, sempre existirá. Faz parte da natureza humana. Mas uma coisa é a miséria do homem; outra, totalmente diferente, é a indústria da negociata e a certeza da impunidade. Estas, sem dúvida, devem e podem ser combatidas com os instrumentos de uma sociedade civilizada. E a transparência informativa representa elemento essencial na renovação dos nossos costumes.
O Brasil depende, e muito, da qualidade ética da sua imprensa. A opinião pública espera que a mídia, apoiada no crescente aprimoramento dos seus recursos humanos e na ética, prossiga no seu ânimo investigativo. Até o fim.”
FONTES ANÔNIMAS
“Editores do ?NYT? têm de conhecer identidade das fontes anónimas dos jornalistas”, copyright Público (www.publico.pt), 04/01/04
“O princípio é antigo e universal: os jornalistas devem evitar as fontes anónimas. E, quando as utilizam, devem procurar situá-las o melhor possível, para aumentar a sua credibilidade. Mas num jornal que tem de informar não apenas sobre o que as instituições querem que se saiba mas também sobre o que elas querem que não se saiba, é impossível deixar de recorrer a fontes anónimas, reconhece o novo director do ?New York Times?, Bill Keller. Só que ao lidar com fontes anónimas o jornal corre riscos, sobretudo quando confia demasiado em jornalistas que não merecem essa confiança. Como Jayson Blair, o repórter que conseguiu publicar várias histórias falsas de grande impacto porque contava com a protecção da hierarquia do jornal.
Depois do escândalo rebentar e da demissão da anterior equipa de direcção, Bill Keller, de 54 anos, iniciou um processo de mudanças que incluíram a nomeação, pelo período experimental de um ano, de um Provedor do Leitor ? algo que o ?Times? recusara durante décadas, defendendo que a qualidade da sua informação era assegurada exclusivamente pelos seus jornalistas e editores ? e alterações no modo de funcionamento interno da redacção.
?Só a equipa editorial tem 1236 pessoas, muita gente para podermos funcionar de forma demasiado centralizada e autoritária?, explicou Keller a um grupo de directores de jornais de todo o mundo que visitou recentemente o diário nova-iorquino. ?Um dos problemas que detectámos com o caso Jayson Blair é que havia departamentos que conheciam os seus defeitos como jornalista mas não comunicavam internamente com os departamentos onde ele trabalhou?, acrescentou B. Segal, um dos responsáveis pela reestruturação e pelo estabelecimento de novas normas de controle de qualidade.
Entre as novas regras que foram introduzidas está a imposição de que nenhum jornalista poderá utilizar uma fonte anónima sem que pelo menos o seu editor saiba quem é essa fonte. Quando necessário, o director pode também perguntar qual é a fonte da notícia. Este novo procedimento, que constitui uma regra escrita, implica que não só os editores confiem nos seus jornalistas como estes tenham confiança nos seus editores para com eles partilharem a identificação das suas fontes secretas. Curiosamente esta regra não causou problemas entre os redactores mas no departamento jurídico, que considerou que existindo mais jornalistas a conhecerem as fontes secretas poderá ser mais difícil assegurar a protecção dessas fontes, algo a que os profissionais da informação estão eticamente obrigados.
?Desta forma esperamos conseguir um maior rigor na identificação das fontes?, explica Segal. ?Os jornalistas terão de negociar com as suas fontes a forma como serão citadas e o jornal assume que, no limite, se não considerar essas condições satisfatórias, não publica a notícia. Preferimos perder uma notícia a publicar informação falsa?.
O jornal que no cabeçalho proclama como lema dar ?all the news that fit to print? ? ?todas as notícias que vale a pena serem publicadas? ? quer assim regressar a velhos princípios e fazer com que cada jornalista, ao escrever uma peça, se coloque no lugar de protagonista da história e avalie se se sente bem com a forma como está a ser tratado, se sente que estão a ser justos e equilibrados na forma como o tratam.”