O POVO
"Leitores e eleições", copyright O Povo, 3/11/02
"Se as eleições esquentaram o tempo no Ceará no último mês, principalmente na disputa do segundo turno que chegou ao final no domingo passado, com a vitória – no limite – do senador Lúcio Alcântara (PSDB) ao governo do Estado, é inegável que a temperatura ferveu para alguns leitores e a avaliação que parte deles fez do desempenho do O Povo no processo eleitoral.
Não existe e nunca existirá uma leitura única de texto nenhum. A leitura é algo complexo que ganha um sentido diferente dependendo até mesmo do momento em que ela é feita. A leitura de um jornal diário está, portanto, imersa numa profunda diversidade, principalmente porque não há uma comunidade homogênea de leitores, mas sim, várias comunidades que se comportam de forma totalmente diferente diante do conteúdo do jornal. Isso porque o contexto social, econômico, cultural e profissional são preponderantes na captação dos sentidos da leitura que essas pessoas fazem do O Povo. Daí que eu tenho dito para muitos leitores, em conversas amenas, outras nem tanto, que compreendo o ?estranhamento? que eles dizem sentir diante de algumas edições.
Uma das questões mais complexas para os leitores do O Povo, passado o primeiro turno das eleições, foram as relacionadas às pesquisas eleitorais publicadas pelo jornal.
Na verdade, torna-se importante dizer que, o que aconteceu no Ceará, se deu em vários outros estados, onde as pesquisas apontavam uma realidade, mas esta fugiu dos cálculos estatísticos e impôs-se de forma diferente. Diante disso é plenamente compreensível a insatisfação de alguns leitores com o formato das pesquisas e suas constatações e junto com isso, vem o jornal, receptor e divulgador desses dados.
Um e-mail recebido de um leitor comentando a coluna do dia 29 de setembro fez a seguinte observação: ? (..) a cobertura do O Povo para o governo do Estado foi de uma infelicidade enorme… O Povo chegou a afirmar em sua manchete: ‘Lúcio eleito no primeiro turno’. Foi eleito? (…) Não me interessam as desculpas de quem quer que seja. (…) Vacilo histórico e credibilidade indo pelo ralo…’
Retornando às pesquisas
Das quatro pesquisas realizadas pelo O Povo em parceria com o instituto mineiro EM Data, publicadas entre 18 de agosto e 5 de outubro (para o governo do Estado e Senado), o candidato Lúcio Alcântara ganhou três manchetes de página interna, enquanto José Airton e Sérgio Machado dividiram outra. Todas as pesquisas, tanto para o Senado quanto para o governo estadual, ganharam destaque na primeira página do jornal.
Data ? manchete de página
18/8 ? Lúcio lidera em todas as regiões
8/9 ? José Airton empata com Sérgio em 2?
27/9 ? Lúcio cai, mas vence no 1? turno
4/10 ? Lúcio venceria no 1? turno
Relendo as matérias percebe-se que as pesquisas apontavam para o grande potencial de vitória do candidato do PSDB já no primeiro turno, apesar de haver nos textos das últimas duas pesquisas divulgadas, constatações em torno do crescimento da candidatura do petista José Airton. Devo dizer que a edição de um jornal funciona como um ?suporte de orientação para a leitura?, chamando a atenção do leitor para o que há de maior importância no contexto geral da informação jornalística. Por isso as manchetes ganham tanta importância. Na maioria das vezes, foram elas as grandes responsáveis pela avaliação que os leitores fizeram de todo o conteúdo do jornal.
Se você observar a crítica acima e comparar com a clareza das manchetes fica fácil compreender o sentimento do leitor. Para ele, o resultado das eleições no primeiro turno no Ceará e as manchetes do O Povo foram tão descasadas que mereceu a sua reação. Ou seja, para ele, o ?erro das pesquisas pôs em xeque a credibilidade do jornal?.
Durante todo o segundo turno a grande maioria dos questionamentos feitos pelos leitores estava diretamente ligada não ao conteúdo em si da informação, e sim na forma como a matéria foi apresentada. A sensibilidade dessa comunidade específica de leitores estava voltada para os indícios do que seriam ligações entre O Povo e o candidato do PSDB, Lúcio Alcântara.
?Por que a notícia do empate técnico entre Lúcio e José Airton não foi a manchete do O Povo?’ ?Porque a liminar que fechou o comitê Lúcio-Lula não ganhou manchete?’ Por que a publicação dessa essa foto do tal candidato e não de outro? Por que essa matéria é manchete de página enquanto que a outra não é? O olho do leitor estava (e está) no uso de determinada palavra e não em outra, em certo destaque e não em outro. Volto a dizer: a atenção estava voltada para os indícios que eram vistos pelo leitor como comprometimento político do jornal que eles acreditam plural e democrático.
Um levantamento feito pela Redação do O Povo aponta para o equilíbrio do espaço editorial do jornal durante todo o processo eleitoral no tocante à distribuição de matérias informativas na Editoria de Política. Também, o jornal deixou claro aos leitores o método de trabalho que iria adotar, valorizando o debate de idéias e as propostas dos candidatos.
Se houve uma proposta de trabalho que privilegiou o equilíbrio editorial, e se, do ponto de vista matemático, a ocupação dos espaços editoriais está de acordo com a proposta, então por que a reação dos leitores? Essa resposta não é simples, principalmente porque a intenção do jornal pode ser encarada de inúmeras formas por quem recebe as informações. É importante perceber também que a sensibilidade de parte dos leitores está menos voltada à distribuição do espaço editorial e mais em outros detalhes da edição que terminam por ter um papel preponderante na leitura do conteúdo informativo.
A lição do senador
No caso dos candidatos ao Senado, é bom lembrar que a metodologia das pesquisas envolveu o universo de 200% que dobrava o percentual de intenções de voto. Observe o que disse o leitor sobre o fato: ?No mínimo trouxe muita confusão aos leitores. Não encontrei até hoje uma só pessoa que consiga justificar o uso dessa metodologia, nem colegas que têm cursos de mestrado e PhD em estatística. Imagina o que se passou pela cabeça de leitor que não tinha tanta capacidade analítica ou que não dominasse tanto a ciência estatística?.
A principal lição que fica disso é que, por mais correta que seja essa metodologia e por mais isento que tenha sido o jornal, houve sim um paradoxo tão acentuado entre a apresentação das pesquisas para o Senado e o resultado das eleições, que decididamente a onda Lula, não pode, sozinha, explicar e O Povo precisa avaliar e reavaliar o fato."