O POVO
"?1,2,3…’Leitores surpresos com tantos ?homenzinhos?!", copyright O Povo, 22/12/02
"?Quem foi o intelectual que substituiu os sinais por essa coisa que ninguém sabe o que é? Que modernidade é essa?’. As perguntas desse leitor diante da edição da última segunda-feira, 16, demonstram, minimamente, o grau de surpresa que causou a troca dos pontos e vírgulas por um exército de homenzinhos correndo por todo o jornal. Enquanto ia folheando as páginas e sentindo o quanto a leitura havia se modificado cheguei a pensar que se tratava de um ?erro? que, certamente, seria corrigido na edição seguinte.
No correr do dia quando soube que se tratava de uma intervenção artística de um dos participantes da Bienal das Américas, que foi instalada em Fortaleza há cerca de duas semanas, as dúvidas duplicaram. Se, por parte dos leitores houve uma ansiedade com o modelo – intervencionista – do novo sistema gráfico de pontuação; da minha parte, questionei a validade de um experimento desse porte que dificultou a leitura para muitos dos seus consumidores. Estive – e não posso dizer que já sai dele – num labirinto de idéias envolvendo temas como arte, linguagem, jornal enquanto produto, enquanto mensagem, leitor, consumidor.
No dia seguinte, os homenzinhos correndo voltam explicados. E ouvi mais leitores irritados. ?Que tipo de brincadeira é essa? O jornal deveria ressarcir seus leitores por uma edição que não cumpriu o seu papel de se deixar ser lido. Se isso era uma proposta, pois que o jornal não aceitasse?. Outro, mais irônico perguntou: ?por que esse rapaz diz que isso que ele faz é arte?’.
Diante das minhas dúvidas e das dos leitores, decidi conversar com o próprio artista mexicano, Erick Beltran, na última terça-feira. Um resumo da conversa, por telefone, estará abaixo em forma de pergunta e resposta.
Pergunta de um leitor: Como o senhor explica seu trabalho de intervenção no jornal como arte?
Erick Beltran – Arte para mim é a possibilidade de duvidar do mundo, vê as coisas de outro modo. É uma possibilidade de criação, de fazer a vida circular. Perguntando, duvidando.
P – Até que ponto o senhor sente que atingiu o seu objetivo com essa sua experiência? É legítimo tornar os leitores cobaias da sua arte?
EB – O meu objetivo era surpreender o leitor, tornar a leitura que ele está habituado a fazer, como uma primeira vez. A idéia não foi a de molestar o leitor e sim de dar a ele a possibilidade de questionar algo já estabelecido, que é uma convenção, no caso, a pontuação gráfica.
P – O senhor não considera tal intervenção autoritária?
EB – Mas é exatamente isso que eu quis questionar. O jornal em si é algo muito mais autoritário porque tem uma estrutura pronta. Quis mostrar isso para os leitores. Quem escolhe as matérias e as fotos que são publicadas? Existe uma convenção autoritária nisso. Quis pôr isso em dúvida numa cumplicidade com o leitor, mas no sentido de questionar as coisas que estão estabelecidas, como os sinais gráficos de ponto e vírgula e a própria edição de um jornal.
P – O jornal é um produto cultural que tem como principal função (utilidade), transmitir cultura por meio da informação. Quando a sua intervenção artística dificulta a leitura não prejudica o leitor que comprou o produto?
EB – O jornal não oferece apenas informação. Trata-se de uma instituição social que permite visualizar a realidade, delimitando-a, restringindo-a e questionando as coisas como elas são e as regras postas. O sistema de edição do jornal é uma atitude política. Jornal é um marco referencial para a estética e para a linguagem. Nessa apresentação estética podemos fazer uma adaptação do sistema e criar novas formas de apresentação. Isso que eu fiz aqui já foi feito na Holanda, na China, no México e as reações foram as mais diversas, mas sempre causaram surpresa ao leitor.
Intervenção
Apesar de toda a filosofia da arte que está envolvida nas respostas do artista plástico, Erick Beltran, sobre o efeito visual e o comportamento dos leitores diante do veículo modificado, é preciso compreender a relação entre os leitores e o produto jornal, uma vez que a arte contemporânea elimina explicações e leituras fechadas. Cada um é livre, tanto para criar, quanto para senti-la da forma que quiser.
O que mantenho como questionamento é se o jornal levou em conta a reação dos leitores, sob o ângulo da própria concepção que a grande maioria deles tem do produto, enquanto veículo de informação, e não enquanto peça artística. Jornal divulga arte, contém arte, e em alguns momentos a linha divisória entre a literatura e o jornalismo, por exemplo, é quase invisível (se a questão sair do suporte – veículo – e ficar restrita ao texto). Em outros, a expressão gráfica ganha contornos artísticos no sentido da criação que leva em conta a estética, como aconteceu esta semana com a bela capa do O POVO em homenagem ao poeta Patativa do Assaré, que ganhou o Prêmio Esso Nacional de Criação Gráfica.
Mas, mesmo diante de tantos aspectos, o jornal, como produto, não é uma obra de arte em si. Ou melhor, não era, porque a edição da última segunda-feira tornou O POVO uma peça artística. O ?suporte? da arte transfigurou-se nela própria, para alegria do artista – que conseguiu promover o estranhamento desejado – e irritação de muitos leitores.
Empresa e cliente
Em resposta à coluna da semana passada, que abordou o tema da falta de clareza na informação aos leitores sobre as promoções no ato da renovação da assinatura, o departamento responsável explicou ?que as campanhas em vigor levam em conta os descontos diferenciados que a empresa dá aos seus leitores tendo como base o valor de capa do jornal (valor do exemplar, multiplicado pelo número de edições anuais)’. Segundo a gerência, os vendedores são treinados para fornecer informações de forma clara aos leitores e que o episódio tornado público já está sendo corrigido internamente, reforçando a necessidade de unificar as informações aos assinantes. Foi informado ainda que as peças publicitárias serão reavaliadas no sentido de oferecer aos leitores informações claras sobre as promoções que envolvem novas assinaturas e renovação, de forma que se tornem explícitas as regras sobre os prazos e a variação dos preços mediante os descontos concedidos pela empresa."