NO COLO DOS SÁBIOS
Paulo Lima (*)
O rito de mediar a realidade sinuosa e complexa é realizado pelo jornalismo mediante seu idioma próprio ? o jornalês ?, cujo léxico deve se pautar pelos princípios já conhecidos de objetividade, clareza, simplicidade, precisão e concisão. E, usando esse léxico como arma, o jornalista, qual um Quixote escanchado em seu inseparável rocinante, persegue a verdade definitiva como missão, diferentemente do cientista, que a busca como um ideal-norteador.
Convencido de que é capaz de traduzir qualquer idéia mais profunda em fórmula simples, o jornalista, sendo um generalista, precisa ouvir o seu “colégio de sábios” para tornar crível uma informação. Mais das vezes, essa informação resulta em reducionismo e simplificação, seja por questão de espaço no veículo informativo, ou ? muito mais provável ? em função do imperativo da lógica do entretenimento, a qual determina, cada vez mais, os rumos da mídia.
Assim, os ólogos de plantão (psicólogos, sociólogos, economistas etc.) acabariam por conferir à informação uma aura de credibilidade irrefutável, suprindo o jornalista com aquela parcela de verdade com a qual ele cumpriria, por suposto, a sua missão.
Isso fica tanto mais claro nas matérias do tipo fait-divers, em que um psicólogo é chamado a pronunciar-se, invariavelmente, sobre algum infortúnio familiar. A palavra do ólogo isentaria o repórter da responsabilidade de dar um mergulho mais profundo nas causas complexas que levaram ao desenlace desta ou daquela tragédia. Ou melhor, funcionaria como um aval definitivo sobre o assunto. As páginas do nosso jornalismo-autópsia estão repletas de exemplos, a critério do freguês.
Podemos localizar, no entanto, o mesmo recurso da “última palavra” do especialista tanto na lógica do fait-divers quanto no opinionismo cultural, econômico etc. que pontifica na mídia grande. A loas tecidas ao economista Pérsio Arida por Clóvis Rossi, em seu artigo “O juro e a jabuticaba” (Folha de S. Paulo, 4/9/2003) poderiam ser observadas sob o aspecto do quixotismo jornalístico que se quer aqui discutir.
No artigo, Clóvis Rossi exalta as idéias do economista no tocante a sua crítica aos juros altos no Brasil: como a jabuticaba, trata-se de um fenômeno exclusivamente nacional. De resto informativo (pelo artigo ficamos sabendo que as taxas de juros de equilíbrio no Brasil oscilam entre 8% e 10%, enquanto no resto do mundo atinge patamares bem mais baixos ? entre 1% e 2%), o texto derramado do jornalista cita algumas reflexões do ólogo egresso da PUC carioca como se fossem originais. Ao se referir ao combate aos juros altos, Pérsio Arida teria afirmado: “É uma tarefa para a qual temos de pensar de nova forma, como problema especificamente brasileiro e, como tal, não existe solução prevista nos livros-texto ou tratados na literatura.”
Suposta primazia
Certamente que o brilhantismo do economista (reconhecido por 9 entre 10 afins) não poderia ser aferido somente por platitude: não é de agora que economistas de diversas tendências reconhecem a inoperância dos manuais tradicionais de economia perante o cipoal presente em nosso capitalismo tardio. A bem de informar, diga-se que Pérsio Arida integrou o think tank que criou o Plano Cruzado, na era Sarney. Fracassado, o plano serviu de laboratório para o Plano Real, que viria em seguida.
Esses reveses na trajetória do ólogo passam ao largo do rapapé feito pelo jornalista da Folha ? revés, aliás, que não seria somente de Pérsio Arida. A rigor, informe-se que o austríaco Joseph Schumpeter, um dos mais brilhantes economistas do século 20, foi um banqueiro falido. Portanto, é razoável pensar que essa instrumentalização dos economistas enquanto salvadores de pátrias, em especial a nossa, mereceria uma visão mais crítica por parte da mídia. No caso específico, não faria mal algum que o veterano jornalista tivesse acrescido essas informações sobre Pérsio Arida, para bem dos leitores, principalmente dos leitores jovens que não viveram as agruras da inflação inercial no Brasil ? tipologia que teve naquele economista, aliás, um dos seus mais eminentes teóricos.
No fundo, o artigo de Clóvis Rossi reproduz a suposta primazia do saber especializado, do ólogo, sobre o saber do restante da sociedade, uma visão que encontra o beneplácito da mídia, que a perpetua, seja por razões meramente ideológicas ou reducionismo.
(*) Estudante de Jornalismo da Universidade Tiradentes (SE) e editor do Balaio de Notícias <http://www.sergipe.com/balaiodenoticias>