O POVO
"Recomeço" copyright O Povo, 4/1/03
"?Certas palavras não podem ser ditas
em qualquer lugar e hora qualquer.
Estritamente reservadas
para companheiros de confiança …
(…)
Entretanto, são palavras simples:
definem
partes do corpo, movimentos
atos do viver que só os grandes permitem
e a nós é defendido por sentença
dos séculos
E tudo proibido. Então, falamos.? Carlos Drummond de Andrade, poeta
Na próxima terça-feira, 7, termino meu mandato como ombudsman do O Povo e o jornalista Roberto Maciel, ex-editor-adjunto do Núcleo de Conjuntura (que inclui Política, Internacional, Opinião e Brasil) assume a função, que, em 2003, completa 10 anos. O jornal foi o segundo no Brasil a instituir o cargo, depois que a Folha de S.Paulo inaugurou esta tarefa na imprensa brasileira em 1989. Até meados dos anos 90 outros veículos ?tentaram? instalar e manter a função, mas desistiram no meio do caminho. Permanecem O Povo e a Folha.
O ano passado foi tão fértil e rico com seus acontecimentos que, certamente, proporcionou um contato mais insistente e direto dos leitores com a ombudsman e foi esse diálogo constante que tornou esse trabalho tão construtivo do ponto de vista da análise da recepção dos leitores ao conteúdo do jornal.
E é sobre essa tarefa especificamente que pretendo enveredar essa nossa última conversa:
Em primeiro lugar, devo dizer que a crítica dos leitores ao jornal, em praticamente 99% dos casos, é construtiva. Se alguma coisa não ficou clara para um deles, isso quer dizer que, na grande maioria das vezes, ele não está sozinho. Em segundo lugar, é importante notar que cada um faz uma leitura particular do jornal e não adianta querer achar uniformidade nessa prática porque ela não existe. Cada leitor é um mundo, cheio de particularidades na leitura e na crítica que ele faz ao jornal. É por isso mesmo que cada leitor não deve ser considerado do ponto de vista quantitativo, mas essencialmente qualitativo. É a qualidade da crítica e o argumento dele que importa. Em terceiro, o leitor do O Povo quer continuar sendo leitor deste jornal e quando um deles procura o ombudsman é porque quer compartilhar problemas, discutir idéias, achar uma solução para algo que o incomoda, mas quer manter a leitura.
O fácil e o difícil
Quando o jornal erra claramente a crítica se torna fácil. O jornal tem mecanismos e maturidade suficientes para encarar o erro e corrigi-lo sem considerar isso algo complicado demais. A ?pedra? – de Drummond – aparece ?no caminho? quando a questão diz respeito à abordagem dada à informação, às ?sutilezas? das entrelinhas que os leitores lêem com toda a sua subjetividade, com todo o conceito de veículo de informação que O Povo vem construindo na cabeça dos cearenses há 75 anos.
É exatamente nesse ponto que o trabalho do crítico se torna uma escalada num terreno íngreme. É preciso respirar com tranqüilidade, ouvir com atenção e calar enquanto estiver refletindo sobre o caso. E quando disser algo é preciso ter plena convicção. Não existe ombudsman exercendo seu trabalho se não houver credibilidade diante dos seus leitores. Esta é a mais valiosa moeda que este profissional dispõe no exercício da sua tarefa. Como o é para o jornal como um todo.
A crítica é o caminho para a discussão dos temas que estão diretamente ligados ao conteúdo do jornal, por meio das informações e idéias que veicula. Por outro lado, a crítica contribui de forma intensa para o amadurecimento da tarefa de informar e deve ser encarada como tal. É a forma mais saudável de se buscar melhorias da qualidade da informação que chega ao público. Por isso, algumas vezes, torna-se incompreensível, para os leitores, que esta função não esteja mais presente na imprensa brasileira.
O consenso
A diversidade de compreensão, porém, é o caminho para rápido para ingressar no entendimento do mundo do leitor, ciente de que não existe correção máxima da crítica, no sentido de que a verdade absoluta está num dos lados da moeda, em qualquer situação ou em todo o tempo. Às vezes, o próprio processo de edição do jornal diário carrega em si, um leque de informações inacessíveis ao leitor, mas passíveis de leituras que são feitas com toda propriedade.
A função de ombudsman deve, portanto, ser educativa e formativa no sentido de dar ao leitor conhecimentos que possam ajudá-lo na formulação da sua crítica. E não adianta dizer que o leitor está sempre certo, parafraseando essa máxima que considero ?retrógrada? que impera no mercado, porque isso não é verdadeiro. E o leitor sabe disso e está em perfeitas condições de lidar com o contraditório, desde que haja uma atitude de respeito às questões levantadas por ele.
O consenso portanto, deve ser o da certeza de que este espaço é seu, leitor. Para você, ele foi instituído e aqui é você que importa, com todas as suas dúvidas e questionamentos. É bom, portanto, estar aberto a esse novo mundo: o mundo dos leitores, que o novo ombudsman certamente receberá com o extremo bom humor que lhe é peculiar e a forma convicta com que defende suas idéias. Em nome dos leitores do O Povo: seja bem-vindo, Roberto."