Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Renato Janine Ribeiro

ASPAS

RELIGIÕES NA TV

"Religiões à venda", copyright O Estado de S. Paulo, 15/07/01

"É bem ambíguo o papel da religião na TV, melhor dizendo, nos canais ou programas religiosos – da TV Record até os católicos ou a Igreja da Graça.

Por um lado, eles apresentam o que deveria ser o mais digno: o combate ao egoísmo, a pregação de valores morais, a defesa da solidariedade humana. Por outro, isso vem carregado de elementos mercadológicos, de oferta de vantagens ridículas ou mesmo indecentes.

Não é o caso de individualizar o comentário, até para não parecer que tomamos o lado da Igreja Católica (ou da Globo) contra os evangélicos, ou vice-versa. Mas vale a pena aprofundar essa contradição.

À primeira vista, temos nesses programas a maior preocupação possível com a espiritualidade – num importante contraponto ao egoísmo de nosso tempo, a seu anseio por bens materiais. Contudo, mais de perto, vemos que em vez da negação de si, da entrega ao outro, da abnegação, a ênfase está nos ganhos de quem se dedica à religião do Deus verdadeiro (seja ela qual for): o casamento se recompõe, se reconquista o emprego, se melhoram as finanças e, com isso, a saúde, a felicidade, enfim, os valores mais terrenos, mais egoístas.

Poderíamos ter pregações de outro tipo. Padres e pastores poderiam retomar velhos temas religiosos, como os que exaltam a alegria de dar ( ?é dando que se recebe?, dizia São Francisco de Assis, numa frase que foi entregue ao deboche, na Constituinte de 1987, por um falecido líder da direita).

Talvez a grande razão para esse caráter egoísta de boa parte da religião na pequena tela (com honrosas exceções, como a Campanha da Fraternidade) esteja no fato de que a TV é, dos meios de comunicação atuais, o mais empenhado em promover a satisfação de si. Esse é um valor fundamental de nosso tempo – e seria enorme erro condená-lo moralmente. Trouxe grandes benefícios, a começar pelo incentivo à luta dos espoliados ou oprimidos (negros, mulheres, pobres, homossexuais) contra a injustiça.

Pela ênfase no consumo, no sexo, a TV contribui para lutar contra a desigualdade social. Sukarno, que foi o primeiro presidente da Indonésia, disse, há uns 40 anos, que as lutas do Terceiro Mundo contra os Estados Unidos deviam algo aos filmes de Hollywood. Eles (explicava) mostravam uma vida confortável. Como os pobres não poderiam tê-la, no quadro da aliança norte-americana com as oligarquias locais, o cinema paradoxalmente estimulava a oposição aos poderes vigentes. Ora, hoje o papel que foi do cinema passou em parte para a TV que, por isso mesmo, afronta um certo conservadorismo social.

O problema é que a satisfação de si não é o único valor importante. A compaixão também o é. E a TV pouco faz pela entrega gratuita ao outro. Ela reforça a tendência, intrínseca ao capitalismo, da auto-afirmação. Disso, nem a religião escapa. É constrangedor, para quem tem uma fé religiosa mais intensa – ou conhece os clássicos da religião – assistir a esses comerciais intermináveis, alguns chamados de programas, nos quais se prometem mundos e fundos a quem optar pela Igreja tal. Difícil imaginar espiritualidade mais materialista…"

 

DIGITAL

"Decisão responsável", copyright O Estado de S. Paulo, 16/07/01

"Como temos mostrado em sucessivas reportagens e editoriais, o País debate há quase dois anos a escolha do padrão de TV digital, cuja implantação deverá trazer benefícios e conseqüências muito mais profundas do que se pode imaginar à primeira vista. A TV digital não é simplesmente mais um avanço na qualidade da imagem de nossa televisão. Ela é um salto revolucionário, pela interatividade e pelas múltiplas aplicações que proporciona. Além de estimular expressivos investimentos industriais e permitir a implementação de numerosos serviços – no mundo novo da convergência entre telecomunicações, informática e multimídia -, a televisão digital ampliará os horizontes da comunicação de dados de alta velocidade, do comércio eletrônico e dos programas de vídeo sob demanda (video on demand), entre outros.

Em artigo publicado dia 2 último, no Estado, o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Renato Navarro Guerreiro, confirmou nossas opiniões, não apenas em relação ao cuidado que aquela escolha exige, mas, também, com relação ao tempo consagrado à sua análise.

Nada seria pior do que uma decisão apressada, superficial, emocional ou política, adotada sob o fogo cerrado das pressões que os grupos interessados fazem nos momentos de decisão ou de licitações dessa natureza. E, no caso específico dessa concorrência, as pressões não têm sido nem poucas nem discretas. Por sorte, a Anatel tem sabido manter-se ao largo de todas elas.

Outro aspecto muito positivo é o volume de estudos e pesquisas que o tema tem estimulado, o que contribui ainda mais para ampliar a competência tecnológica do País nesse campo. Um dos pontos fundamentais destacados pelo presidente da Anatel é o fato de a passagem do padrão analógico para o digital significar muito mais do que um salto tecnológico, envolvendo desde a transferência de tecnologia até um novo modelo empresarial para o segmento de televisão, do ponto de vista da capacidade financeira das empresas, da produção e da geração de programas, além dos aspectos culturais, políticos, educacionais e econômicos.

Considerando que a televisão aberta está hoje presente em mais de 95% dos domicílios brasileiros, não é difícil compreender o alcance da digitalização em nosso país. Por isso, errar na estratégia de adoção da tecnologia digital na televisão brasileira será prejudicar, inegavelmente, a sociedade brasileira como um todo.

Na opinião do presidente da Anatel, ?não há exagero em afirmar que o estágio democrático alcançado pelo País, o crescente nível de informação? muito devem ao rádio e à televisão, embora enfatizemos a necessidade de elevação dos níveis de qualidade e de melhoria do conteúdo da maioria dos programas da televisão aberta brasileira.

Nenhum avanço tecnológico será muito significativo se se limitar apenas à melhoria da imagem, sem a correspondente qualidade no conteúdo dos programas. Façamos votos, portanto, para que a escolha estratégica a ser concluída pela Anatel possa deflagrar as numerosas transformações tecnológicas, econômicas e sociais esperadas por todos os especialistas. E tornar realidade a expectativa do presidente da Anatel, de que o canal hoje disponível para TV digital, de 6 Megahertz, com capacidade para transmitir um único programa, venha transmitir 20 Megabits por segundo, suficientes para a difusão de três ou mais programas, simultaneamente, além da prestação de serviços como comunicação de dados em alta velocidade, jogos eletrônicos, comércio virtual e programas sob demanda, inovação que dará ao telespectador o poder de escolher o que e quando assistir."

    
    
                     

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