Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Renascimento do jornalismo baba-ovo

AMAPÁ

Camilo Capiberibe (*)

Juro que não faço de propósito, mas lendo diariamente quase tudo que a imprensa amapaense consegue produzir e colocar online não consigo deixar de notar o ressurgimento de um tipo de imprensa que eu acreditava morta e enterrada. O tipo em questão é o jornalismo baba-ovo. Que diabos é isso? Simples, o baba-ovismo é o jornalismo do elogio vazio e da falta de informação. Para que eu não seja mal-interpretado faço questão de reafirmar que não tenho nada contra o elogio. Acho saudável, e até salutar, que os órgãos de imprensa, tão afeitos &agravagrave;s críticas, se dediquem um pouco ao reconhecimento.

Contudo, mesmo para fazer elogios é preciso ter critério e tomar cuidado. Não dá para ficar exagerando, porque aí funciona ao contrário. Darei alguns exemplos. Dia desses o médico-colunista de um jornal diário amapaense, em título de comentário feito sobre o lançamento de um programa governamental, nos presenteou com esta pérola em forma de título: "Primeiro Emprego sucesso absoluto". Aí fica difícil! Até porque se o programa vai ser um sucesso absoluto só o tempo pode nos mostrar. O que não dá é, pela festa de inauguração, decretar o sucesso de um programa que só foi lançado, logo, não teve tempo de ser testado, quanto mais aprovado com nota 10.

Os limites da razoabilidade, no entanto, não parecem existir quando se trata de jogar confetes sobre os seus próprios interesses. No fim do ano passado, um ex-senador amapaense, festejando no mesmo diário do médico-colunista, uma emissora de rádio que pertence a sua família, assim escreveu: "Os ouvidos dos que te sentem se emocionam com a tua pujança democrática, enfrentando os déspotas, e se contrapondo às teorias oficiais que enganam e massacram teus ouvintes". Não vou nem comentar a qualidade da prosa-poética. Registro apenas que nos meus arquivos de 2002 o trecho consta como uma das obras-primas do baba-ovismo.

Menos mela-mela

No preâmbulo de uma entrevista com o secretário de Obras do governo, Sr. Gervásio Oliveira, um repórter se espanta: "Chega a ser assustadora a carga horária e a intensidade dos trabalhos desenvolvidos pelo secretário da infra-estrutura Gervásio Oliveira". Na verdade, quem se espanta sou eu, até porque não é o volume de trabalho que assombra o repórter, mas a quantidade de pessoas que freqüentam seu gabinete: "Ele passa o dia atendendo a dezenas de pessoas que sempre têm uma reivindicação a fazer".

Um tal Wellington Silva, comentando a feira agropecuária, se saiu com uma hors-concours. Depois de ter recebido o santo do Walter Mercado, eu presumo, ele se empolga e começa a enxergar um futuro cor-de-rosa para a feira agropecuária, que ainda nem começou: "No presente, a rádio cipó já comenta pelos quatro cantos da cidade, sem oba-oba, confetes e serpentinas, que a 40? Expo-Feira será marcante pela sua grandiosidade, pela envergadura qualitativa de sua programação, pela qualidade de bovinos, suínos, eqüinos, caprinos que serão expostos e comercializados; pela grande diversidade de insumos, produtos e equipamentos agrícolas e pecuários a serem expostos e negociados, além, é claro, dos stander?s [sic] e barracas que certamente ficarão perfilados em toda a extensão da Expo-Feira, expondo trabalhos de pesquisa e atividades diversas da Embrapa, Rurap, Seaf, Terrap etc." Ainda bem que ele colocou um "etc.", senão ele gastava todos os adjetivos da gramática brasileira.

Brincadeiras à parte, o que estou querendo mostrar é que os consumidores da imprensa sabem diferenciar a informação do baba-ovismo gratuito e desnecessário. Neste sentido, os meios de comunicação que andam exagerando na mão terminam mal servindo os interesses aos quais se vinculam. Buscar imparcialidade na imprensa brasileira é uma utopia. Contudo, o jornalismo e o opinionismo podem ser feitos com menos mela-mela e mais seriedade e respeito à inteligência alheia. Quem sabe com mais atenção ao gosto do consumidor, menos adjetivos e menos orientação na satisfação do ego da elite dominante do momento o jornalismo amapaense não bane o baba-ovismo das páginas da imprensa tucuju?

(*) Advogado, mestrando em Ciências Políticas na Université de Montréal, Canadá