FARC vs. OI
“Observatório da Imprensa conivente com o estado narco-terrorista da Colômbia”, copyright Rede Solidária Antiimperialista (informativo distribuído na internet pelo e-mail redesolidaria04@hotmail.com), 1/09/03
“Alberto Dines se deslegitima como mediador ao assumir a postura antiética da mídia contra as FARC-Exército do Povo
Talvez para a surpresa de muitos dos seletos telespectadores do ?Observatório da Imprensa?, que vai ao ar todas as terças-feiras pela Rede Pública de Televisão, o programa do dia 26 de agosto de 2003, cujo tema era ?Terrorismo e Mídia?, tenha sido um marco na caracterização da postura ideológica e ética do programa, bem como do perfil do caráter do seu editor, Alberto Dines.
No editorial de sua autoria intitulado ?Terror quer a mídia, mídia entrega-se ao terror?, Alberto Dines tenta convencer os telespectadores de que o atentado da resistência iraquiana contra a sede da ONU em Bagdá, que vitimou o nosso compatriota Sérgio Vieira de Mello, foi uma ação propagandística e ?narcisista? para promover os ?pretextos? dos seus autores, descontextualizando-a propositalmente do quadro de ódio e rancor que o povo iraquiano sentia e sente pelos invasores norte-americanos e pela própria ONU, desde a ?Primeira Guerra do Golfo?, quando essa Organização legitimou a invasão e agora deu as ?boas vindas? ao chamado Conselho de Governo, imposto pelos EUA.
Por outro lado, no mesmo editorial, o senhor Alberto Dines, ao assumir posições típicas da mídia pró-imperialista e do ?jornalismo canalha?, procura desqualificar as entrevistas dos jornais liberais Folha de São Paulo e ?Estadão?, com o Comandante Raúl Reyes, qualificando-as de ?show internacional pró-terrorismo?. No entanto, o mais grave na nova postura ideológica do ?Observatório da Imprensa?, reflete-se na mentira pura e simples de Alberto Dines ao acusar a revista Carta Capital de ter impedido a libertação da senadora Ingrid Betancourt, em poder das FARC-Exército do povo como prisioneira política de guerra sujeita a troca por guerrilheiros presos. A esse respeito esta REDE SOLIDÁRIA ANTIIMPERIALISTA já publicou o comunicado oficial das FARC-EP sobre o fato.
?… a crítica da mídia só se legitima quando ela é feita voltada para o público que consome a informação, para o cidadão que lê, que precisa ser informado corretamente…?. Alberto Dines
Esta Rede Solidária envia há mais de três anos ao ?Observatório da Imprensa?, obstv@tvebrasil.com.br, materiais informativos sobre o conflito interno dos colombianos com a visão dos revolucionários do país irmão. No entanto, ao assumir posições preconceituosas e mesmo mentirosas e reacionárias em uma Rede Pública de Televisão cujo compromisso deveria ser precisamente ?pedagógico?, como queria Sérgio Vieira de Mello, contra uma organização revolucionária marxista-leninista e bolivariana que luta há 39 anos contra o Terrorismo de Estado dos governos da oligarquia liberal-consevadora da Colômbia, Alberto Dines se desqualifica como mediador de um programa idealizado por ele mesmo para defender a ética jornalística e o direito da cidadania de formar sua opinião criticamente, portanto de ?nunca mais ler jornal do mesmo jeito?.
Ao ler as entrevistas dos dois jornais, que anexamos abaixo, os nossos leitores poderão tirar suas próprias conclusões.”
Nota do OI:
O anônimo redator do “Rede Solidária Antiimperialista” comete em seu texto uma manipulação grosseira ao se referir ao artigo publicado por Alberto Dines na edição do Observatório da Imprensa na Internet como se fosse este o editorial lido no programa Observatório da Imprensa na TV. Não era, e o redator ou não assistiu ao programa ? e, portanto, escreve sobre o que não viu ? ou assistiu e agiu de má-fé ao escrever o texto acima. O “Rede Solidária” se irritou com este Observatório, mas não parece se irritar com os dois diários paulistas ? qualificados pelo missivista de “liberais” ? que tratam recorrentemente as Farc-EP como grupo terrorista.
O artigo do editor responsável Alberto Dines em questão
condena com veemência o terrorismo ? qualquer espécie
de terrorismo, inclusive o de Estado. Onde o redator da “Rede Solidária”
viu, naquele texto, uma postura antiimperialista e a assunção
de posições antiéticas contra as Farc-EP é
realmente um mistério.
O compromisso deste Observatório com os valores democráticos e com a liberdade impõe a publicação, neste espaço, do estapafúrdio ataque do “Rede Solidária”, a fim de que os leitores possam tirar suas próprias conclusões.
“Nem sabia que Fernandinho Beira-Mar vendia armas”, copyright O Estado de S. Paulo, 24/08/03
“Raúl Reyes, o segundo principal dirigente das Farc, se dispôs a conceder mais de uma hora de entrevista exclusiva ao Estado. O líder guerrilheiro tem a fala mansa e um tom monocórdio, que só abandona diante de perguntas em que se abordam temas mais sensíveis, como a relação da guerrilha com o narcotráfico e as inúmeras acusações feitas pelo governo colombiano de que o grupo rebelde viola direitos humanos. A todas essas acusações, Reyes rebate e devolve ao Estado colombiano.
O guerrilheiro tem 53 anos e está nas Farc há 22. Mas diz que há 35 anos atua como ?militante revolucionário?. Seus comandados se aproximam de modo respeitoso, mas informal. Não se percebe o festival de continências normalmente dirigido por subordinados a oficiais de um Exército regular.
Durante toda a entrevista, Reyes manteve-se sentado diante do repórter do Estado. A concentração só era quebrada quando algum dos pequenos mosquitos que habitam a selva pousava em seu rosto. À mesa, tinha uma pilha de documentos das Farc, alguns dos quais exibia ao repórter para ilustrar suas teses.
Estado – O sr. acredita que exista alguma possibilidade de retomar negociações de paz ainda sob a administração de Álvaro Uribe?
Raúl Reyes – As Farc já encaminharam uma proposta, mas ainda não obtivemos nenhuma resposta por parte do governo. As Farc pediram a desmilitarização dos departamentos de Caquetá e Putumayo para iniciar um diálogo. Já pedimos ao governo também que renuncie à linguagem com a qual se dirigem a nós, com palavras ofensivas.
Estado – As palavras ofensivas são ?terroristas?, ?bandidos?…
Reyes – Terroristas, narcoterroristas, bandidos, violentos e coisa parecida. E pedimos também que o governo se comprometa a combater o paramilitarismo, pois ele é uma política do Estado colombiano que afeta o povo colombiano. E que se faz nos quartéis do Exército e da Polícia nacional.
Sobre estas propostas de diálogo, o sr. Uribe ainda não deu uma resposta, pois ele só pensa na guerra. É um homem que pensa um dia conseguir exterminar a guerrilha. Que vai conseguir acabar com a fome assassinando os famintos.
Estado – Uribe os acusa de serem terroristas por causa de ações com carro-bomba como, por exemplo, à do Club El Nogal, em Bogotá. As Farc realizam hoje em dia ataques com explosivos contra objetivos civis e contra os equipamentos da infra-estrutura da Colômbia?
Reyes – Não é verdade que as Farc tenham qualquer responsabilidade em El Nogal. As Farc lançaram um comunicado público à imprensa, onde dizem que não têm nenhuma responsabilidade sobre o ataque. E o governo até hoje não pôde dizer quem é o responsável por este ataque, apesar de ter um serviço de inteligência que deve saber muito sobre a questão. Limitaram-se a responsabilizar um senhor que está morto (o instrutor de squash do clube que teria conduzido o carro-bomba ao estacionamento do prédio). Os mortos não podem defender-se.
Estado – As Farc não realizam nenhuma operação semelhante à do El Nogal? Com explosivos, carros-bomba, etc.?
Reyes – (O comandante faz uma pausa e parece incomodar-se com a insistência nas perguntas sobre o tema) As Farc realizam operações militares contra a força pública e os aparelhos do Estado. Contra os organismos de inteligência, o Exército, a polícia, etc. São ações militares, pois consideramos que estamos em guerra contra o Estado.
Estado – Por que razão o sr. acha que Uribe insiste em qualificar as Farc como terrorista?
Reyes – O objetivo é buscar a ampliação do Plano Colômbia, para envolver os americanos na luta contra a guerrilha. Com essa qualificação, Uribe tenta justificar as agressões do Estado. As ações do Exército e da polícia bombardeiam, metralham e massacram a população. E faz isso para justificar o pedido de mais ajuda dos EUA. Por isso pede permanentemente mais dólares aos EUA. Nessa semana, esteve aqui na Colômbia um alto funcionário do sr. George Bush (o secretário americano de Defesa, Donald Rumsfeld). Uribe está pedindo a ele mais dinheiro para a guerra e mais assessoria militar. E como não pode mostrar resultados na luta contra a guerrilha, ele lhe disse muitas mentiras. Fala de uma grande quantidade de guerrilheiros mortos, capturados, de milhares de rebeldes que desertaram das Farc. E isso não é verdade.
Estado – O próprio Uribe é um alvo militar para as Farc?
Reyes – Ele declarou guerra às Farc. Quando se declara uma guerra a algum movimento, não se pode esperar que esse movimento não reaja com ações de guerra. Não temos pressa para nada. Tudo acontecerá em seu tempo.
Estado – O que motivou a ruptura do último processo de diálogo, em fevereiro do ano passado?
Reyes – Pergunte ao ex-presidente Andrés Pastrana, que tomou essa decisão unilateralmente. Sobre isso não foi consultada a outra parte que estava na mesa, as Farc. Pastrana resolveu romper o diálogo porque considerou que era necessário fortalecer o bipartidarismo colombiano, por meio da candidatura de Uribe. Pastrana rompeu o processo de paz para que seu Partido Conservador passasse a apoiar a candidatura de Uribe – que pregava a política de radicalização das ações do Estado contra a guerrilha.
Estado – Mas antes da ruptura, houve a operação de seqüestro do vôo no qual viajava o senador Jorge Gechén, hoje em poder das Farc. O sr. acha que essa operação foi um erro político?
Reyes – (A voz do comandante se altera e ele adota um tom mais enfático ao expor suas opiniões) Foi um equívoco político de Pastrana. E eu posso te explicar: concordamos as duas partes em iniciar um diálogo político em meio da guerra. Como isso pode ser traduzido? Que estávamos dialogando em cinco municípios desmilitarizados, mas, no restante do país havia confrontação armada. E as Farc não firmaram, assim como o governo, nenhum acordo de paz.
A Colômbia tem 1.098 municípios. Tínhamos 5 municípios desmilitarizados para dialogar, mas nos restantes 1.093 municípios havia confronto. A captura do sr. Gechén ocorreu fora desses cinco municípios, assim como fora dos cinco municípios foram mortos centenas de guerrilheiros. E as Farc nunca se levantaram da mesa por causa da morte desses guerrilheiros nas mãos do Exército. Porque fomos muito responsáveis e aceitamos dialogar em meio a uma guerra.
Estado – Disso se presume que um futuro diálogo será inviável sem que acerte antes um compromisso de cessar-fogo?
Reyes – O ideal seria que começássemos uma conversa no futuro depois de chegarmos a uma trégua bilateral. Isto é, o Exército e todo o aparato do Estado – incluindo os paramilitares – parariam com suas ações militares contra as Farc e vice-versa. Esse seria o melhor cenário para o processo.
Acontece na Colômbia, desde a administração de Belisario Betancourt, principalmente após a administração de César Gaviria, o governo da Colômbia só concorda em dialogar em meio à guerra. Bem, se queremos dialogar e buscar uma saída alternativa à guerra, está bem, vamos dialogar. Mas desmilitarizemos uma área para podermos dialogar ali, porque é difícil dialogarmos com os tiros voando por todos os lados. No entanto, quando a guerrilha seguiu atuando fora da área desmilitarizada, defendendo-se das ações do Exército, disseram que a guerrilha não estava fazendo ?um gesto de paz?.
Estado – O governo acusou as Farc de utilizarem a zona desmilitarizada como base para suas operações de seqüestro, como cativeiro e como campo de treinamento para ações guerrilheiras no restante do país, até mesmo com a presença de estrangeiros do IRA e da ETA…
Reyes – Não é verdade. Isso desafia a lógica. A maior parte das operações se dava muito longe da zona desmilitarizada, mas acusavam as pessoas que estavam ali de organizar ações que se desenvolviam em La Guajira, por exemplo, perto da fronteira com a Venezuela. Os homens do IRA que foram capturados pelo Estado tinham ido à zona desmilitarizada para analisar o processo de paz que desenvolvíamos ali e compará-lo com o processo norte-irlandês. São agentes político e não especialistas em explosivos, como o governo quer fazer crer. Não desrespeitamos em nenhum momento o estatuto sob o qual foi concebida a zona desmilitarizada.
Estado – As Farc negociaram em algum momento a libertação da ex-senadora e ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt?
Reyes – Não há nada de verdade no que foi noticiado nos últimos dias sobre a possível libertação da sra. Betancourt. Pura mentira em toda essa história.
Aqui tenho um comunicado emitido pelas Farc sobre a situação da ex-senadora. Tudo o que for diferente do que consta aqui (no comunicado) é falso. (Reyes começa a ler a nota oficial e é interrompido pelo repórter).
Estado – Ninguém da família da ex-senadora entrou em contato com as Farc para negociar sua libertação em território brasileiro?
Reyes – Ninguém. Posso te assegurar. As Farc estão pedindo que a sra. Betancourt tome parte de um grupo de prisioneiros que possa ser trocado por guerrilheiros que estão nas prisões do Estado. Também estão nesse grupo os três militares americanos que foram capturados depois que seu avião foi abatido durante uma missão de espionagem.
Estado – Como está a senadora hoje?
Reyes – Muito bem de saúde. Com bom ânimo e bom humor. Mas aborrecida por perceber que Uribe não tem nenhum interesse em resolver o problema dos prisioneiros. (Reyes continua a ler o comunicado) ?As Farc expressam seu total desconhecimento sobre a suposta operação envolvendo França e Brasil para a libertação da sra. Ingrid Betancourt. Trata-se de uma ação da inteligência colombiana, comandada pelo sr. Uribe, com a finalidade de enganar as comunidades nacional e internacional e nos indispor com países amigos, como França e Brasil.?
Estado – Não há nenhuma possibilidade de se libertar a ex-senadora por razões humanitárias?
Reyes – Não, porque não se justifica uma libertação por razões humanitárias. E se isso fosse justificável, só se libertaria a sra. senadora se algum rebelde preso também fosse libertado por razões humanitárias. Também quero dizer a nossos amigos brasileiros e franceses de que a versão de que a sra. Ingrid Betancourt seria libertada em troca de tratamento de saúde para mim na França ou em qualquer outro país não é correta. Você está na frente do comandante Raúl Reyes (diz, dirigindo-se ao repórter) e pode ver que não tenho nenhum problema de saúde. Pareço doente? Aí se pode ver a grande mentira que armaram.
Estado – Há notícias de que as Farc estão reforçando suas frentes de combate na região da fronteira com o Brasil. O sr. confirma isso?
Reyes – As Farc só realizam operações no território colombiano.
Estado – Mas há mais frentes da guerrilha se dirigindo à região da fronteira com o Brasil?
Reyes – As frentes das Farc estão se deslocando constantemente e em várias direções. Sobre isso só posso reiterar que as Farc só atuam militarmente no território colombiano. O que acontece é que existe uma campanha do sr. Uribe para envolver países vizinhos numa guerra que ele promove contra as Farc e o povo colombiano. Para mostrar as Farc como uma entidade perigosa para toda a região.
Estado – As Farc têm dezenas de frentes espalhadas por toda a Colômbia, que é um país de geografia e comunicação muito difícil. Essas frentes estão plenamente subordinadas ao comando central?
Reyes – Naturalmente, cada comando regional tem uma grande autonomia, mas essa autonomia está controlada pela direção nacional, pois as Farc são uma organização revolucionária muito coesa que tem uma estrutura de comando e planos a desenvolver. Por isso a orientação de não realizar operações militares fora da fronteira é uma obrigação para todas as frentes e a isso corresponde cada um dos comandantes regionais.
Estado – Em nenhum momento, nenhuma das frentes das Farc tiveram vínculos com o narcotráfico? As Farc vendem ou venderam serviços de segurança para cartéis de drogas?
Reyes – Não (o comandante volta ao tom mais enfático). As Farc o que fazem é cobrar impostos nas regiões sob seu domínio. Cobramos impostos dos comerciantes, incluindo os traficantes. Um dos problemas maiores que temos na Colômbia é que os grandes latifundiários são traficantes, os grandes comerciantes são traficantes, vários senadores chegaram ao Congresso com o dinheiro do narcotráfico. Presidentes colombianos chegaram ao cargo pelas mãos do tráfico. Generais do Exército traficam. Fazendeiros compram terras e milhares de cabeças de gado com o dinheiro do tráfico. De todos, as Farc cobram impostos. Não podemos deixar de cobrar impostos dos que se utilizam do tráfico, pois a economia colombiana se move com o dinheiro das drogas.
Estado – As Farc em algum momento compraram armas de Fernandinho Beira-Mar?
Reyes – Nenhuma. Nem sabia que ele vende armas. Ele vende armas? Então tem algo que interessa a nós (o comandante solta uma gargalhada). Falando sério, nunca. Aqui na Colômbia chegam bandoleiros de todos os tipos, e as Farc estão presentes em todo o país. O fato de ele ter estado em nosso território não significa que tenhamos negócios com ele.
Estado – O sr. há pouco mencionou a presença de Donald Rumsfeld na Colômbia nos últimos dias. Ele poderia ser um alvo militar das Farc?
Reyes – Bem, eles declararam a guerra contra as Farc. Esses três americanos que estão em nosso poder não estavam por aqui vendendo escapulários nem quadros da Virgen del Cármen. Estavam em missão de inteligência para o Estado colombiano e para o Estado gringo.
Estado – O sr. crê que as razões que motivaram o início deste conflito há quase 40 anos se mantêm hoje?
Reyes – Se mantêm e são mais profundas hoje, pois a burguesia colombiana está roubando ainda mais do povo colombiano. Na Colômbia, existem muito mais pobres hoje, mais desempregados e mais impostos por parte do Estado. O governo de Uribe entregou a soberania e a dignidade de nosso povo aos EUA. A Colômbia está hipotecada no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial. O país tem uma crise econômica, política e social que este governo não vai poder resolver. E são essas as razões de nossa luta desde 1964, que seguem vivas hoje. Por isso nosso compromisso é o de seguir lutando pelo tempo que for necessário, até conseguirmos nosso objetivo de alcançar poder político para o povo. E as Farc têm a vantagem de não ter limitante de tempo. A Uribe, só restam três anos de governo. As Farc têm todo o tempo que necessitarem para alcançar sua meta de chegar ao poder. As Farc irão ao governo e serão o poder na Colômbia. E então terão de partir da Colômbia aqueles que estão roubando o país e o povo colombiano.
Estado – Então o sr. acredita em uma solução militar para este conflito…
Reyes – Creio numa solução política. As Farc são uma organização político-militar. Que faz uso das armas forçada pelo Estado colombiano. É bom que o povo do Brasil saiba que as Farc iniciaram um diálogo de paz em 1982 e se criou a União Patriótica, um movimento político, do qual também participava o Partido Comunista. E o Estado colombiano aproveitou-se da desmobilização militar para assassinar mais de 4.500 de seus dirigentes. Hoje, na Colômbia, ninguém responde por esses crimes que estão impunes. Essa é a razão pela qual retomamos a luta armada. Porque não se deixou um espaço para que nos expressássemos legalmente, como há no Brasil, na Venezuela e em outros países – onde o povo, por meio de eleições, pode participar do processo político. De 1986 até hoje, houve na Colômbia mais de 2 mil dirigentes sindicais assassinados, todos os casos estão impunes. Aqui, não deixariam viver meu grande amigo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele seria assassinado. Por sorte, no Brasil a é situação diferente e ele pôde chegar à presidência do país mais importante da região.
Estado – Como estão sendo recebidos no exterior seus esforços para envolver a comunidade internacional e a ONU na facilitação de um processo de paz? O sr. obteve alguma resposta do secretário-geral da ONU, Kofi Annan, em sua solicitação de uma reunião com ele?
Reyes – Enviamos duas cartas. A primeira aos países integrantes do Grupo do Rio. Explicamos a esses países qual era, na nossa visão, uma forma de resolver o conflito interno da Colômbia e esclarecendo que esse conflito não tinha como afetar Brasil, Venezuela, Equador, Peru e Panamá, nossos vizinhos. A segunda, ao secretário-geral, cuja resposta foi muito positiva. Disse que estava disposto a nos ver. Inicialmente, a ONU indicou que poderíamos nos encontrar no Brasil. Nós ficamos muito felizes de que o cenário desse encontro pudesse ser o Brasil, nosso irmão maior aqui. Mas explicamos também ao secretário que gostaríamos muito de expor nosso ponto de vista em uma sessão da Assembléia-Geral das Nações Unidas, sem descartar a possibilidade de um encontro no Brasil.”
“?As Farc têm todo o tempo do mundo?, diz comandante “, copyright Folha de S. Paulo, 24/08/03
“Leia a seguir entrevista concedida à Folha na última terça-feira pelo comandante das Farc Raúl Reyes em algum ponto da Amazônia colombiana. Folha – A Fundação Segurança e Democracia divulgou dados comparativos entre o primeiro semestre do governo Uribe, em 2003, e o primeiro semestre de 2002, ainda sob o governo Pastrana, que mostram uma intensificação das ações militares do governo e um recuo das Farc. Por que isso ocorreu?
Raúl Reyes – Não sei, não tenho idéia, mas lhe digo: de onde eles tiram essa informação? Da inteligência militar, que fala de milhares de guerrilheiros mortos, de guerrilheiros desertores, feridos, o que não é verdadeiro. Mas as Farc não estão competindo para ver quantas ações fazem, temos um plano próprio que não pode ser submetido à avaliação das autoridades colombianas. As Farc realizam suas ações quando consideram necessárias.
O grave problema para Uribe é que só faltam três aninhos para governar, e as Farc têm todo o tempo do mundo, são 39 anos de luta. Levaremos todo o tempo necessário para alcançar nossos objetivos. A pressa é do sr. Uribe. Não é da competência das Farc ver quem mata mais.
Folha – No mês passado, o sr. anunciou o envio de uma proposta de negociação à ONU. Qual foi o teor dessa proposta?
Raul Reyes – O que temos pedido é uma negociação de paz com o Estado colombiano. Com um governo que esteja interessado em investir na paz, e não em continuar a guerra, não em continuar a eliminação dos colombianos como está fazendo Uribe. As Farc propõem iniciar um diálogo, mas depois que o governo desmilitarizar dois Departamentos [Estados], Caquetá e Putumayo.
O que solicitamos à ONU é que, assim como tem ouvido várias vezes o governo colombiano e o próprio Uribe, que também nos receba como uma nação política, revolucionária e de oposição ao governo colombiano para explicarmos o nosso ponto de vista.
Folha – As Farc já receberam alguma resposta da ONU?
Reyes – Sim, recebemos do próprio secretário-geral [Kofi Annan] uma resposta muito positiva, dizendo que tem o maior interesse em estabelecer um diálogo conosco e insinuou que poderia ser no Brasil. Gostaria muito que fosse no Brasil, um país irmão da Colômbia. Mas não há nenhuma definição até agora, nem por parte da ONU nem por parte das Farc.
Folha – Essa proposta de negociação não é um recuo das Farc?
Reyes – Não, de forma alguma, as Farc não erraram porque foi Pastrana quem interrompeu o diálogo. A comunidade internacional sabe que as Farc até a última hora enviaram propostas viáveis para a continuidade do diálogo, mas o governo já tinha decidido liquidar o processo de paz.
Folha – A ruptura ocorreu após as Farc terem seqüestrado o senador Jorge Gechem Tubay. Uma ação dessas não é um convite à interrupção das negociações?
Reyes – Não, porque os diálogos ocorriam em meio à guerra. Não havíamos assinado nenhum cessar-fogo bilateral.
Folha – Mas o senador não era um alvo militar.
Reyes – Na Colômbia os senadores legislam contra o povo, pressionam os trabalhadores com mais impostos, aprovam leis contra a insurgência, aprovam todas as leis repressivas.
Folha – Como as Farc definem uma ação militar legítima?
Reyes – O objetivo é a captura desses senadores e deputados para conseguir a liberação dos guerrilheiros e guerrilheiras que estão nas prisões colombianas. O governo tem se negado a assinar um acordo de troca humanitária.
Folha – As Farc são acusadas de executar atos terroristas em cidades, como o ocorrido em fevereiro, em Bogotá, com 36 mortos.
Reyes – As Farc não têm nenhuma responsabilidade sobre essa ação em Bogotá. Mas, logo depois que os EUA decidiram classificar como terroristas todas as organizações contrárias à sua política, na Colômbia, Uribe também chama de terroristas todas as ações que interessam ao povo.
Folha – Como tem sido o contato entre as Farc e o governo do Brasil?
Reyes – Agora, nenhum. Estamos muito interessados em um contato direto, porque as Farc têm como política estabelecer relações políticas com governos, para explicar a eles que temos uma política que consiste em não realizar operações militares fora do território colombiano.
Folha – Qual é a sua avaliação do governo Lula?
Reyes – Tenho muita esperança em que o governo Lula se transforme num governo que tire o povo brasileiro da crise. Lula é um homem que vem do povo, nos alegramos muito quando ele ganhou. As Farc enviaram uma carta de felicitações. Até agora não recebemos resposta.
Folha – Vocês têm buscado contato com o governo Lula?
Reyes – Estamos tentando estabelecer -ou restabelecer- as mesmas relações que tínhamos antes, quando ele era apenas o candidato do PT à Presidência.
Folha – O sr. conheceu Lula?
Reyes – Sim, não me recordo exatamente em que ano, foi em San Salvador, em um dos Foros de São Paulo.
Folha – Houve uma conversa?
Reyes – Sim, ficamos encarregados de presidir o encontro. Desde então, nos encontramos em locais diferentes e mantivemos contato até recentemente. Quando ele se tornou presidente, não pudemos mais falar com ele.
Folha – Qual foi a última vez que o sr. falou com ele?
Reyes – Não me lembro exatamente. Faz uns três anos.
Folha – Fora do governo, quais são os contatos das Farc no Brasil?
Reyes – As Farc têm contatos não apenas no Brasil com distintas forças políticas e governos, partidos e movimentos sociais. Na época do presidente [Fernando Henrique] Cardoso, tínhamos uma delegação no Brasil.
Folha – O sr. pode nomear as mais importantes?
Reyes – Bem, o PT, e, claro, dentro do PT há uma quantidade de forças; os sem-terra, os sem-teto, os estudantes, sindicalistas, intelectuais, sacerdotes, historiadores, jornalistas…
Folha – Quais intelectuais?
Reyes – [O sociólogo] Emir Sader, frei Betto [assessor especial de Lula] e muitos outros.
Folha – No Brasil, as Farc têm a imagem associada ao narcotráfico, em especial com o traficante Fernandinho Beira-Mar. A Polícia Federal concluiu que ele esteve na área das Farc junto com Leonardo Dias Mendonça. O sr. confirma?
Reyes – Não sou um policial, sou um revolucionário. A Colômbia não é tão grande como o Brasil, mas tem 1.142.000 km?, e as Farc estão presentes em todo o país. Qualquer um que chegue do Brasil, da Europa ou dos EUA a qualquer um dos Departamentos da Colômbia, pode vir a ter contato com a guerrilha.
Folha – A PF afirma que as Farc forneceram cocaína a Fernandinho em troca de armas.
Reyes – A polícia diz qualquer coisa, porque recebe ordens para dizer e inventar coisas.
Folha – As Farc mantêm relação com traficantes brasileiros?
Reyes – Que eu saiba, nenhuma. Isso faz parte da campanha para justificar o que os EUA estão fazendo na Colômbia, intervindo nos assuntos internos do país. Mas os EUA não combatem o narcotráfico em seu próprio território. Os camponeses colombianos produzem coca e papoula, são trabalhadores da terra. Quem compra? Os narcotraficantes do mundo. E quem consome? Os gringos.
Folha – Qual é a relação entre as Farc e os traficantes que compram droga dos camponeses?
Reyes – As Farc cobram imposto desses comerciantes, que compram dos camponeses. Não apenas dos que vendem coca, mas também dos que produzem grandes quantidades de soja, arroz, milho. Não se cobra dos camponeses, mas dos comerciantes.
Folha – As Farc têm sido acusadas de produzir sua própria coca.
Reyes – Absolutamente falso, as Farc são uma organização revolucionária, que luta pelo poder. Produzimos alimentos para nossos guerrilheiros. A cocaína é um veneno.
Folha – Recentemente, houve um grande problema diplomático entre Brasil e França por causa de uma suposta negociação daquele país com as Farc para libertar a ex-candidata a presidente Ingrid Betancourt. As Farc negociaram com o governo francês?
Reyes – Nenhuma negociação. Tudo o que nós sabemos foi o que saiu na imprensa. A notícia nos surpreendeu. Ela está muito bem de saúde e de ânimo, mas está triste, como estão todos os que não recuperaram sua liberdade, alguns nos presídios do Estado colombiano, tristes porque não podem sair de lá. Os que estão na selva também estão tristes. Por isso, estão muito interessados na troca de prisioneiros para que todos recuperem sua liberdade.
Folha – Que relação as Farc mantêm com o governo venezuelano?
Reyes – Estamos propondo ao governo de Hugo Chávez uma explicação sobre a política das Farc em relação aos países vizinhos.
Folha – Existe contato ou não?
Reyes – Temos informações muito positivas sobre Chávez, um bolivariano patriota que luta pela dignidade do seu povo. Nós o admiramos muitíssimo.
Folha – O sr. acredita numa intensificação da ajuda militar americana à Colômbia?
Reyes – É possível que aumente, é o que tem feito o sr. Bush e é o que Uribe está pedindo aos gritos. Ele está desesperado porque não pode alcançar nenhum resultado contra a guerrilha. Uribe é um fantoche norte-americano. Funcionários americanos vêm à Colômbia em romaria para ver se Uribe está realizando as tarefas direito.”