O POVO
"Apoio a Ciro?", copyright O Povo, 18/8/02
"A carta de uma leitora, por e-mail, e o contato com outro leitor, por telefone, serão o ponto inicial da nossa reflexão. Observem o que disse a leitora: ?É impressionante a maneira como o jornal tem feito a cobertura da eleição presidencial. Está mais do que nítido, neste momento, que houve uma opção para uma das candidaturas, a do Sr. Ciro Gomes. As matérias e fotos estampadas nas páginas do jornal demonstram a minha afirmação. Eu que sempre fui leitora assídua do jornal, estou deveras revendo se vale a pena manter a minha assinatura. A imprensa pode e deve questionar as posições políticas dos candidatos, abrir um amplo debate sobre a sucessão presidencial, analisando as propostas de cada um, contribuindo desta forma para esclarecer o eleitor, mas jamais clamar seu voto a favor deste ou daquele candidato. É lamentável o que eu estou vendo no jornal.’
Benefício à nação
Um leitor, com idéia oposta, reagiu assim por telefone: ?O Povo está deixando de prestar um grande favor à Nação e à cidadania quando não faz campanha para o Ciro Gomes, que é do Ceará. Em vez disso fica dando espaço para o Lula (Luís Inácio Lula da Silva – PT) e para o Serra (José Serra, candidato do PSDB)’. Disse ao leitor que O Povo não deve aderir à candidatura de ninguém, que o papel do jornal não é fazer campanha e sim oferecer informação de qualidade que contribua para o debate eleitoral e ajude o leitor a definir o voto de forma consciente com base em propostas sólidas.
Leitura e leitor
Não é de estranhar que um mesmo veículo tenha duas ou mais leituras tão díspares. A leitura de jornais é uma atividade que inclui uma série de questões subjetivas, individuais, que tem a ver com a formação e posições políticas dos leitores. A própria escolha de um veículo tem componentes de identificação entre o leitor e o jornal. No entanto, considero que a carta da leitora merece algumas considerações. Estaria O Povo privilegiando o ex-governador Ciro Gomes na sua cobertura diária? Como é possível identificar tal proposição? No geral, os leitores podem verificar a tendência pela forma como um veículo dispõe as informações sobre esse ou aquele personagem; na constância com que essas informações estão presentes diariamente; nas abordagens freqüentemente positivas; nos destaques e na falta de criticidade do noticiário. O silêncio absoluto quando há fatos importantes em volta do personagem também precisa ser notado.
Se a leitora observar qual tem sido o procedimento do O Povo, neste momento, poderá ver que do dia 1? até o dia 16 (data em que esta coluna está sendo escrita), não há como dizer que O Povo se definiu por qualquer candidatura. Nesses 16 dias, Ciro Gomes, esteve em sete manchetes de página na editoria de Política, sendo que apenas uma delas é o que se pode chamar de ?positiva? e data do dia 7 último, quando o Ministério do Trabalho inocentou o candidato a vice da Coligação Frente Trabalhista, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, de irregularidades com dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Outras três manchetes estiveram ligadas às pesquisas de opinião, que mostravam o crescimento do candidato do PPS nas intenções de voto (ou seja, um fato), mas o conteúdo tratava de todos os postulantes ao comando político do País. As demais não são o que qualificaríamos de informação positiva: envolvia as supostas irregularidades do vice; a campanha abalada pelas denúncias; Ciro admitindo se livrar de Paulinho e Martinez (este deixou a campanha sob pressões) e uma visita à UnB marcada pela polêmica. Nesta, o conteúdo da matéria mostrava um Ciro Gomes irritado ao discutir as cotas para negros nas universidades públicas e não permitindo que um estudante negro usasse um microfone para discordar dele.
Os temas envolvendo assuntos específicos que incluem metas e programas de governo, os principais candidatos aparecem com suas propostas nas matérias. Considero até que a imprensa local explora pouco o candidato cearense em suas páginas políticas, incluindo O Povo, é claro. No momento em que a imprensa nacional explora o que chama de ?parlamentarismo moreno?, que seria implantado num futuro governo de Ciro Gomes; e luta para encontrar paralelos entre o ?caráter autoritário do candidato? e o de Getúlio Vargas, ou ainda, semelhanças com o ex-presidente argentino Juan Domingo Perón – presidente por três vezes da Argentina -, a imprensa do Estado, que teve Ciro Gomes como governador e prefeito, não entrou até o momento no debate para uma análise dessas questões.
Arma de combate
No embate das idéias políticas, o combate é certo. Na última quarta-feira o candidato Ciro Gomes acusou a imprensa de ser governista durante sua participação na sabatina ?Candidatos na Folha?. Fosse ele o governante certamente a acusaria de ser oposicionista. É bem verdade que um dos maiores pecados da imprensa brasileira, seja ela grande ou pequena é, em alguns momentos, optar pela homogeneidade de idéias que permeiam os governos. Foi assim que a grande imprensa aderiu à estabilidade econômica brasileira, que estaria fincada em fundamentos sólidos, cantada em prosa e verso nos primeiros anos do Plano Real pelos homens do governo. No plano local, a imprensa beijou o tapete vermelho do que seria uma revolução econômica sustentada pelo processo agressivo de industrialização. Agora podemos perceber que nem havia fundamentos sólidos na economia do País, nem houve uma revolução de bem-estar entre os cearenses com a política industrial do governo, mas a imprensa representou esse papel por um bom tempo.
Cobertura
É importante dizer que, neste momento, a principal arma dos leitores do O Povo para observação e crítica da cobertura diária do jornal foi dada por ele mesmo quando apresentou suas estratégias de cobertura.
Em matéria publicada no dia 8 de junho, o jornal avisa que o dia-a-dia das eleições terá um foco não apenas no acompanhamento diário dos candidatos, mas ?ajudará o leitor a entender as complexidades do jogo, sem perder a base objetiva de informação?, e mais, a cobertura pretende ?aprofundar o que é necessário, selecionar o fundamental, dimensionar criticamente personagens e poderes envolvidos no debate?. Para o leitor importa que o objetivo, no final de contas, é um só: ?ajudar o (e)leitor, por meio de informação e análise de qualidade, a ter condições de escolher de forma crítica e consciente o seu melhor candidato?, disse O Povo. É com base nessas premissas que o leitor deve fazer seus julgamentos e cobrar possíveis desvios de proposta."