Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Reali Júnior

ECOS DA GUERRA

“Saddam negociou rendição, diz jornal”, copyright O Estado de S. Paulo, 13/01/04

“A detenção de Saddam Hussein não resultou de uma operação dos serviços de informação americanos no Iraque, mas de uma negociação que levou o ditador a se render às Forças Armadas americanas para não cair nas mãos das milícias xiitas ou de grupos representados no Conselho de Governo iraquiano.

Essa versão foi publicada domingo pelo jornal de Bagdá Al-Azzaman (Os Tempos) e está sendo reproduzida pela imprensa européia – na França, pelo vespertino Le Monde. Perseguido obstinadamente pelas forças americanas, o ditador deposto, cansado e deprimido, principalmente após a morte de seus dois filhos, decidiu se entregar às forças americanas, interrompendo a fuga que já durava oito meses.

Segundo o jornalista iraquiano Abdul Hamid al-Saih foi Saddam que decidiu se render no sítio onde foi detido, nas imediações de sua cidade natal, Tikrit.

Segundo o jornal de Bagdá, Saddam teria enviado ao exterior um dos elementos que o acompanhavam desde a queda do regime, no dia 9 de abril, para negociar sua rendição com os americanos e apresentar umas poucas exigências com o objetivo de preservar sua vida. Entre outras coisas, Saddam exigiu garantias de que não seria executado durante a detenção; exigiu ser tratado como prisioneiro de guerra; não ser condenado à morte e não ser entregue aos membros do Conselho Provisório ou a qualquer outra autoridade iraquiana, principalmente aos religiosos xiitas.

Segundo ainda a revelação do jornal no último domingo, o presidente George W. Bush finalmente aceitou. A mesma versão lembra que Saddam deixou seu incômodo esconderijo confirmando sua identidade e dizendo estar disposto a negociar. Ele ficou mais confiante no resultado da negociação quando ouviu de um militar americano que ?Bush lhe transmitia saudações? – segundo a versão, uma senha de que tudo correria como o combinado. Um dia depois da divulgação dessa nova versão, as autoridades americanas confirmaram que Saddam e outros dirigentes do antigo regime terão o status de prisioneiro de guerra.

O reconhecimento de que que Saddam é um prisioneiro de guerra está irritando, profundamente, os membros do Conselho do Governo iraquiano.”

“A informação pelas frestas”, copyright Caros Amigos, janeiro 2004

?A imagem correu o mundo e foi repetida à exaustão: o ex-todo-poderoso líder do Iraque reduzido a um indigente, barba e cabelos desgrenhados, examinado como um animal por um americano de luvas assépticas, que lhe colhia material para o teste de DNA. Ou que, mais prosaicamente, catava-lhe piolhos, como regozijou-se Bush. Depois de quase sete meses de busca, os americanos teriam finalmente conseguido identificar o esconderijo de Saddam Hussein, capturado, afinal, sem qualquer resistência, na noite de 13 de dezembro de 2003.

Um dos raros a suspeitar imediatamente dessa história foi o jornalista Carlos Fino, da Radiotelevisão Portuguesa (RTP), que estava no Brasil naquela semana para o lançamento de seu livro, A guerra ao vivo (ed. Verbo). Primeiro repórter a anunciar o bombardeio americano a Bagdá, na madrugada de 20 de março, custava-lhe crer que Saddam tivesse aquele buraco rudimentar como refúgio. Como noticiava um site israelense, o mais provável era que o líder iraquiano tivesse sido feito refém por seus antigos colaboradores, interessados em negociar com os americanos para receber o milionário resgate prometido. Por isso, Carlos sugeriu que ali poderia haver muitos elementos de encenação.

Encenações, aliás, de que esta guerra foi pródiga: o suposto resgate da soldado Lynch, tão cinematográfico que vai virar filme; a suposta euforia popular diante da derrubada da estátua de Saddam na Praça do Paraíso, protagonizada de fato por uma maioria de americanos; ou a comovente presença do presidente Bush confraternizando com as tropas no Dia de Ação de Graças, diante de um saboroso peru de plástico. Para o repórter português, haveria também qualquer coisa de plástico neste ato final da caçada a Saddam.

Duvidar das aparências deveria ser a atitude própria a qualquer jornalista, mas a rotina das grandes corporações que conformam o exercício profissional transformam o que deveria ser regra em exceção. Especialmente no telejornalismo, que tende ao espetacular e impõe a lógica do ?tempo real?, privilegiando a transmissão ?ao vivo?, ainda que não haja novidades a informar. É assim que, por exemplo, na guerra do Afeganistão, a simples aproximação dos repórteres desencadeava uma movimentação nas trincheiras, com tiros e todos os demais ingredientes capazes de garantir a encenação para as câmeras num momento de absoluto impasse militar, que tinha o inconveniente de resultar num vazio de imagens insuportável para tamanho investimento midiático.

Carlos Fino relata esse e outros episódios em seu livro, com a elegância estilística dos contadores de histórias alentejanos e a postura crítica e algo angustiada de quem tem consciência de exercer uma profissão de fronteira, permanentemente entre a informação e a propaganda. A obra é um relato de sua experiência nos principais conflitos do pós-11 de setembro de 2001, permeado pela análise da conjuntura política, por considerações sobre as condições de trabalho e por uma série de reflexões a propósito do sentido do jornalismo, especialmente em tempo de guerra, com os constrangimentos inevitáveis a essa situação. Daí resultam mais indagações do que respostas. Provavelmente, a melhor síntese encontra-se nas páginas finais, quando o repórter, às vésperas de deixar o hotel que lhe serviu de base em Bagdá, descreve a cena em que se despede da colega búlgara com quem sofreu momentos de especial tensão e violência durante o conflito: ?quando a acompanho à porta – vela dentro de um copo para não se apagar – e a vejo afastar-se no corredor, iluminando as trevas e ao mesmo tempo sendo devorada por elas, pensei que talvez estivesse ali a imagem perfeita da nossa própria profissão?.

?Por isso acho que meu livro também se poderia chamar ?O equilibrista?, pois no fundo é disso que se trata?, diz Carlos, acostumado a malabarismos desde a juventude, quando deixou Portugal clandestinamente para escapar da repressão política do regime salazarista. Militante comunista, de formação católica, logo ficaria conhecido como ?o camarada crítico? e poucos anos depois seria desligado do partido. Iniciou a carreira como locutor da Rádio Moscou em fins de 73, frustrou-se ao não poder retornar a Portugal com o 25 de Abril (o PCP tinha o seu passaporte e só o liberou em novembro de 74), frustrou-se novamente com os rumos da Revolução dos Cravos e retornou a Moscou como correspondente da Emissora Nacional (hoje Radiodifusão Portuguesa), uma função que representaria o auge da carreira de qualquer jornalista naquela época. Mais tarde, contratado pela RTP, consolidaria sua carreira de correspondente internacional num momento decisivo da história – o fim da União Soviética e todos os conflitos daí decorrentes, na Geórgia, Nagorno-Karabach, Tchetchênia, Moldávia, Afeganistão, países bálticos. A experiência acumulada na cobertura dessas guerras o levaria aos cenários do pós-11 de setembro, que culminaram com a recente invasão do Iraque.

Nesses 30 anos de carreira, Carlos constata que o corpo de correspondentes internacionais reflete a ordem do mundo: quem domina são os ocidentais, e entre esses os anglo-saxônicos, cujas empresas determinam os fluxos de informação e a ênfase na cobertura. Por isso a guerra para eles é a guerra das luzes e explosões espetaculares, sem a face da tragédia. Daí a importância de emissoras como a Al Jazira, que investem no drama de quem sofre os bombardeios. Além disso, o avanço tecnológico mais recente permitiu circunstancialmente alguma equiparação na capacidade de competir, de modo que uma pequena equipe como a RTP pudesse suplantar gigantes como a CNN e dar o furo que a notabilizou, através do videofone. Mas tudo seria inútil sem o esforço do repórter e do cinegrafista: ?as grandes redes tinham ligações com as fontes oficiais, mas o início do bombardeio foi uma decisão inesperada do comando militar. Por isso, de repente as condições se igualaram, e quem estava de plantão na madrugada levou a melhor?.

Aos 55 anos de idade, o ?camarada crítico? considera-se hoje um ?peregrino cansado? e amargurado pela incerteza de conseguir transmitir a dor que testemunhou ao longo de todo esse tempo. Mas segue fiel ao que julga ser a missão final do jornalismo: ajudar a conhecer a verdade. Daí o permanente esforço para enfrentar as regras do jogo – mesmo numa televisão pública, que nem por isso logra fugir às leis do mercado -, de modo a ?pôr um pé na porta? e garantir alguma fresta por onde a informação possa circular.?”

“Comandantes são acusados por morte de dois jornalistas”, copyright O Estado de S. Paulo, 16/01/04

“A morte de dois jornalistas em um hotel de Bagdá por um projétil americano foi resultado de uma ?negligência criminosa? da qual o governo do presidente George W. Bush é parte responsável, concluiu ontem a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF).

O cinegrafista da Reuters, o ucraniano Taras Protsyuk, e seu colega espanhol José Couso foram mortos por um projétil disparado por um tanque americano contra o Hotel Palestine em Bagdá em 8 de abril, pouco antes do fim da guerra liderada pelos EUA.

Segundo relatório da RSF, a principal responsabilidade do ataque foi atribuída às tropas lideradas pelo general Buford Blount, comandante da 3.? Divisão de Infantaria. Para a RSF, o disparo não foi um ataque deliberado contra os meios de comunicação, mas os soldados americanos deveriam ter sido advertidos por seus superiores de que o Hotel Palestine abrigava um grande número de jornalistas. Essa informação era conhecida dos militares de alto escalão, mas não pelas tropas, destacou a organização defensora dos direitos dos profissionais dos meios de comunicação. Isso foi confirmado à RSF pelo capitão Philip Wolford, que ordenou o ataque, e pelo sargento Shaw Gibson, que realizou os disparos.

O relatório também pede a reabertura da investigação do Exército americano, que em agosto rejeitou que suas tropas atuaram de ?forma inapropriada? quando dispararam contra o hotel. (Reuters e DPA)”

“ONG culpa EUA por ataque a jornalistas”, copyright Jornal do Brasil, 16/01/04

“O governo dos Estados Unidos e o quartel-general das forças americanas no Iraque dividem a responsabilidade pela morte de dois jornalistas atingidos pelo disparo feito por um tanque contra o Hotel Palestine em Bagdá, no dia 8 de abril de 2003, segundo um relatório da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF).

Depois de ouvir as declarações dos que estavam no hotel no dia do incidente e dos repórteres que acompanhavam as tropas na ocasião, a organização publicou ontem o informe, redigido pelo jornalista Jean-Paul Mari, da revista francesa Nouvel Observateur. De acordo com o documento, o quartel do general Buford Blount, comandante da 3? Divisão de Infantaria, ?possui grande responsabilidade? por não ter repassado às suas fileiras a informação que recebera sobre a presença da imprensa no local.

Os dois jornalistas mortos foram o cinegrafista ucraniano Taras Protsyuk, 35 anos, da agência de notícias Reuters, e o espanhol José Couso, 37 anos, do canal de TV Telecinco.

A organização considera que o disparo contra o Hotel Palestine, onde estavam os dois jornalistas, não foi ?um tiro deliberado contra a imprensa em Bagdá?, mas que os militares americanos não tinham sido informados sobre a presença de um grande número de profissionais no local.

– Se soubessem, não teriam disparado – opinou a RSF, isentando o capitão Philip Wolford, que autorizou o tiro, e o sargento Shawn Gibson, que atirou, de qualquer responsabilidade no caso.

Segundo a organização, os dois militares confirmaram em seus testemunhos que o disparo não foi uma resposta a tiros procedentes do hotel. Ambos disseram que a 3? Divisão de Infantaria, da qual fazem parte, estava buscando um observador da artilharia iraquiana quando ocorreu o incidente.

– Em níveis superiores, o poder político, ou seja, o governo americano, sim, é responsável – ressaltou a RSF.

De acordo com o informe, intitulado ?Dois assassinatos por uma mentira?, a tese oficial de ?legítima de defesa em resposta a disparos diretos procedentes do Hotel Palestine, apresentada, afirmada e mantida até pelos mais altos níveis do governo americano, é uma mentira de Estado?.

Para a RSF, a administração americana no Iraque centrou suas explicações unicamente nas regras de combate, omitindo o elemento essencial que gerou o incidente.

Segundo a porta-voz da agência Reuters, onde trabalhava um dos jornalistas mortos, as principais conclusões do relatório da RSF coincidem com as descobertas da investigação independente feita pela própria agência de notícias, que identificou uma falha de comunicação entre os comandantes e as tropas no campo de batalha.

Quatro meses depois do acidente, um relatório final das investigações americanas livrou o exército de qualquer culpa ou erro de julgamento. A RSF, que considera que esta conclusão apresenta uma verdade parcial dos fatos, pediu ontem a retomada das investigações.”

“RSF denunciará nos EUA ataque a hotel de jornalistas no Iraque”, copyright EFE, 15/01/04

“A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) anunciou nesta quinta-feira (15/01), que apresentará uma denúncia civil nos Estados Unidos pelos disparos contra o Hotel Palestina de Bagdá que mataram o cinegrafista espanhol José Couso e seu colega ucraniano Taras Protsyuken, no dia 8 de abril do ano passado.

Esta será a segunda denúncia sobre o caso -a primeira foi apresentada na Espanha pela família de Couso-, cujo objetivo será ?obter uma reparação econômica para as famílias, que significará um reconhecimento do Exército e do Governo dos Estados Unidos de sua responsabilidade? nos fatos, declarou à EFE o responsável da RSF para o Oriente Médio, Séverine Cazes.

Cazes afirmou que estão trabalhando com um advogado americano para determinar contra quem deve ser apresentada a denúncia, mas que de forma alguma será contra os soldados que fizeram os disparos.

O anúncio da demanda foi feito no término da apresentação para a imprensa do relatório elaborado pela organização defensora da liberdade de imprensa sobre os disparos ao hotel e que acusa de ?negligência criminal? o Exército dos Estados Unidos já que não informou aos soldados da presença de jornalistas no Palestina.

?Consideramos que houve uma negligência, porque o Hotel Palestina não estava assinalado nos mapas dos soldados como um lugar que não deveria ser atacado, e este erro teve conseqüências fatais porque duas pessoas morreram?, indicou Cazes.

O relatório da RSF foi enviado aos advogados da família de Couso para que possa servir na demanda que apresentaram ante os tribunais espanhóis.

?Não somos nem juristas nem policiais: somos jornalistas. Não acusamos ninguém, mas fornecemos elementos para o julgamento. Esperamos que este relatório ajude a esclarecer os fatos?, assegurou o secretário-geral da RSF, Robert Ménard.

É ?inconcebível que a maior democracia do mundo (EUA) não tenha esclarecido a morte de dois jornalistas?, declarou.

A investigação, dirigida pelo jornalista francês Jean-Paul Mari, que cobriu para a revista ?Le Nouvel Observateur? a guerra do Iraque, qualifica de ?mentira de Estado? as explicações oficiais do Exército americano, segundo as quais o ataque foi a resposta a uma ameaça inimiga do hotel.

?Os soldados puderam pressentir que alguém os observava da varanda do hotel, mas se soubessem que ali estava hospedava a imprensa internacional a morte dos jornalistas poderia ter sido evitada. Acreditamos que a Justiça deve determinar por que não foi informado aos soldados da presença em massa de jornalistas no hotel?, disse Mari à EFE.

O jornalista questionou toda a hierarquia militar, ?desde o motorista do carro de combate até o nível mais alto?, para determinar ?em que ponto foi rompida a cadeia de informação?.

?Sabemos que os soldados ignoravam que havia imprensa no edifício, mas o general Buford Blount, comandante da terceira divisão de infantaria à qual pertencia o tanque que disparou, sabia. Por que não comunicou aos soldados? Isso deve ser determinado pela Justiça?, assinalou.

Para Mari, o problema é que ?durante meses as autoridades americanos criaram um clima no qual a única imprensa que existia era a que estava ?integrada? (nas unidades), que era reconhecida oficialmente. O resto, aos quais recomendaram que abandonassem Bagdá em várias ocasiões, não existia?.

?Eu não posso dizer que os disparos contra o Palestina foram um aviso a toda a imprensa ?não integrada?, da qual eu mesmo fazia parte, isso não pode ser provado. O que está claro é que José Couso e Taras Protsyuken eram dois repórteres que faziam seu trabalho e que o Exército dos Estados Unidos não podia disparar contra eles?, acrescentou.

Ao longo de várias semanas, Mari investigou as circunstâncias nas quais ocorreram os tiros feitos por um tanque americano da ponte Al-Joumhouriya contra o Hotel Palestina, situado a 1.740 metros de distância e que mataram dos dois repórteres.”