Tuesday, 12 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Regras da FCC são contestadas

LEIS DE PROPRIEDADE DA MÍDIA

Beatriz Singer

Foram exatos 17 dias de intervalo entre a aprovação do afrouxamento das regras de propriedade de mídia e a votação em contrário, no Comitê de Comércio do Senado. A velocidade é incomum em se tratando de legislação. O Senado deu início, no dia 19/6, ao processo legislativo de reverter a recente decisão da Comissão Federal de Comunicações dos EUA (FCC), em 2/6, de abrandar as regras de propriedade de mídia e permitir que a grande mídia fique ainda maior.

Um grupo bipartidário do comitê, liderado pelo republicano do Arizona John McCain, aprovou por "voice vote" (processo de votação em que os parlamentares a favor da aprovação devem dizer sim, e os que são contra devem dizer não) uma legislação que restauraria os antigos limites para o número de emissoras de TV que uma única companhia pode possuir e restabeleceria a maioria das restrições que impedem que uma empresa possua um jornal e uma rádio ou TV em um mesmo mercado. A resultado da votação foi uma crítica dura a Michael Powell, presidente da FCC que arquitetou a desregulamentação.

A legislação deve, em breve, chegar a todo o Senado, onde é bem recebida. No entanto, encara uma batalha na Câmara dos Deputados e no House Commerce Committee ? presidido pelo poderoso republicano Billy Tauzin, que tem se mostrado um apoio submisso a Powell ?, mais receptivos às regras de abrandamento adotadas pela comissão. O governo Bush também sancionou as novas regras da FCC.

Entre a população civil, diversos ativistas estão chamando as regras da FCC de uma expressão extrema de afronta ao público americano, apesar de o assunto não ter saído muito na mídia nacional. Pessoas e grupos de esquerda e direita reclamaram da concentração ainda maior que a FCC pode promover na mídia americana, que já conta com alguns gigantes e, caso a FCC saia vitoriosa, terá gigantes ainda maiores e, pior, sem a saudável companhia de concorrentes. Seria um caso violento de sacrifício do princípio de diversidade na mídia em prol dos deuses corporativos e seus vultuosos lucros.

A medida foi patrocinada pelo senador Ted Stevens, republicano do Alaska que preside o Comitê de Apropriações. Em tempos em que a maioria dos tribunais federais e de instituições políticas de Washington foi dominada por defensores da desregulamentação, a recente atitude do Senado foi notável tanto pela rapidez de resposta quanto pela profundidade das críticas à FCC por democratas e republicanos, afirma Stephen Labaton [The New York Times, 19/6/03].

A principal mudança promovida por Michael Powell foi passar de 35% a 45% o limite máximo de cobertura de lares americanos que transmissoras de uma mesma companhia podem ter. McCain e seu comitê, conta Tom Shales [The Washington Post, 20/6], votaram a favor de retornar aos 35% originais, já bastante generosos.

O comitê também rejeitou mudanças de Powell sobre as regras de propriedade cruzada, as quais o presidente da FCC quer abolidas e o comitê, restauradas.

"É a maior derrota dos gigantes da mídia em muito, muito tempo, e não é graças a Powell", disse Jeff Chester, diretor-executivo do Center for Digital Democracy (Centro pela Democracia Digital). Chester considerou a atitude do comitê uma dolorosa repreensão a megacorporações como Fox, Viacom, General Electric, Tribune, Gannett, Media General, que, sozinhas, detêm 90% do que a população americana ouve, lê e vê.

"Desde que Ronald Reagan aterrissou em Washington, a mídia tem sofrido uma desregulamentação constante, sem que o público reaja significativamente", disse Andrew Jay Schwartzman, presidente do Media Access Project (Projeto de Acesso à Mídia). Com a atitude do comitê, "essa tendência pode estar se revertendo hoje", afirmou.

De forma geral, o atual presidente da FCC não colaborou pela continuidade desse processo de desregulamentação da mídia, embora em momento algum ele tivesse essa intenção. Foi pura incompetência mesmo. Segundo Schwartzman, Powell sofreu grande desgaste com as novas regras. Sua gerência da FCC tem sido um verdadeiro desastre, pelo menos em se tratando de interesse público. A votação do comitê também pode deflagrar a derrocada dos planos políticos que Powell tinha para seu futuro. Em último caso, afirma Tom Shales, ele pode sempre fazer o que outros ex-presidentes da FCC fazem: voltar a praticar leis de comunicação para companhias que foram antes "reguladas" por eles ? e ganhar milhões com isso.

Com a tentativa de reversão das novas regras da FCC, quem ganha é o povo americano. Trata-se de um passo em prol da democracia. Sabe-se bem quais os efeitos desastrosos dos monopólios na mídia. É procedimento comum em diversos países. O Brasil, no entanto, está um passo atrás nessa discussão. Aqui, como bem disse um editorial do Estado de S. Paulo de 22/6, a crise dos grandes grupos de mídia é tão grave e suas perspectivas tão sombrias, que "nem a alternativa das fusões, com todos os seus aspectos negativos, está no horizonte". "Aqui, o risco real e presente é a apropriação de parcelas mais amplas da mídia pelos políticos profissionais, o ?bispado? de certos cultos de alta rentabilidade e o aventureirismo empresarial da pior espécie". Aqui o buraco é mais embaixo. O que não nos tira o direito de criticar os buracos mais em cima.