RADIODIFUSÃO EM XEQUE
"A radiodifusão nos países mais desenvolvidos", copyright O Estado de S. Paulo, 11/11/01
"O anteprojeto de Lei de Radiodifusão, colocado em consulta pública pelo Ministério das Comunicações, pode tornar os meios de comunicação mais vulneráveis a interesses políticos, permitindo que poucos grupos controlem as emissoras de rádio e televisão. Quando comparada às legislações internacionais e ao texto da Lei de Comunicação Eletrônica de Massa, elaborado pela equipe do ex-ministro Sérgio Motta, a proposta atual contém menos mecanismos para evitar a concentração de propriedade e incentivar a pluralidade de informações.
?A concentração é um perigo à democracia?, alerta Laurindo Leal Filho, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). O anteprojeto de Lei de Radiodifusão, do ministro Pimenta da Veiga, é menos abrangente do que a proposta do ex-ministro Sérgio Motta, pois só trata de televisão aberta e rádio. A Lei de Comunicação Eletrônica de Massa incluiria também a TV por assinatura.
O anteprojeto do atual ministro impõe restrições locais à concentração de propriedade: o texto em consulta pública diz que uma empresa pode controlar somente uma estação de TV por localidade. Para as emissoras de rádio, a limitação é de 20% do total de emissoras. A proposta da equipe de Motta trazia, além de limitações locais, impedimentos nacionais e à propriedade cruzada (por meio da análise do controle de diferentes meios de comunicação por uma companhia).
A Lei de Comunicação Eletrônica de Massa, elaborada pela equipe de Motta, proibia que uma empresa controlasse uma emissora de TV aberta e uma operação de TV a cabo na mesma localidade. Além disso, haveria limitações nacionais em relação ao atendimento (30% das residências para emissoras de TV aberta ou operações de TV a cabo controladas por um mesmo grupo). Motta morreu em abril de 1998 e viu apenas uma versão preliminar do projeto, que nunca foi colocado em consulta pública ou encaminhado ao Congresso.
Diversidade – Os limites à concentração da propriedade visam garantir a diversidade de fontes de informação. Segundo o consultor Ronaldo de Sá, que ocupou a Secretaria de Radiodifusão do Ministério das Comunicações sob a liderança de Motta, existia no projeto a preocupação de que não prevalecesse uma visão única sobre os fatos e de levar as pessoas à análise. ?Se os meios fossem controlados por um único grupo, a visão deste grupo sobre os acontecimentos passaria a ser considerada verdadeira.?
Mesmo preocupado com a pluralidade, o consultor afirma que, se fosse refazer o projeto hoje, reduziria as limitações à concentração da propriedade e criaria estímulo às competidoras. ?A digitalização da TV exigirá um investimento brutal e as empresas precisam de escala para a produção de conteúdo digital?, explica Sá.
O ex-secretário sugere que o Ministério das Comunicações faça uma nova consulta pública sobre o anteprojeto de Lei de Radiodifusão – que não aproveitou o trabalho da equipe de Motta – depois de avaliar e incorporar as sugestões.
Para elaborar sua proposta, a equipe de Motta analisou as leis dos Estados Unidos, Argentina, Uruguai, Venezuela, Reino Unido, França, Alemanha, Itália e Áustria. EUA, Reino Unido, França e Itália combinam restrições locais, nacionais e de propriedade cruzada. Os EUA, além de limitarem o número de emissoras de rádio e televisão controladas por um grupo na mesma localidade, permitem que um mesmo grupo cubra até 35% das residências do país na TV aberta. Num mesmo local, não é permitido controlar ao mesmo tempo uma TV aberta e uma operadora de TV por cabo.
As restrições à propriedade s&atiatilde;o apenas um dos mecanismos para garantir a pluralidade. Outro recurso é limitação à audiência, como ocorre no Reino Unido e na França. Uma rede de TV pode ter até 15% da audiência no Reino Unido, ao mesmo tempo em que jornais com 20% dos leitores do país não podem ter rádio ou TV. Na França, o limite de audiência nacional para a TV é de 49%.
Limites – Uma terceira possibilidade é separar a operação da rede da produção de conteúdo – solução adotada na Itália para a TV digital. Lá, o órgão regulador oferecerá, separadamente, concessões de rede de TV e autorizações de conteúdo. As companhias com as duas licenças podem veicular até 20% de programas próprios.
As regras italianas mostram que diversificar a produção de conteúdo é tão importante quanto desconcentrar o controle dos meios. O acesso de vários produtores de conteúdo aos meios de comunicação é necessário para garantir a pluralidade de fonte de informações.
A professora do Departamento de Direito Econômico da USP, Cristiane Derani, acha que os limites à concentração de propriedade da proposta da Lei de Radiodifusão podem ser insuficientes. ?Em mercados mais desenvolvidos, existem mais salvaguardas do que no Brasil. Quanto menor o desenvolvimento do mercado, porém, maior é a necessidade de salvaguardas.?"