Autores, idéias e tudo o que cabe num livro
A sociedade contra o social – Companhia das Letras, 233 pág., R$ 25,50.
Em A sociedade contra o social, que reúne doze ensaios de filosofia política, revejo alguns dos principais bordões da nacionalidade. Aqui estão Ayrton Senna, Fernando Collor, o real, as novelas de TV, Iracema e os políticos corruptos. Eles são trazidos novamente à consideração para que suas motivações profundas se mostrem e suas fragilidades se tornem mais patentes.
A idéia é submeter a uma análise crítica o discurso dos brasileiros sobre o Brasil. O discurso analisado pode ser o que vem de cima, articulado pelo poder político. Assim, no uso recente das palavras sociedade e social, detecto uma oposição em que a gramática nos faria esperar uma coincidência semântica: quase sempre usamos sociedade para designar um interlocutor privilegiado do poder político, ao passo que o social, desde o governo Sarney pelo menos, tornou-se apenas um modo mais polido de fazer referência aos miseráveis.
Outras vezes, submeto certas análises correntes a uma análise de segunda ordem. Veja-se, por exemplo, o ensaio em que critico o discurso do "politicamente correto", não sem antes criticar, com mais vigor ainda, a maneira pela qual, no Brasil, as pessoas têm se contraposto a esse discurso.
O tema pode ser ainda "a nossa dificuldade em reconhecer raízes", tal como ela se manifesta na produção acadêmica: temos dificuldade em citar – e, sobretudo, em citar brasileiros. A universidade produz trabalhos "que são avarentos o mais que podem na confissão de uma leitura, de uma dívida que seja". Criamos uma "comédia de fingimentos" que nos esteriliza, que "torna impossível constituir uma comunidade, um grupo, uma socialização qualquer em torno do conhecimento".
Mas, acima de tudo, minha convicção é que a filosofia política pode contribuir para entender por que, no Brasil, tudo tem que ser feito duas vezes para dar certo. Por que é tão difícil traduzir o empenho das pessoas em realização, por que é tão difícil fazer com que nosso êxito na vida privada resulte em algo de positivo na vida pública? Será o Brasil um fracasso? Acho que não. Se não conseguimos o mesmo resultado do Primeiro Mundo, no qual os vícios privados são canalizados para produzir o bem público, talvez possamos propor uma política que não exclua os afetos, custo pago pelos países avançados para produzir seu modelo de democracia.
(*) Professor de Ética e Filosofia Política na USP
Mauro Malin
Renato Janine Ribeiro é um autor que não trafega na mão de direção da "manada". Tem a vocação do menino da fábula do rei nu. Inquieto com a realidade do país e com a percepção dessa realidade.
Em A sociedade contra o social, que reúne doze ensaios de filosofia política, Janine revê alguns dos principais bordões da nacionalidade. Aí estão Ayrton Senna, Fernando Collor, o real, as novelas de TV, Iracema e os políticos corruptos. São revisitados para que "suas motivações profundas se mostrem e suas fragilidades se tornem mais patentes".
O professor de Ética e Filosofia Política da USP está convencido de que existe no Brasil uma postura filosófica idealista segundo a qual o país está aquém dos conceitos canônicos, portanto insuscetível de ser pensado à luz de tais conceitos. "É como se o Primeiro Mundo tivesse seqüestrado o universal para si, e como se o Brasil fosse a exceção à regra", diz, em conversa com o Observatório. "Fazemos uma espécie de ‘País do B’, um país paralelo, de ONGs, porque assumimos que o país propriamente dito não funciona."
Denuncia o que chama de "trabalho franqueado em ciências humanas": alguém descobre um autor e proclama-se seu franqueado no Brasil. Não necessariamente seu trabalho é o melhor, aqui, na linha de pensamento do autor referencial. Mas ele vira "proprietário" daquela linha de pensamento. Daí que o pensamento passe ao largo de temas absolutamente fascinantes do próprio país. "O presidente da redemocratização adoece na véspera da posse e morre no dia de Tiradentes. Foi um episódio rico de significado, mas isto não é analisado. É como se não se considerasse nossa sociedade digna de ser pensada", critica.
Renato Janine Ribeiro é autor de A etiqueta no Antigo Regime (Moderna), Ao leitor sem medo (Editora UFMG) e A última razão dos reis, este publicado pela Companhia das Letras, para a qual também organizou o volume de ensaios A sedução e suas máscaras.
Mídia e Política, Editora Educ e Neamp, R$ 15,00 – EDUC: Rua Ministro Godói, 1213 – CEP 05015-001 São Paulo/SP
Este livro foi produzido pensando-se nas profundas transformações tecnológicas e nas crises dos regimes políticos e do sistema representativo, quando a informação torna-se, cada vez mais, uma forma de poder. Nesta situação a imprensa, nos seus diferentes tipos, ganha relevância.
Mídia e Política, diante das diferentes modalidades da produção, disseminação e consumo da informação, volta-se para a análise e o debate dos meios de comunicação de massa, mais do que nunca explicativos das tramas que envolvem os indivíduos e as instituições na contemporaneidade. É neste sentido que foram elaborados os textos que se encontram neste livro, que tem como preocupação básica abordar criticamente o impacto causado pela mídia sobre a política – e vice-versa.
Seus autores são pesquisadores do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (Neamp) do Programa de Estudos de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Os artigos foram produzidos entre setembro de 1998 e dezembro de 1999 e em grande parte publicados no Observatório da Imprensa.
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