Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Regina Ribeiro

O POVO

"Contra a mordaça e o exagero", copyright O Povo, 8/12/02

"Quando me perguntaram porque não aderi essa história de ?esoria?, respondo (e não evasivamente) que é simplesmente porque, para mim, tudo é verdade mesmo. Acredito em tudo. Acreditar no que se lê é a única justificativa do que está escrito”. Mário Quintana, poeta

Esta semana parece ser definitiva para o projeto que institui a ”Lei da mordaça”, aprovado na comissão de Constituição e Justiça do Senado na última quarta-feira, 4. A matéria é polêmica porque transforma em crime a divulgação ”de fatos ou informações que violem o sigilo legal, a intimidade, a vida privada, a imagem e a honra das pessoas”. Juízes, magistrados e procuradores ficarão sujeitos à penas de indenização, detenção de seis meses a dois anos, multa, perda do cargo e proibição de exercer função pública por três anos’. Se o remédio é amargo demais numa das pontas, em outra, é aliviador: a mesma lei estabelece um ”foro privilegiado para julgamento de autoridade pública acusada de praticar ato de improbidade administrativa”. Se essa lei passar, caberá apenas ao Supremo Tribunal Federal (STF) julgar atos de improbidade de presidentes da República, ministros de Estado, governadores, secretários de Estado e prefeitos.

Esse projeto tramita no Congresso desde 1997. Recebeu aprovação na Câmara em 99. Daí seguiu para a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, onde foi aprovado na quarta-feira e esta semana segue para votação no plenário. Se passar, só precisa ser sancionado pelo presidente da República para se transformar em lei. Lei do silêncio. Uma lei complexa que embora tenha uma fundamentação de defesa da imagem das pessoas, atenta violentamente contra a liberdade de expressão e divide o próprio Poder Judiciário.

Sem unanimidade

A discussão atinge em cheio os meios de comunicação, onde não há unanimidade quando se trata do projeto, mas existe a certeza das dificuldades que a imprensa terá no acesso à informação. Em dezembro de 1999, a Folha de S.Paulo e Estado de S. Paulo estiveram em oposição quanto ao resultado prático da aprovação da Lei da Mordaça. Enquanto a Folha, assim como O POVO é contrário à aprovação por entender que a nova lei impõe um silêncio constrangedor e autoritário aos funcionários que lidam diretamente com os casos de desmandos do poder político, o Estadão corre em pista contrária. Em editorial do dia 16 de dezembro de 99, o veículo defendeu o projeto afirmando que ele merece o apoio de todos para se evitar que ”em nome da lei, agentes a seu serviço pratiquem atos de linchamento moral, propagando denúncias e acusações que condenarão irremediavelmente perante a opinião pública as pessoas citadas – ainda que venham a ser absolvidas nos tribunais”.

”Vaca e carrapato”

O POVO em editorial publicado em 20 de março deste ano, quando o projeto ameaçou entrar em cena para ser aprovado pelo Senado, afirmou que é ”preciso defender a privacidade e a imagem de cidadãos envolvidos em investigação, não permitindo que seus nomes sejam enxovalhados perante a opinião pública, antes de concluídas e comprovadas as denúncias”. No entanto, lembra que existe legislação própria para evitar tais abusos. E conclui: ”Pegar esse pretexto para constranger a atuação do Ministério Público e da imprensa é como matar a vaca para livrá-la dos carrapatos. É uma medida desproporcional para atingir o único instrumento que a cidadania dispõe para que a democracia seja mais do que uma mera expressão jurídica formal”.

Não há dúvida nenhuma de que tal lei deixa as autoridades responsáveis pela análise das ações dos homens públicos em dificuldade, da mesma forma que inibe e reprime de forma autorit&aacuteaacute;ria o papel da imprensa. E isso não pode ser aceito. Acredito que a mobilização de parte da sociedade atenta à questão deverá influenciar de forma decisiva a votação do projeto no Senado, no sentido de manter a liberdade de atuação do MP e o livre acesso às informações por parte dos imprensa.

O exagero

No entanto, considero importante tocar num ponto: o que podemos fazer com os ”carrapatos”? E aqui aproveito a imagem utilizada pelo O POVO e defino o ”carrapato” como ”exagero” com que certas informações chegam ao conhecimento público, mediante um único depoimento – muitas vezes sem nenhum documento – que é dado a um procurador. Uma investigação ainda embrionária pode ser anunciada com ares de condenação pública antecipada dos envolvidos. A ex-governadora do Maranhão, Roseana Sarney deve ser lembrada. De envolvida diretamente nas acusações de improbidade administrativa no caso da Sudam, junto com o marido, Jorge Murad – com direito à capa de revista, choro pela TV e fim do sonho de disputar a presidência da República – ela passou a não ter nada a ver o caso, enquanto o marido continua encrencado.

A questão é que se os meios eletrônicos têm os seus trunfos na violência e sexo para atrair consumo/audiência, a imprensa tem os escândalos públicos mediante investigações promovidas pelo Ministério Público e que algumas vezes precisam de maior aprofundamento para divulgação.

Suspeita é notícia? Investigação é informação? As ações dos homens públicos interessam a todos num país democrático? Em todos esses casos a resposta é legitimamente verdadeira.

O que não se pode é esquecer que uma suspeita que gera uma investigação deve ser tratada como tal: processos que estão sendo instalados, e que portanto, têm início, meio e fim e que precisam de tempo para ser apurados. E isto deve ser observado e tratado de modo a garantir a credibilidade tanto do Ministério Público, quanto da imprensa. Afinal de contas, ”carrapato” é uma doença nefasta que pode comprometer, de forma grave, a saúde da vaca."